Os quatro Bardos

Bardo é uma palavra tibetana que significa transição.

Nada é permanente e todos passamos por períodos de transição, períodos de grandes incertezas. A vida é um intervalo entre nascimento e morte. A experiência do bardo acontece ai, o tempo todo que vivemos. Nossa existência é dividida em quatro realidades, quatro bardos:  O bardo desta vida, todo período do nascimento até a morte; o bardo doloroso da morte, o bardo luminoso do pós morte e o bardo cármico, do renascimento, ou do que viremos a ser.

Nesse mundo turbulento que estamos inseridos, vivemos o bardo da nossa existência fragmentada e ameaçada. Muitos de nós não entendemos à impermanência que permeia todos os lados da vida. A transitoriedade da vida nos mostra que toda segurança material que lutamos tanto para adquirir pode desaparecer num piscar de olhos. Embora a mudança constante possa nos fazer infelizes, a roda da existência gira implacável, mesmo em meio a raios de agonia. Nossas emoções fluem como água e levam para o buraco as experiências que acumulamos, as respostas óbvias que tínhamos para tudo. A história tem provado uma e outra vez e vai continuar provando que nada neste mundo é duradouro. Todas as coisas com as quais nos agarramos se transformam, resplandecem ou acabam.

Tantas lições para aprender! Eventualmente nos agarramos ao que nos parece permanente, confiável e imutável.  No mundo físico, pensamos em rochas e montanhas como coisas imutáveis. No entanto, a ação do tempo provoca grandes mudanças nas formações rochosas. 

O que é que faz com que a transitoriedade difunda tanto terror em nossas vidas? Talvez porque seja inegociável.

Nenhuma opção senão aceitar humildemente que nada podemos fazer para mudar o que é inegociável. Mesmo tomados por sensação estranha de súbita imobilidade, devemos seguir o fluxo da vida, nos adaptarmos as mudanças e entender que nada do que temos tem garantia de permanência. Mudanças acontecem a toda hora e com todos. Precisamos sentir, ajustar e, em seguida, aproveitar ao máximo o que a vida nos dá. Temos que aprender absorver os sentimentos de perda e tristeza, e seguir em frente com o que temos.

Emocionalmente, todos nós ansiamos pela estabilidade permanente, sonhamos com segurança financeira, família feliz, boa saúde e juventude. No entanto, enquanto nossa visão míope persistir, temos a tendência de viver relações inflexíveis no mundo flexível que nos rodeia.  Eu diria que o medo do impermanente não é de todo um problema dos jovens, porque esta geração já é definida por aquilo que é passageiro, o que é novo envelhece em um ritmo cada vez mais acelerado. A incapacidade de se comprometer, a opcionalidade, são características desta época em que tudo é vivido em alta velocidade.

Muitas pessoas assimilam bem a natureza mutável da vida, tanto que nota-se em muitos, um certo agir que parece desapaixonado.  Acredito que seja possível descobrir uma forma de felicidade também passageira, transitória, que proporcione um centro de segurança neste círculo da impermanência. Sim, pode ser possível dar uma base sólida a esse mundo incerto.   E desde que a transitoriedade é a única característica permanente das nossas vidas no planeta, devemos viver relacionados com o que é transitório porque vida e morte estão na palma da mão.

Existe beleza na tristeza

Rompimentos são desagradáveis, perdas são acontecimentos devastadores. Sentimos falta do abraço, da palavra, mas mesmo tristes, temos que ter coragem para continuar porque é assim que a vida acontece, entre momentos felizes e tristes.  Deve existir dentro de nós uma brigada de resgate para nos fazer crer que existe um mundo além da nossa dor, do desespero que nos paralisa, da falta que o outro nos faz.

Ficar se consumindo em auto piedade, em apelos dramáticos não é uma atitude emocionalmente saudável. A vida tem seus ciclos e eles se cumprem inexoravelmente! O amor, de modo geral, é incondicionalmente efêmero e muitos relacionamentos são também a base de sentimentos egoístas e passageiros. A amargura pode transformar-se em momentos doces, reflexivos, saudosos, se flexibilizarmos nosso entendimento que a saudade não é um sentimento ruim, que a tristeza não é necessariamente um estado depressivo, mas uma temporária fase de melancolia, que eu definiria como um sentimento um pouco vago, uma coisa que deixa a alma intangível, mas algo que seduz, no meio do ardor, desejo de viver e amargura do mistério e arrependimento.

E se pensarmos no todo? Só sentimos tristeza e saudade por algo que foi bom, que amamos verdadeiramente e sentimos falta. Sejamos gratos pela experiência vivida e vivamos a nova fase que acena, trabalhando muito, lendo, escrevendo, pintando, chorando, cozinhando, assistindo um filme, experimentando algo novo, praticando o que dá prazer. Esse frenesi de atividades distrai a tristeza, mesmo que não estejamos ainda curados. Vários estudos demonstraram os efeitos excelentes de exercício físico nos momentos de tristeza; sair e movimentar-se, apesar do tempo sombrio e triste no coração.

As situações de rompimento e perda servem ainda para reafirmar quem são os verdadeiros amigos, que é saudável recorrer a companhia deles, fazer-lhes confidências, pedir apoio. Muitas vezes negligenciamos os bons amigos por causa de relacionamentos que nos ocupam demais a mente e o coração. A tristeza não é uma enfermidade. É um estado de espírito, que só não pode ser usado como desculpa para estagnar, para maltratar as pessoas, para reclamar. É o momento propício para aprender. Chorar faz bem, porém, temos que parar mais cedo ou mais tarde, e em seguida, decidir o que fazer. A tristeza é boa na medida em que ajuda a refletir e nos empresta um olhar para dentro, uma luz nítida que diferencia o bem e o mal, um olhar sóbrio, que trás respostas que nem sempre gostamos. Mas, como poderemos crescer e mudar se nos olhamos e nem sempre nos enxergamos?

E, se no  entanto, entre os fatos de uma vida feliz, acontecer momentos melancólicos, não são nada senão uma pausa para refletir e pensar mais e mais profundamente sobre a qualidade dos relacionamentos que estamos vivendo, sobre os altos e baixos da vida e sobre as lições que podemos aprender, de nenhuma outra forma, senão com certa dor. Já que não podemos suprimir esses estados emocionais sofridos, façamos bom uso deles!

A Lei do Talião

  1. Versículo 23. mas se resultar dano, então darás vida por vida;
  2. Versículo 24. olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé;
  3. Versículo 25. queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.

No México, na Argentina, no Brasil e provavelmente em muitos outros países está havendo uma onda de reações violentas para responder aos atos de violência praticados por marginais. Nesses casos, as pessoas estão tomadas por sentimentos de vingança e não por sede de justiça.

E ora, se não somos marginais, se repudiamos o disseminação da violência, não devemos agir como tais. Não mais vivemos em estado de natureza, sem regras, sem leis e por mais que se esteja desiludido com o sistema, com a frouxidão das punições, do cumprimento das sentenças, quando “fazemos justiça” com nossas próprias mãos, estas se igualam à mãos dos criminosos, nos colocamos acima da lei e tornamos carrascos. Sem leis, já não seremos uma sociedade civil e vamos degenerar nossa condição humana para uma situação degradante e sem controle.

Ademais, não podemos retroceder ao Código de Hamurábi, uma compilação de leis punitivas antigas e rígidas com 282 cláusulas, decretado pelo rei da Babilônia, Hamurábi, por volta do ano 1772 a.C., para regular as obrigações e deveres nos relacionamentos familiares, religiosos e comerciais e nos desvios de conduta de qualquer natureza. Composto pelo Manual dos Inquisidores, a Lei das XII Tábuas e pela Lei do Talião, o código impõe uma pena para cada tipo de delito, sobretudo observando a Lei do Talião, palavra que vem do latim e significa “tal”, “igual”, o que reforça a tese de se restituir na mesma medida o ato de violência sofrido, ou seja, estabelece o princípio da igualdade entre o crime e a punição.

Contextualizado, é óbvio que o Código de Hamurábi e seus compêndios foram decretados pela conveniência dos homens em converter em leis, suas necessidades sociais para regular a vida humana na sociedade da época.

Eu porém, continuo a defender, a desbarbarização dos seres humanos, embora reconheça que temos vivido tempos de violência levada às extremas consequências e não saiba com que arma poderosa venceremos a violência que planta horrores em nossos cotidianos. Mas não existe violência justa, não existe violência necessária.  Nesse sentido, repito, além da Bíblia, escrito de Norberto Bobbio, para quem o princípio ético de não matar é absoluto, imperativo e categórico.

O original do Código de Hamurabi, possivelmente o primeiro escrito jurídico do Ocidente, com estabelecimentos de normas penais consideradas muito bem elaboradas para o seu tempo, pode ser visto no bloco original de pedra em que foi escrito no museu do Louvre, em Paris.

Quando ações e palavras não se alinham

Mahatma Gandhi escreveu que a verdadeira moralidade não consiste em seguir uma trilha batida, mas em encontrar o verdadeiro caminho para nós mesmos e sem medo segui-lo. Para encontrar novos caminhos devemos ir além do mero cumprimento das caminhadas diárias. Afinal de contas ter boas intenções e não colocá-las em prática é apenas desperdício de energia. Muitas vezes eu vi pessoas desviarem-se das críticas sobre sua conduta, fazendo falsa alegações sobre suas intenções.  Chega uma hora em que causa aborrecimento ouvir: “Eu não quis fazer o mal”. “Nunca foi minha intenção”. “Eu não sou racista”. “Eu não sou homofóbico.”

Praticamos o que somos na essência. Traídos às vezes pela linguagem corporal, nossas palavras revelam o que pensamos. Devemos então, convergir conversa e coração para o mesmo rumo. É importante ter senso de compromisso, pensar no que se fala, no que se faz. As palavras não podem ir por um lado e as atitudes por outro. Vez ou outra é bom refletir, avaliar o impacto que nossas palavras e ações causam na vida das pessoas com quem convivemos. Quando digo algo que fere alguém, não importa muito se eu pretendia dizer outra coisa, se me expressei mal. Já causei dor. Lidar com a forma como compreendemos os que nos rodeiam, com suas experiências, seus privilégios, tempo de decisão é uma lição profunda de justiça e respeito.

As nossas palavras devem ser da ordem das coisas sérias, embora quando, sem profundidade, pareçam coisas da ordem da inconsequência. Dizem que uma imagem vale por mil palavras, mas sem receio de entrar em polêmica, diria que quase tudo o que vemos precisa de palavras para ser verdadeiramente compreendido. Nossas intenções não, elas precisam ser materializadas. As palavras constroem diálogos importantes, suscitam debates, curam, são gritos ou instrumentos efetivos para construir e reconstruir vidas e projetos, porém palavras e ações devem cumprir o mesmo fim, sem linhas artificiais a separá-las.

Penso o mesmo em relação à política. As palavras não estão aí para promover ideações sem a menor possibilidade de concretizarem-se. O ideal político seria que os homens fossem altamente comprometidos com as ideias que defendem, que mantivessem a preocupação de vigiar suas ações, cumprir as promessas e unificar os ciclos de intenções e ações e aos eleitores; que fossem vigilantes e cobrassem sempre que percebessem distanciamento entre uma coisa e outra.

Não disse que o homem mente quando afasta-se do que prega. Bem mais condizente seria dizer que é uma inclinação natural do ser humano acreditar na sua própria retórica.

Mundo fugaz

Não podemos depender de abrigo e refúgio neste mundo onde tudo é movimento, inconstante e fugaz.  O caminho até pode ser o mesmo, mas a hora é outra, o sentido inverso, o sol e a chuva incidem sobre o caminho, mudam os obstáculos de forma, de lugar. A minha ignorância ainda representa tudo o que me aprisiona, contudo, trago comigo a esperança, nunca a certeza de renascer em bondade, coragem e compaixão.

Talvez aprendiz ainda apressado, que não aprendeu a não inquietar-se. Se nuvens cobrem meu céu ainda temo a escuridão. Mas não devo. O ensinamento diz que há uma luz que nunca se ausenta, que sempre brilha e que me guia. Se a luz parece fraca é minha fé que está fraca.

É da natureza do homem buscar poder e privilégio

Debruçada em estudos, debates, seminários sobre as implicações que o distanciamento entre os homens pode causar na construção de uma sociedade mais justa, li em Hobbes que jamais nos encontraremos numa situação de igualdade, porque é assim o homem, um caçador natural de poder.

A igualdade pode ser fundamental, mas a desigualdade é promovida pelo próprio homem, que avidamente busca por bens e formas de recompensa, nem somente financeira, mas também em termos de poder, para distanciar-se dos outros e assim, do alto do poder conquistado, dominar os que estão nas camadas abaixo. Enfim, as desigualdades sociais entre um indivíduo e outro dentro das sociedades estão em toda parte e é promovida por causas variadas, como fator econômico, poder, status, e está também associada a questão da cor e do gênero.

Em vários autores, entre eles, Platão e Santo Agostinho, a desigualdade social é confirmada como um elemento da natureza e não produz necessariamente resultados maléficos. Dentro desse contexto, nos lembramos que a sociedade idealizada por Platão, já seria desde o princípio, estruturada em classes distintas; os guardiões, os auxiliares e os trabalhadores. Maquiavel, ao ensinar a governar as massas, evidencia a desigualdade entre uma força e outra. A força que governa teme a massa, exatamente pelo distanciamento em que se encontram e pelos interesses antagônicos que defendem.

O Estado bem poderia ser o agente que viabilizaria a existência da sociedade em suas diferenças, ser o equilíbrio entre as classes. Mas o Estado legisla para proteger a propriedade e a elite que a possui. Os indivíduos que ocupam posições diferentes, tem naturalmente interesses distintos. Por conseguinte, haverá sempre uma classe dominada e outra dominante, que por ter poder, controla ou influencia as ações do Estado.

Em meio a criticas e alguns conceitos vagos, o juízo de valor que as pessoas fazem umas das outras dependem do poder que exercem, da riqueza que possuem e do prestígio que desfrutam e são elementos fundamentais para constituir a desigualdade social. Aquela velha história de ser reconhecido pela roupa que veste, pelo bairro que mora, pelos lugares que frequenta. Outros fatores são acusados de promover desigualdade social, como por exemplo, a desigualdade de gênero, que tem raízes históricas. Os homens são evidentemente mais ricos, gozam de melhor status e são inegavelmente, nem por isso justo, mais influentes do que as mulheres.

No Brasil, mesmo considerando todo investimento nos programas de elevação da renda, há um vasto mundo de desigualdades separando os indivíduos, ora por região, pela cor, pelo gênero, pelo distanciamento cultural, pelo status e pelo poder político. A desigualdade social, que pode ter sido escancarada pelo processo de globalização, sempre foi um incômodo para o país, que tristemente vivencia todas as formas de desigualdade citadas pelos autores estudados. Alguns autores minimizam seus efeitos negativos, outros as reconhecem como resultados naturais das lutas empreendidas por indivíduos naturalmente desiguais.