A cultura se movimenta.
As pessoas são alimentadas e moldadas segundo sua cultura. O que é sagrado para uma, pode ser profano para outra. Deve-se compreender uma cultura a partir do seu cotidiano, conhecer a identidade e o que pensa e fala quem produz as riquezas culturais.
A cultura de um povo é como o conjunto dos textos escritos pela vida deles, pelos ritos, canções, danças, jogos e troca de presentes.
È através das diferenças que nos reconhecemos nos outros, pois a distância é um elemento essencial para a percepção dos contrastes. Reconhecemos nosso próprio costume quando observamos um costume diferente. Alteridade é isso; reconhecer-se no outro.
Muitos grupos produzem suas próprias fronteiras, para resguardar seu modo de viver e pensar. Aos poucos devemos quebrar essas barreiras, porque se não compreendemos um povo, não temos como nos situar entre eles. As Culturas diferentes geram um modo peculiar de produzir história. História que as pessoas herdam, usam, renovam os hábitos e costumes, acrescentam e transmitem aos outros, numa relação de troca que acontece a todo momento.
A cultura é nosso modo de vida, é o legado que recebemos e depois deixamos para o nosso grupo social.
Falar de cultura em plena semana de aniversário de 50 anos da criação do Parque Indígena do Xingu mais parece um pretexto para eu penetrar nesse mundo extraordinário, onde índio não é só homem pintado de jenipapo e urucum, mas um ser supersticioso, que conta historias fantásticas, como escreveu Orlando Villas Boas, no livro A Arte dos Pajés.
Tive a sorte de ter ido ao Parque Indígena do Xingú algumas vezes, caminhar ao lado do grande Líder Aritana Yawalapiti, ouvir entusiasmada os projetos de Ianacolá. Hospedamos no Posto Leonardo e dalí, montados num velho trator visitamos os Kamayurá, dormimos em redes na casa dos hóspedes, um grande salão de uso comunitário. Presenciamos a ordem que se estabelecia naturalmente ali, na divisão da comida e do trabalho. Nos alimentamos de peixe assado, de beiju de mandioca e pequi. Mas os ovos de tracajá e carne de caça eram também servidos.
Todo movimento era uma demonstração cultural carregada de simbolismo e magia. Tentávamos entender um pouco de cada cena que se passava diante dos nossos olhos perplexos; a paisagem, as cores, a nudez!
As aldeias são dominadas por grupos de descendência, mas o índios xinguanos desenvolveram rituais de interação entre as tribos diversas, como os casamentos e a prática do moitará e isso foi tornando suas culturas similares.
No inicio do período de seca, os índios começam a movimentar o sistema de troca, chamado moitará. As trocas são controladas pelos Caciques e podem se dar entre aldeias ou entre famílias. Eles carregam os objetos que pretendem trocar; artesanato, frutas, redes e se dirigem a casa escolhida para iniciar a negociação. Víamos os objetos serem passados de mão em mão e de repente, um objeto era colocado no chão pela família visitada. Esse era o objeto escolhido e se a negociação fosse aceita pelo visitante, estava feito o moitará.
As crenças e as práticas das mesmas levam à superstições e aos ritos, tais como; o da flauta sagrada, tocada na casa dos homens, onde se passam os ritos masculinos e que as mulheres não devem vêr e nem tampouco saber quem as toca. E se por ventura tocadas no pátio da aldeia, mulheres e crianças ficam trancadas nas casas até o término do ritual. No mundo dos Kamayurá a proibição não é apenas visual, é também auditiva, as mulheres não devem sequer ouvir o som das flautas.
A eficácia das práticas mágicas dependem da crença na magia por parte do doente ou enfeitiçado.
No mundo Xinguano sómente os homens podem se tornar Xamãs. Os Xamãs são grandes feiticeiros, homens que mantém relações íntimas com as forças naturais, controlam as relações das aldeias com o mundo sobrenatural, a relação entre o homem e o espírito que habita a floresta e os rios, que traz doenças, invade as casas e se transforma em animal da floresta.
Os espíritos aparecem apenas para as pessoas doentes e para o Xamã em transe. Quando não são curados, a morte é recebida com tranqüilidade e não há incompatibilidade alguma entre a alegria e a morte. E a dança em homenagem aos mortos é conhecida como Quarup. Uma cerimônia que as palavras não descrevem mas é o ritual do Adeus Aldeia das Almas e acontece nem sempre, numa data fixa, porque depende da chegada do período de seca. Cada povo indígena celebra seu próprio Quarup, convidam as aldeias vizinhas, dura dois dias regados a muita música e comida farta.
A morte não é o fim para os povos xinguanos. Os mortos se reencontram na Aldeia das Almas.
O Parque Indígena do Xingú não é um mundo perfeito, mas agora está em festa e daqui eu penso no universo xinguano com encantamento e relembro Geertz dizendo que é importante que um ser humano possa ser um completo enigma para outro ser humano.