Cultivando valores supra religiosos e éticos

Tive o privilégio de participar de duas palestras de sua Santidade, o Dalai Lama em São Paulo, no último final de semana. Fiquei profundamente comovida e inspirada com sua sabedoria cheia de humildade e compaixão. Com voz pausada, riso tímido, sua mensagem é simples, dirigida ao coração, num apelo sem rodeios a construção de uma sociedade justa, eticamente responsável e sobretudo, mais solidária. Sequencialmente planejada, a palestra aborda o progresso consensual, onde o interesse de um continente deve ser também o interesse do outro, para que haja desenvolvimento e convivência responsável entre os povos.

A convivência, uma preocupação de Dalai Lama, nasce do diálogo e deve ser cultivada e exercida harmonicamente conosco e com os outros. Através do respeito e da valorização das diferenças e do passado de cada um, devemos construir métodos realistas de não-violência, praticar a tolerância contra o inimigo, aprender a aprecia-lo sem jamais submeter-se a ele.

O aumento da população mundial, quase 7 bilhões de pessoas traz preocupação, a impossibilidade de viver o sonho de ver todos os continentes se transformarem numa grande comunidade global, de se viver num mundo desmilitarizado, com redução tremenda das armas nucleares. O clamor de Sua Santidade passa por esses temas críticos e ainda pela corrupção, que ele considera um câncer, que se alastrou no mundo materialista. Meio tímido o Dalai Lama, na presença do prefeito Gilberto Kassab, perguntou qual o tamanho da corrupção no Brasil. A resposta não foi tímida e se fez ouvir em toda extensão do Centro de Convenções do Anhembi. Nesse momento, cita a falta de liberdade na China e elogia a democracia bem estruturada na India, um país, que unificou todos os seus pequenos reinos.

Promotor do diálogo entre todas as culturas e religiões, sua Santidade crê na educação como o fio condutor das transformações universais, contudo o processo educacional deveria adotar uma visão mais holística, para aprendermos a cuidar mais de nós mesmos, da Terra e de toda vida sobre ela e introduzir valores internos naturais como ética, o afeto, a tolerância e valores supra-religiosos e a casualidade, a certeza de que praticar a bondade traz retorno igualmente bom, sempre.

Tenzin Gyatso, monge budista, doutor em filosofia budista, nasceu com o nome de Lhamo Thondup. Aos 2 anos foi reconhecido por monges como a reencarnação do Dalai Lama, autoridade máxima do Budismo Tibetano. Foi separado da família aos 4 anos de idade e então, empossado como líder espiritual do Tibet. No rito de preparação estudou budismo, história e filosofia e em 1950 assumiu o poder político do Tibet. Nesse mesmo ano, o Tibet foi invadido pela China.

Em 1959, depois de uma rebilião contra o domínio chinês, exilou-se na cidade de Dharamsala, na India, onde vive acompanhado por cerca de 120.000 tibetanos que se exilaram ao longo dos anos. Ganhou o prêmio Nobel da Paz em 1989, como reconhecimento por sua campanha pacifista pela autonomia do Tibet, como enfatizou o próprio comitê, que outorgou o prêmio. O Dalai Lama sempre enfatiza que a solução para os conflitos devem ser pacíficas e baseadas na tolerância e respeito mútuo. Incansável também é a luta para preservar a história e a cultura do povo tibetano.

Falando com grande inspiração, sua Santidade é considerado um ser destinado à iluminação e a compaixão. Vive como um verdadeiro monge, o que demonstrou ao recusar hospedar-se na suíte de luxo de um hotel em São Paulo. Em acomodação mais modesta, sereno e timidamente bem humorado, anunciou-se no palco, como um simples monge budista, nem mais, nem menos e que livre de violência, da avareza, do medo e do ódio, mas com coragem e determinação quer apenas contribuir para dissipar as desgraças do mundo.

É imprescindível a conclusão do projeto de pavimentação da BR 163, trecho Cuiabá – Santarém

Considerada uma das principais vias de escoamento da produção de Mato Grosso, a BR 163 vem sendo prometida, lançada, iniciada, paralisada, retomada as obras, desde o governo de Itamar Franco. Hoje, há parcerias ali entre Governo Federal, Governo do Estado, Empreiteiras, Exército e está avançando, contra o tempo, contra as mazelas da poeira, das pontes estreitas. São cerca de 60 pontes de madeiras que estão sendo substituídas. Pelos governos de ambos estados, a BR 163 é considerada a espinha dorsal dos projetos de logística e desenvolvimento por abrir novas perspectivas de progresso para a região.
Viajei com olhos atentos, olhando a estrada, os estragos, as vidas e vilas que se amontoam no curso da BR. Ao longo do planejamento da viagem, depois de centenas de telefonemas e e-mails pude conhecer algumas pessoas que demonstraram de forma contundente, que a luta do povo em algumas regiões, depende muito do espírito solidário, da determinação, articulação e liderança de alguns poucos.

Logo que se ultrapassa a fronteira entre Mato Grosso e Pará, está localizado o pequeno Distrito de Castelo de Sonhos. Distante 1.100 km do município sede, Altamira, considerado o maior município do mundo, em extensão territorial.O distrito tem um sub-prefeito, mas é a comunidade que se organiza e realiza inclusive obras, em parceria com os comerciantes locais, que em coro pedem a emancipação do distrito e para tanto aguardam esperançosos a alteração na lei, diferenciada, que dispõe sobre a criação de municípios na região Amazônica.

Em Castelo de Sonhos foi criada a Associação de Produtores Rurais do Vale da Garça, que declarada de utilidade pública, é presidida por uma mulher, a Preta, que não sossega, anda pra lá e pra cá, reclama, dá ordens e organiza tudo impecavelmente, com ajuda de seus diretores. A Associação tem vida financeira própria, promove festas, cobra, arrecada e sobretudo, cuida de gente, com respeito. Nascida no Paraná, filha de produtores rurais pobres, veio para Mato Grosso criança, depois de percorrer com os pais os Estados de Rondônia e Acre em busca de oportunidade. Casou-se aos 15 anos em Mato Grosso, criou 5 filhos. Criou no sentido literal da palavra, deu-lhes estudo, dignidade e esperança. Mora em Castelo de Sonhos há 12 anos e desde então luta com dificuldade e afinco para melhorar a vida dos habitantes de Castelo de Sonhos.

Preta relatou os avanços que a Associação tem conseguido para este lugar que não tem hospital, não tem telefonia celular e sofre apagões constantes, um deles, recentemente, durou 3 dias. Mas as melhorias vão aparecendo aqui e acolá, um médico a mais para o PSF, projeto e convênio para a construção do primeiro hospital para a comunidade, que conta hoje com cerca de 10 mil moradores e tem ainda grande número de adolescentes sem escolas. Preta já foi recebida pelo ex Presidente Lula. Corajosa manifestou-se de forma irônica, escreveu Brasil com Z numa faixa e abriu-a na frente do Presidente e explicou que escreveu com Z porque os moradores de Castelo de Sonhos se sentiam como estrangeiros, fora do processo de desenvolvimento do país. A Associação tem lutas diversas em curso, entre elas, a regularização de áreas para doação para construção do hospital, a ampliação dos limites ou reversão da lei que criou a Floresta Nacional do Jamanxim.

A criação inesperada da reserva rendeu ato de protesto liderado por diversas Entidades e a Associação presidida por Preta, que coordenou boicote a uma série de oficinas sobre manejo, oferecidas pelo Ibama. História como a de Preta, deve existir muitas no eixo da estrada e a propósito, dois sonhos povoam a mente dos castelenses: a emancipação e a conclusão da BR 163.

Fuga

Não há medo nesse silêncio,
Não há palavra contida nem riso abafado.
Fiquei assim… sentei-me no canto da sala.                                                                                                        Nosso pensamento que poderia coincidir,
Hoje diverge sem tréguas e sem explicação,
Que consequência pode decorrer da minha ilusão
Se no fundo imperativo manda meu coração?
Não há nada mais que esse silêncio.
Não há o que salvar.
Não reconheço sequer o vulto do que fomos.

O crônico flagelo da fome

Eu não saberia descrever o quanto dói a sensação de fome e não alegro-me ao ler o último relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que no ano passado divulgou dados sobre o número de pessoas que passam fome no mundo e ao detalhar o relatório enfatizou que a cada 6 segundos uma criança morre acometida por alguma doença relacionada à fome. O número estimado de pessoas subnutridas é de um bilhão e vinte e três milhões de pessoas, das quais 578 milhões vivem na Asia e no Pacifico. Dois terços das pessoas que passam fome vivem em 7 países: Bangladesh, China, Congo, Etiopia, India, Indonésia e Pakistão.

A FAO comemorou ao constatar que pela primeira vez em 15 anos caiu o número de pessoas subnutridas e o Brasil pelo segundo ano consecutivo lidera o ranking dos países com melhor performance no combate à fome.

Embora os números tenham sido consideravelmente reduzidos, é ainda inaceitável que a erradicação da fome não seja prioridade zero dos governos, que segundo aponta a FAO devem investir mais na agricultura, combinado com a expansão da rede de assistência social e criar mecanismos eficientes para proteger as pessoas com mais vulnerabilidade.

O corte promovido pelo governo americano nos programas de ajuda alimentar e combate a fome pode comprometer drásticamente os países africanos que se encontram mergulhados numa terrível seca. A comida não foi tratada como um aspecto crucial da política internacional, sabendo o governo americano que não pode haver paz ou estabilidade quando se administra uma multidão faminta. As imagens, sobretudo, de crianças desnutridas á beira da morte voltam a cena nos noticiários internacionais. A imagem choca, mas se repete, alimentada por ingredientes externos como a seca, a guerra, os terremotos, difíceis acessos aos meios de produção e a indiferença.

Essas pessoas que sofrem com a flagelo da fome não representam apenas os números atualizados de uma estatística, são pessoas, homens e mulheres muito pobres que lutam para criar seus filhos. Os dados assombraram a própria ONU durante a reunião de cúpula em setembro do ano passado em Nova York, onde discutiam medidas que poderiam acelerar o progresso nos países pobres. Fixou-se aí então, algumas metas e a primeira das quais é acabar com a pobreza e a fome.

É preciso incitar os líderes mundiais a tomar medidas firmes e urgentes para acabar com a fome, a tratar a questão com seriedade e a buscar incessantemente medidas que possam ajudar a construir um futuro para as crianças e jovens. Com US$ 25 milhões por ano, seria possível reduzir sensivelmente o quadro de desnutrição nos 15 mais famintos países da África e da América Latina e salvar da fome pelo menos 900 mil crianças nos próximos quatro anos.

O Brasil, um país de contrastes vive boa fase de crescimento econômico, foi apontado no relatório como um país que tem avançado para reduzir o número de pessoas desnutridas especialmente devido a atuação positiva da economia nos anos passados, contudo ainda prevalece a máxima onde os 10% mais ricos detém quase toda a renda nacional e à margem vive um exército escandaloso de 15,6 milhões de pessoas subnutridas.

Anos atrás conheci Mark London, advogado e escritor americano que apaixonou-se pela história da BR-163, no trecho que liga Cuiabá a Santarém, e em seus apontamentos relatou preocupação com a miséria e a fome que se abatiam sobre as pessoas que viviam ao longo da BR. Acabo de percorrer o trajeto e constatei que os bolsões de miséria transformaram-se em pequenos vilarejos e distritos, dotados de precária estrutura, mas o fantasma da fome não mais povoa o trajeto da rodovia.