Pacifistas ou vingadores?

Desde o estabelecimento dos primeiros “estados”, a conquista ou retomada de um lugar, dá-se no curso das guerras, o que aconteceu até mesmo com tribos indígenas, como os Yawalapiti que foram atacados, sofreram baixas e mudaram-se muitas vezes, até se estabelecerem no Parque Indígena do Xingu.

A história tem se repetido insistentemente em eventos similares por toda parte do mundo e as cenas bárbaras exibidas na mídia recentemente ( pessoas decapitadas, corpos exibidos crucificados) faz-me crer que não há nenhuma maneira possível para corrigir esses problemas a curto prazo. A intolerância, o racismo, o nacionalismo exacerbado, sempre estiveram incorporados em muitas das nossas instituições e poucas são as pessoas que estão seriamente comprometidas em discutir a justiça social e trabalhar na construção da paz duradoura. É visível que o engajamento humanitário é superficial e serve apenas para agitar a opinião pública e tirar à atenção das intenções reais que movimentam a grande industria da guerra. Mostram aviões jogando caixas com comida e água para os que se refugiaram nas montanhas, mas esses mesmos aviões jogam também armas, com as câmeras desligadas.

Os Estados Unidos gastam com armamentos mais do que os 10 países que mais gastam juntos. O governo Frances e o Alemão anunciaram que vão também enviar armas para o Iraque. E para que servem as armas senão para matar pessoas?

Os homens aprenderam com a história que eles podem ocupar um país, que não o seu, por muitos anos, mas nunca para sempre. Um dia precisam desocupar e apelar para providencias pacíficas aos organismos internacionais. Os países estão fazendo novos arranjos geográficos e políticos, mudando de um grupo de apoio para outro, trocando uma oligarquia por outra, igual a passada. A democracia, os direitos civis continuam um sonho distante para muitos, porque os países poderosos, por interesse econômico e estratégico, apoiam governos que não são democráticos. Sabemos que não há anjos governando países e alguns países, segundo comentaristas irônicos, não são propriamente países, mas corporações internacionais.

As guerras custam muito dinheiro, que poderia ser investido em ações sociais, desenvolvimento sustentável. A novidade agora são as mulheres que aderiram ao trabalho nas zonas de guerras, como forma de se manterem vivas. Fico a pensar como crescerão os órfãos da guerra; que sentimentos florescerão em seus corações; se apelarão para a paz ou ressurgirão vingadores, para enfrentar o mesmo inimigo, como soldados, militantes e extremistas.

Não basta dizer: “Não é problema meu”

O espírito de não apoiar, de não posicionar-se de lado algum de determinado jogo ou disputa é uma atitude temerária, sobretudo porque a imparcialidade é o mesmo que dizer: “isto não é problema meu” e esta frase remete a indiferença ou a falta de ordem num determinado momento em que cada um faz o que quer.

Numa sociedade em que se convive com a supervalorização da exposição, da intervenção, não é possível pensar num cidadão absolutamente divorciado das questões eleitorais. Por essa razão a pseudo neutralidade é destrutiva e não possui a força necessária que o argumento deve ter para convencer um eleitor a votar ou não em uma pessoa. A postura neutra no campo político tanto pode ser usada para o bem quanto para o mal, porque quando a vontade não é manifesta, recrudescem as críticas, cria-se a divisão, a interpretação maliciosa de um silêncio traiçoeiro.

O que fazer então quando não basta admitir que todos nós somos tendenciosos mesmo quando assumimos uma posição de não participação em determinados processos? A pretensa neutralidade não seria apenas um subterfúgio para manter a cordialidade com todos os lados envolvidos na disputa? Como alguém pode isolar-se com relação a um assunto que pode influenciar substancialmente a vida das pessoas? Neutras devem ser as instituições humanitárias, que precisam operar dentro de contextos sem restrições ideológicas. Neutralidade é a posição mais rentável que político pode ter em relação a uma disputa eleitoral, porque a tomada de posição é impopular para um lado e pode custar caro. Os candidatos não apenas querem a declaração de apoio dos grandes líderes políticos, mas também serem agraciados com algum recurso financeiro.

Na contra mão da neutralidade, quando ficar invisível é a tônica do negócio, é moda, uma aberração ideológica; o palanque ampliado, com candidatos realizando atos públicos da campanha, sem ter um palanque específico em alguns estados. Isso vem ocorrendo desde as eleições gerais passadas. Com a institucionalização dessa modalidade de “swing eleitoral”, onde planos de governos não foram construídos juntos, a presumida neutralidade cai em desuso. Há partidos que elegantemente chamam de independência esta prática de liberar seus filiados e candidatos a qualquer palanque que ofereça um diferencial momentâneo ou “após a vitória nas urnas”.

O senador Cristovam Buarque, voto vencido, quando seu partido optou ora pela neutralidade, outra pela pluralidade de palanques, não poderá manifestar seu apoio a qualquer candidato a presidente da república. O senador justificou aos jornalistas: “Eu vou respeitar a decisão do diretório do meu partido, que por ampla maioria tomou essa decisão. Não estou em cima do muro. Estou proibido de dizer de que lado do muro eu estou. Esse não é assunto para jornal, é para livro de História”.

Vamos ver como vai ser conciliar o aspecto de neutralidade de um lado e a pluralidade dos palanques, do outro. A pluralidade de palanques já está em prática, quanto a neutralidade…os mais respeitados filósofos dizem que ela não existe ou pelo menos, nesse caso, não deveria existir.

Cenário desolador

Hoje em dia os homens sentem-se encurralados por uma série de preocupações que não conseguem superar no mundo cotidiano. Temem perder o bem-estar que desfrutam, ao mesmo tempo em que contemplam inertes uma conjuntura de transformações que podem abalar seus cenários mais imediatos; como a relação com seu eu, com a família e a posição econômica que ostentam. Essa condição de inquietação e um misto de indiferença é a característica do nosso tempo, onde os indivíduos tentam recuperar os valores por eles estimados e que estão sob ameaça constante.

Nessas condições as perturbações interiores insinuam que a crise do nosso tempo vai além do medo do declínio financeiro. O homem teme o definhamento da qualidade de sua vida individual, do seu interior. Isso é parcialmente devido ao desconforto causado pela ignorância de não haver reformulado o trabalho, a vida social, de não haver enxergado a ameaça quando seus valores estavam em jogo.

Para sermos melhores versões de nós mesmos devemos procurar compreender o que compromete drasticamente nossa rotina e como somos afetados pelos conflitos e pelas catástrofes sociais disseminados mundo afora. A começar pelas guerras sangrentas no Iraque, Siria, Afeganistão, Ucrânia, Gaza, Israel e tantos outros conflitos armados. As guerras causam declínio moral, afetam a economia mundial, o radicalismo recrudesce a tensão e impede que a ajuda humanitária chegue aos lugares insalubres onde há sobretudo mulheres e crianças tentando esconder-se.

Esse cenário desolador de lançamento de foguetes tem ligação com o curso de nossas vidas, vai compor a parte negra das nossas biografias. Deixada à sua própria sorte, a África vive em pânico temendo contaminação massiva pelo vírus do Ebola. As Nações Unidas, a Organização Mundial de Saúde não dão mais respostas satisfatórias. Sou uma parcela dos que não sentem-se confortáveis com tanta cena de horror e busco incessantemente compreender o que vai no coração do homem do meu tempo.

Sob o impacto das guerras declaradas ou camufladas as relações se articulam, criam vínculos, a vida se amplia e a natureza do homem, que desde sempre é complexa, colide com as forças do mundo exterior que o rodeia. No mundo físico, já sabemos que uma guerra só termina com a completa aniquilação do mais fraco. Não há sossego. Mas viver é agir e nossa próxima tarefa é mover o fluxo dos acontecimentos até que consigamos sair dessa condição de meros lançadores de foguetes.

Nossos valores estarão ameaçados e enquanto se faz da guerra um negócio lucrativo, que promove matança, mas eleva moral e politicamente alguns homens e nações. A vida não deve ser sempre carregada de ansiedade, de suspeitas que estejamos vivendo um equivoco e negligenciando a paz interior e a paz entre os homens.

Pequenos prazeres trazidos pelo consumo

Aproxima-se o dia dos pais, marcado, como em todos os anos, por anúncios e convites ao consumo nos shoppings e em todas as mídias e, neste momento, e, tendo me dedicado ao estudo da sociologia do consumo, o que serviu para arrefecer a demonização que tem recaído sobre a palavra consumo. A maioria das vezes que lemos sobre o tema, nos deparamos com críticas negativas e com visão puramente economicista sobre o ato de comprar.

Desde a leitura de “Ensaio Sobre a Dádiva”, do sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss, entendi que, embora a sociedade ocidental moderna se caracteriza pelo desenvolvimento das relações comerciais, não temos apenas uma moral de comerciantes. Não é apenas o hábito de presentear, ou dar festas em homenagem a alguém que permanece entre nós. Essas relações são permeadas por muitos significados morais e sobretudo simbólicos. A dádiva não inclui apenas o ato de presentear, dar festas e homenagear alguém. O dar e receber é muito mais rico e nele carrega-se o entendimento de como se constitui a vida social a partir da redistribuição do carinho e dos tributos.

A cultura de um povo não está desvinculada das práticas de consumo. Quando compramos deixamos rastros de nossas preferências, da nossa condição financeira e de quem somos como seres sociais. Nosso sistema de vida vai incorporando as ações que praticamos diariamente e esse conteúdo acumulado interfere e determina o gosto, a preferência e o estilo de vida, que são variáveis conforme a condição financeira. A maioria dos autores reafirma a tese que o mundo das coisas tem sentido social, tem trajetória e muitos presentes, dados como mercadoria, adquirem valores simbólicos extraordinários.

Não cometa exageros ao presentear. Não se relacione com marcas com emoção, com passividade. Comprar não precisa ser algo ostentatório. Basta que compre o que de certa forma proporcione melhor qualidade de vida, o que possa reforçar sua identidade como pessoa amorosa e consciente. Comprar um presente não basta. A felicidade exige principalmente que seu relacionamento com as pessoas se dê em base de trocas que vão além das mercadorias, e incluem relações de afeto e respeito.

Para tanto, não permita que a publicidade corrompa seu gosto e lhe retire a sensibilidade. Comprar presente, como demonstração de amor é um gesto válido, no qual não precisa haver culpa. Diferente de consumir, que remete a ideia de usar algo até esgotar, extinguir. Vá as lojas para comprar o que entende que vai agradar ao seu pai no próximo domingo. Enfim, comprar é uma atividade mundana, mas é também um momento em que o indivíduo é visto em suas práticas conscientes e racionais. Afinal, ninguém é obrigado a comprar este ou aquele produto.