Perdoar não é aceitar o inaceitável

Em nossa essência somos seres poderosos, puros, amorosos, felizes e pacíficos, porém ocupamos um mundo complexo, onde muitos ainda vivem em um ambiente implacável de raiva, medo, culpa, vingança, num estado de mundo doente. Mas a construção da paz significa cultivar um sistema de solidariedade mútua e envolve também desarmar as ideologias que têm criado intolerância, ódio e violência. A salvação seria nosso esforço para evitar que os males surjam em primeiro lugar, porque depois de instalados, calmamente cabe-nos desmantelá-los e não há dissolução natural da servidão ao mal senão pelo ato de perdoar.

O perdão é um pré-requisito para o amor verdadeiro. Não podemos ter um relacionamento amoroso, onde há julgamento, ressentimento e culpa. O paradoxo do perdão é que o perdão é um ato de coragem e não um ato de fraqueza; ao estendermos a mão para os que nos ferem, somos nós que ficamos curados, porque o perdão restaura a paz interior. Perdoar não quer dizer tolerar, esquecer, reconciliar ou concordar, pois nenhum abuso pode ser justificado e precisa ser estancado na raiz, a ambivalência do perdão reside exatamente na paz proporcionada pela opção de liberar as emoções destrutivas causadas por fatos dolorosos.

Na cultura contemporânea as pessoas abrigam pensamentos ressentidos, memória de ofensas passadas e a retórica atual faz com que a dor e a raiva sejam guardados como uma espécie de “assunto proibido”, que não pode ser tocado. Em vez de procurar curar as feridas e perdoar, as pessoas são incentivadas a buscar alguma forma de retorno vingativo. O ódio ainda é, por muitos considerado como uma força e não um mal que alimenta-se de si mesmo e de seus aspectos delirantes.

O equilíbrio é a condição para a prática efetiva da bondade, compaixão, alegria e felicidade; a pessoa equilibrada não ofende. Embora o equilíbrio produza a compaixão, o perdão torna-se mais uma questão de liberdade espiritual. A prática da arte do perdão implica vontade de reconhecer primeiro nossas próprias falhas.
Decidir perdoar é o primeiro passo. Eventualmente, torna-se necessário perdoar a nós mesmos, escolhendo superar o desejo de vingança. O autêntico perdão ajuda-nos a não buscar punição contra aqueles que têm nos prejudicado, liberta-nos da raiva, do ressentimento e apesar da dor que causa lesões em nossos corações, devemos responder a dor injusta com compaixão e benevolência, optando por não agir movidos por paixões vingativas.

Para curar verdadeira e profundamente a alma do ódio devemos liberar as queixas e isso pode ser um conceito difícil em uma cultura em que prospera o drama e a adversidade. Porém cada um de nós é responsável por encontrar o ponto ideal onde o perdão habita. Cada um de nós é responsável por quão profundamente deixamos a raiva, ressentimento e tristeza habitar nosso ser. Temos sempre a escolha de deixar as emoções pesadas para trás e buscar o caminho do perdão.
A verdade é que é mais fácil esquecer do que perdoar.

O Natal é um estado de espírito

“Fica sempre, um pouco de perfume
Nas mãos que oferecem rosas
Nas mãos que sabem ser generosas”

Então é Natal! Temporada de férias, compras, comida e troca de presentes. Por que não dar um passo para trás em busca do verdadeiro espírito de Natal, para examinar o que é tudo isso, o que representa ainda esse tempo repleto de histórias de nascimento, de fé e de músicas tristes? O Natal é bem mais que um feriado, é certo. È uma estação, mas de consumo exageradamente fútil que movimenta bilhões, que se direcionado a ações sociais minimizaria a miséria de 48% da população mundial que ainda vive com apenas R$ 4,00 por dia e produziria um impacto positivo sem precedentes na história do mundo.

Li um depoimento escrito pelo presidente da Covenant House, a maior rede de caridade nas américas, que ajuda crianças e jovens traficados, viciados, abandonados nas ruas à toda sorte de violência. O senhor Kevin Ryan, dirige essa instituição, que atende anualmente 56.000 crianças de rua nos Estados Unidos, Canadá, México, Nicarágua , Honduras e Guatemala, dando-lhes amor e apoio para que eles tenham um pouco de conforto, comida e roupas limpas enquanto não encontram seus verdadeiros destinos fora das ruas.

Na véspera do Natal de 2010, a Casa Aliança reuniu os familiares, os doadores e todo pessoal do abrigo para a confraternização. Voluntários da comunidade tocavam violão quando uma sombra apareceu do lado de fora da janela, e lá permaneceu imóvel. Era uma figura encapuzada e curvada, que os observava. O Sr. Kevin saiu do círculo dos amigos para ver quem estava lá e deparou-se com um menino, de 14 ou 15 anos de idade, ele tinha olheiras e parecia faminto e cansado. Era Jeremias. Convidado a entrar, hesitou e perguntou quanto teria que pagar para comer algo lá dentro. Com bondade foi tomado pelas mãos e aproximado da mesa farta, onde nada lhe seria cobrado. O jovem explicou que conseguiu juntar pouco dinheiro, só tinha 26 dolares dos quais não poderia dispor.

Entrou, sentou-se à mesa, comeu, ouviu música, foi abraçado, ganhou presentes. Contou sua história da mãe morta pelo câncer, o irmão entregue a uma família, que ele nunca mais viu. Lembrou de muitos natais passados com a mãe cantando-lhes canções. Só no mundo, vivendo de esperança nas ruas, ele estava vivendo uma noite de natal irreal.

Mais tarde, em plena festa, pelo telefone o Sr. Ryan é avisado que a unidade da instituição de caridade em Nova Jersey havia sido roubada naquele instante. Quebraram a janela de trás e levaram todos os presentes que estavam guardados para as crianças. Estarrecido contou a todos o que havia acontecido na outra casa de caridade. Jeremias levantou-se rápido, espantado. Ele abriu a carteira e tirou os 26 doláres e disse: “Eles precisam mais do que eu agora.” Desde então, os amigos chamam Ryan de “Ryan Crying” (Ryan chorão) e não é difícil entender a razão.
Bem disse o comediante Bob Hope, sem fazer graça: “Se você não tiver nenhuma caridade no seu coração, você tem o pior tipo de problema cardíaco”.

Por que culpar os outros?

Na cultura política os líderes modernos estão menos dispostos a admitir a falibilidade. Não assumem culpas e dizem sempre que “erros foram cometidos”, de forma aleatória, passiva e distanciada do reconhecimento do erro. Os políticos tem seus bodes expiatórios, sobre quem recai as culpas para dar aos governos a liberdade de agir de determinadas maneiras.

Nos governos há o que se descreve como a cultura de culpar os outros para evitar assumir a responsabilidade por atos falhos. Estamos nos acostumando a categorizar, estigmatizar e colocar a culpa nos outros. Há muitas teorias sobre porque temos essa tendência de transferir culpas e parece que isso é algo intrínseco do nosso ser por medo do castigo. Nós desenvolvemos essa habilidade de culpar os outros muito cedo. Assim desde criança usamos o refrão “foi ele quem começou”, já passando a responsabilidade para outra criança. Na vida adulta, os casais se culpam mutuamente pela infelicidade, pela infidelidade não para terminarem o casamento, mas para dar-lhe sobrevida artificial.

Os erros e sofrimento são partes inevitáveis da vida. Entre nascer e morrer os homens lutam para permanecer vivos. O corpo físico é exposto a perigos constantes; a fome, violência, acidentes, envelhecimento e morte são os mais eminentes. E sofremos de dentro para fora ao considerar as forças naturais que nos ameaçam.

Pessoas gemem, reclamam e inventam desculpas por não terem amigos, por não conseguirem acumular dinheiro, por não serem promovidas e amadas. Todos os infortúnios são causados por ação de terceiros. Algumas, não poucas pessoas gostam desse artifício de posar de vítima. Assim é mais fácil aceitar as próprias limitações, os desvios do curso natural da vida. Enquanto a verdade recai nas escolhas, na  responsabilidade. Tudo o que fazemos é porque decidimos fazer isso em vez daquilo.

Há uma diferença entre ser vítima e ter uma mentalidade de vítima. Muitas pessoas são vítimas de terríveis experiências, provas e traumas físico, sexual e emocional. Fazer-se de vítima é diferente e ocorre sobretudo quando em vez de assumir responsabilidades, o poder da tomada de decisão é transferido a outros. A mentalidade de vítima é aquela em que culpa-se os outros para sentir alívio e se nunca a culpa lhe recai, tampouco a responsabilidade lhe pode ser cobrada. Vai ser sempre a vítima e esse círculo vicioso levam as vítimas a imputarem culpas às suas famílias por falta de apoio ou alegam que a família negligencia atenção e cuidado ou mesmo que influencia negativamente suas vidas.

Muitas pessoas simplesmente se acomodam nessa condição, porque rende-lhes atenção, foco, comentários bajuladores; “como é triste você ter que passar por tudo isso, como é terrível que tenha sido tratado dessa maneira, você não merece isso”! As pessoas em volta desenvolvem um sentimento de validação dessa hipocrisia.

Os homens de espírito corrompido

Apesar do aumento do número de mortes surpreendentemente violentas, crises humanitárias, assassinatos em massa, isso não tem sequer incitado uma resposta global igualmente contundente. O que será preciso para despertar a compaixão e mover uma ação grandiosa de intolerância à violência?

Estamos vivendo o que deve ser o paradoxo de compaixão. Quanto mais pessoas morrem, menos nos importamos; é esse o efeito da singularidade, um fenômeno em que as pessoas tendem a se importar menos com as atrocidades em massa do que com tragédias particulares. Há uma certa ignorância intencional quando o tema é a violência.

Eric Voegelin, filósofo alemão nascido em 1901, escreveu que o colapso em que se encontra o mundo é fruto da perda da consciência de experiências vitais para a ordem social e existencial. Neste quadro desolador, de deturpação dos valores surgem os homens de espíritos corrompidos, dotados de humanidade notavelmente desordenada e doente, que Voegelin chama de pneumopatologia. É uma situação em que o indivíduo pode estar aqui mentalmente, mas está desconectado da realidade e passa a viver uma realidade paralela, que é a ascenção das trevas. Como diria Voegelin: “o estúpido criminoso, não é um “psicopata”, mas algo mais profundo: sofre de uma doença do espírito, que acaba por enraizar-se em todo o ser da pessoa.

Não sei o que se deve fazer, mas é preciso demonizar os agressores, definir regras que ditam como responder aos casos de extrema violência, bem como adotar meios preventivos para evitá-las. Os países devem ser expostos em suas hipocrisias e perante as nações devem justificar suas razões para a falta de ação nos casos de violência. Não serve ao mundo sermos apenas testemunhas passivas de um século de assassinatos em massa e uma série de outras graves formas de violência. Os números de mortos vitimados pela violência não podem tornar-se estatísticas secas. E mesmo quando há silêncio na mídia, isso não significa que a violência não esteja acontecendo. As crianças estão morrendo, as pessoas adultas estão morrendo vitimadas pela violência e pela falta efetiva de ação do homem de bem.

Um velho índio Cherokee conversava com seu neto sobre a vida. Ele disse para o garoto: Há uma luta dentro de mim. É uma luta terrível, entre dois lobos.
Um é mau – é furioso, invejoso, triste, arrependido, mesquinho, arrogante, guarda ressentimentos, é inferior, mente, tem falso orgulho, duvida de si mesmo, sente-se superior.
O outro é bom – é alegre, tem paz, amor, esperança, serenidade, bondade, benevolência, generosidade, verdade, compaixão e fé.
Esta mesma luta acontece dentro de você e dentro de todas as pessoas também, disse o velho Cherokee. O garoto pensou isso por um minuto e então perguntou para o avô, “Qual dos lobos vencerá?”
O avô respondeu: “ Aquele que você alimentar mais.”

Os homens da capa preta

Assim como era no passado, o poder político no Brasil quase nunca é caracterizado pelo caráter institucional; na maioria das instituições prevalece o caráter eminentemente pessoal e por isso o respeito é devido às pessoas e não às instituições.

O Supremo Tribunal Federal, a mais alta instância do Poder Judiciário no País, foi criado pelo Decreto número 848, de 11 de outubro de 1890. A a primeira sessão ocorreu em 28 de fevereiro de 1891, no Rio de Janeiro, em sessão extraordinária, onde se reuniram os 15 ministros. Desde que foi promulgada a 1ª Constituição Republicana, em 1891, os artigo 55 e 56 já previam que o Supremo Tribunal Federal seria composto por cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo presidente da República, sujeitando-se a aprovação ao Senado.

Atualmente o Tribunal compõe-se de 11 ministros, cujos cargos são vitalícios e se aposentam compulsoriamente aos 70 anos. O Supremo, que foi criado sob inspiração norte-americana, nasceu para ser o intérprete máximo da Constituição republicana, dos direitos fundamentais e da estabilidade institucional; consolidou-se no cenário político nacional como um verdadeiro Poder de Estado e um Tribunal de Defesa das Liberdades Públicas, principalmente devido aos excessos cometidos pelo Poder Executivo. Muitas mentes brilhantes por lá passaram e pelo site do STF pude constatar que cerca de 180 ministros integraram a corte, participaram de julgamentos históricos, como o banimento da família real do Brasil, o estabelecimento do governo militar, a improbidade administrativa do Collor e agora o julgamento do processo do mensalão.

Os bate-bocas sempre foram protagonizados por membros da corte, onde a retórica, a contundência, por vezes resvala no desrespeito. Mas isso sempre existiu, até porque há muita controvérsia e os pontos de vista quase nunca coincidem. O decano da corte, ministro Celso de Mello, um apaziguador de ânimos, disse que: “Eventual contraposição dialética em torno da interpretação dos fatos, isso, na verdade, faz parte”. Porém, o sociólogo Marcos Coimbra, do Instituto de Pesquisa Vox Populi, em entrevista, afirmou que são poucos os que ainda acreditam que a cúpula do Judiciário brasileiro seja apolítica. O sociólogo critica também o apego dos ministros à notoriedade e o alinhamento com a mídia.

O julgamento do mensalão, que ao contrário do que muitos brasileiros imaginavam, não termina em pizza, com o Tribunal decidindo pela culpabilidade de políticos de vários partidos no esquema de compra de votos e apoio político, vem como prova de que se nossas instituições não são perfeitas, estão amadurecendo. O ex-ministro Paulo Brossard disse que temos sido muito lenientes com os casos de corrupção política e lembrou, em entrevista, o caso de um ex-governador brasileiro, sobre o qual o povo dizia: “ele rouba, mas faz”.

Apresentado em tom de exagero pela mídia como o “menino pobre que mudou o Brasil”, o relator da ação penal do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, foi indicado pelo também menino pobre e ex-presidente Lula em 2003. O colegiado é de alto nível e tudo, absolutamente tudo está previsto no estatuto de mais de 400 páginas, de leitura difícil para leigos como eu. Nas sessões ordinárias ou extraordinárias, todos devem usar a capa preta, as vestes talares (hoje fabricadas por costureiros famosos como Ermenegildo Zegna) e se um fala francês, outro fala alemão, outro escreve poesias, outro toca guitarra. Nada demais!