Não me sinto atraída pela crise

borboleta
Cansado de tamanha negatividade?
Eu estou.  Parece haver uma conspiração contra a solução dos problemas, que inegavelmente são enormes e urgentes .  Deveríamos todos estar focados  na resolução da crise. Muitos porém, servem-se dela como um prato de saborosa vingança. Em todo o tempo, mais ainda nos tempos sombrios, a verdade deve ser dita, os culpados apontados e punidos. Isso não há levar um tempo tão indeterminado, que pode inviabilizar o recomeço dos projetos abandonados.

No horizonte sempre descortina-se um ponto de otimismo, a bússola aponta o norte verdadeiro, onde o recomeço do mundo reside.  Onde não estão contaminados pelo teor excessivo de pessimismo, a política, a economia e a vida cotidiana.

Tempo de despertar

Aos 81 anos, em boa forma física e atividades intelectuais em ebulição, Oliver Sachs, neurologista e escritor britânico, famoso, após ter tido um dos seus livros transformado num belo filme, “Awakenings”, traduzido como Tempo de despertar, com Robin Williams e Robert de Niro, nos papéis centrais, descobriu que a sorte acabou. Tem múltiplas metástases no fígado e este tipo particular de câncer, que já ocupa um terço do órgão não pode ser interrompido. Escreveu uma carta de despedida, publicada esta semana no jornal The New York Times. “Não há tempo para mais nada que não seja essencial”. “Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e me doei em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma boa relação com o mundo, e uma relação especial de escritor para leitor.”

Agora cabe ao escritor escolher como quer viver o pouco tempo que resta. Assegura que sofreu pouca dor com toda esta desordem e não obstante o grande declínio que a doença causa, não sofreu um abatimento de ânimo no espírito ardoroso, nos estudos e na alegria da companhia dos amigos. Tem planos de viver da maneira mais profunda e produtiva que puder e não pretende repousar o homem de disposição veemente, entusiasmo e de extrema falta de moderação em todas as suas paixões.  Diz que acima de tudo, viver neste belo planeta tem sido um enorme privilégio e aventura.

As pessoas morrem, não podem ser substituídas. Elas deixam espaços que não podem ser preenchidos, pois assim é o destino de cada ser humano para ser um indivíduo único, para encontrar o seu próprio caminho, para viver sua própria vida, para morrer a sua própria morte. E diante da inevitabilidade da morte anunciada o tempo agora é tangível, quantificável e talvez isso seja um benefício. Aos 81 anos, é melhor saber do que apenas esperar.

Dr. Sacks é um homem interessante; foi um dos primeiros neurologistas a estudar o autismo como um transtorno médico em vez de um comportamental, um clínico que pelos relatos à época do filme, vê os pacientes além de suas enfermidades. O filme inclusive é baseado em fatos reais, de pacientes, cujas famílias autorizaram a divulgação dos casos diagnosticados por Oliver Sachs. O neurologista trabalha num hospital psiquiátrico, onde estão internados vários pacientes catatônicos. É preciso pesquisar uma medicação que possam despertá-los e ele chega a conclusão que um novo medicamento testado em pacientes com Mal de Parkinson, pode trazer-lhes de volta à realidade.

O diretor do hospital determina que se escolha apenas um paciente para submeter-se aos testes. Robert de Niro é Lowe, o paciente escolhido; há décadas ele estava adormecido. Ele se recupera e o neurologista administra o medicamento nos outros pacientes também. Os efeitos adversos e incontroláveis começam a surgir…

Oliver Sacks é professor de neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Nova York, é o autor de muitos livros, incluindo “Awakenings” e “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu.”

Lua

 

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O que é essa lua que brinca lá no alto?

Muda de lugar, muda o brilho do meu olhar.

Faz-me ver deserto reflorestado

Pássaro que se desaninha

Alma boa que segue sozinha.

Que lua é essa que brinca e zomba?

Faz-me rir, rodar e tonta

Fitar o céu, rasgar o véu

Ver nascer riachos pequenos

Árvores, flores e uma casinha

Impenetravelmente minha!

 

Expectativas, esperança e medo

Aqui sentada aprecio a existência.

Sempre sou tomada por expectativa que gera esperança e medo. E mesmo quando acontece de conseguir o que espero,  as expectativas não cessam. Elas se multiplicam, são reforçadas e passo a alimentar novas expectativas.

Se parece inevitável conter o infindável querer devo dar asas as expectativas baseadas sobretudo na condição de impermanência das coisas.  Verdade imutável: Tudo passa! Esta consciência traz alívio. A dor é passageira, a felicidade também. Novos ciclos se iniciam, se fecham. Nunca se reabrem. Abrem-se outros.

Muitas vezes  atravessei tempestades e todas passaram”. Os problemas presentes que estamos atravessando agora, não são os maiores problemas. E os problemas de hoje, serão insignificantes no futuro.

Rocco e seus irmãos

Rocco e seus irmãos é um lindo filme de Luchino Visconti, (1967) que narra a saga de uma família do sul da Itália que migra para o norte rico e moderno. Os efeitos da mudança são sentidos na desunião que se instala na família, a mãe e quatro filhos, cada um a seu modo, procurando adaptar-se à vida na cidade. São tão distintos uns dos outros, que movem-se com desconfiança na mesma casa. A família Parondi mudou-se para que pudessem ficar juntos, mas não estão unidos em convívio e harmonia.

As incertezas que trazem a mudança, o vaivém da grande cidade, o estado de espírito mudou. Os irmãos se redefinem, afastam-se, surgem divergências, desencontros, brigas. Em Milão não passam de forasteiros, retirantes. A travessia para a estabilidade não ocorre serenamente, porque os fantasmas dos que ficaram, assombram-lhes os sonhos.

Desigualdades naturais e sociais

criança puxando água
Uma das constantes aspirações do homem é viver numa sociedade de iguais. Mas é claro que as desigualdades naturais são muito mais difíceis de vencer do que as sociais. Aqueles que resistem às reivindicações de maior igualdade são levados a considerar que as desigualdades são naturais e como tais, invencíveis. Ao contrário, aqueles que lutam por maior igualdade estão convencidos de que as desigualdades são sociais ou históricas e podem ser vencidas.

Rousseau, no Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, sustenta que a natureza fez os homens iguais e a civilização os tornou desiguais, em outras palavras, que a desigualdade entre os homens têm uma origem social e por isso, o homem voltando à natureza, pode retornar à igualdade. Experimente agora considerar o príncipe dos escritores não igualitários, Nietzsche, o anti-Rousseau. Para o autor de Além do bem e do mal, os homens são por natureza desiguais e apenas a sociedade, com sua moral de rebanho, com sua religião baseada na compaixão pelos defeituosos, é que fez que eles se tornassem iguais. Onde Rousseau vê desigualdades artificiais e portanto condenáveis e superáveis, Nietzsche vê desigualdades naturais e portanto não condenáveis nem superáveis.

( baseado no livro Elogio da serenidade, Norberto Bobbio)

O reino da Dinamarca e o ataque terrorista

Desembarquei sozinha em Copenhague. Era agosto de 2009, ainda verão, com temperatura entre 18 e 22 graus. Quinze dias de férias, no país dos meus sonhos. O reino da Dinamarca, outrora o pais dos vikings, depois invadida e ocupada pelos alemães, tornou-se livre em 1945; está situada entre a Europa e a Escandinávia, é uma nação próspera e culturalmente muito rica. Impossível descrever Copenhague, a cidade da famosa escultura da pequena sereia, numa só palavra, porque a cidade situa-se entre vários adjetivos: é linda, liberal, caríssima (para meu padrão), sofisticada, próspera e pitoresca. A bucólica Copenhague também tem trens elétricos, o Blue Planet Park, o maior e mais moderno aquário do mundo, o Tivoli Park, os bares e cafés da boêmia Kongensgad, o renomado restaurante Noma, premiado por 3 anos consecutivos como o melhor restaurante do mundo.

Sem roteiro, ia andando. Desde o belo porto de Copenhague, o Royal Theatre, The Opera, até a Universidade de Copenhague, que orgulhosa ilustra a história de seu filho famoso, o filósofo Soren Kierkegaard, considerado o pai do existêncialismo, que incorporava reflexões filosóficas na relação existencial do ser humano com o mundo e consigo, o que faz dele um autor angustiado e desconcertante.

Dentro de Copenhague está Christiania, uma vila que se auto proclamou uma cidade livre. Um grande área privada, onde o consumo de drogas e todo tipo de sexo é praticado livremente. Vale enfatizar que este país absolutamente liberal é, na sua essência, composto por 90% de protestantes luteranos, sem nenhum analfabeto. De trem fui de Copenhague para Esbjerg.

Uma das maiores cidades da Dinamarca, localizada á beira do Mar do Norte. Esbjerg virou a base para novas explorações. Cidade portuária, moderna, próxima da milenar cidade de Ribe, com suas três belas Catedrais católicas, (na Dinamarca só existe cinco) datadas de 1175. Ribe hospeda o melhor museu da cultura da era dos Vikings, cujo estilo de vida é reproduzido em encenações nas ruas. De balsa, fui para a Ilha de Fano, onde é proibido a entrada de veículos. Bicicleta alugada para trafegar pelas ladeiras, ruas estreitas e lotadas, num final de semana mágico de solstício de verão. Sol até as 22 horas. Por fim, fui a Billund, onde está construído o segundo maior aeroporto do país e a matriz da lendária fábrica de brinquedos Lego.

A Dinamarca é reconhecida pela equidade, políticas sociais universais, como o sistema de saúde e educação gratuitos e salário mínimo elevado, onde segundo pesquisa da ONU, vivem as pessoas mais felizes do planeta, considerando estilo de vida, ambientes familiares e culturais e respeito à natureza.

Paradoxalmente um jovem dinamarquês de origem árabe, de apenas 22 anos causou ranhuras irreparáveis nesta sensação de felicidade, atirando contra o Centro Cultural, onde reuniam-se em seminário para discutir a liberdade de expressão, o Ministro de Relações Exteriores da França, intelectuais e o artista sueco Lars Vilks, considerado o alvo do ataque, por que desenhou caricaturas de Maomé em 2007. Horas depois o jovem disparou contra uma sinagoga. O ataque à liberdade da Dinamarca era questão de tempo, porque a tensão existe desde 2004, quando um radical muçulmano assassinou o diretor de cinema Theo Van Gogh, um critico do fundamentalismo islâmico e no ano seguinte, um cartunista dinamarquês publicou charges do profeta no jornal Jyllands-Posten, o que gerou uma onde de violência no exterior, com várias Embaixadas da Dinamarca incendiadas pelo mundo afora. É senso comum afirmar que estamos diante de uma crescente crise de violência global que tem o potencial de se agravar e escapar ao controle dos governos.

Em busca da ordem flexível

Compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir as suas particularidades. O nosso mundo cotidiano, no qual nos movemos, como membros da comunidade, é habitado por homens de rostos, qualidades e gostos concretos, diz o Papa da Interpretação das Culturas, Clifford Geertz.

Encontrar lugares que se façam de ponto de reuniões de todas as tendências, misturando tudo até tornar-se o que verdadeiramente somos; onde um chega com sua filosofia, outro com opiniões políticas, outro com sua ideologia e assim muitos artistas, pessoas criativas estão produzindo suas artes e transfigurando o cotidiano em algo extraordinário; estão se tornando empreendedores criativos; trabalhando dentro de uma conjunto de relações talvez pequeno, mas estável e sem cobranças excessivas.

Alguns fazendo da sua arte, mais entretenimento do que o trabalho estereotipado para agradar e abocanhar clientes. Estes ambientes onde as pessoas ganham dinheiro com suas ideias criativas estão ganhando espaço em Cuiabá. Neste final de semana a Feirinha da tradicional Rua 24 de Outubro, comemorou um ano, lotada, entre ameaça de chuva e um público que não arredava o pé.

É bonito perceber como a relação de troca, que é considerada o bem mais essencial da cultura, se estabelece. Um valorizando e protegendo a arte do outro. Claro que é preciso alguém com olhar mais experiente para perceber a qualidade e a pureza da arte e a possibilidade desta transformar-se num bom negócio. Muitas vezes, é no afastamento dos ambientes tradicionalmente elegantes, que percebemos desenvolvimentos verdadeiramente criativos.

É de se louvar a criação destes espaços, onde gasta dinheiro quem pode e quer, porque o acesso é de graça e transitar ali é vivenciar o esforço de muitos para expressar sua criatividade cultural, interferindo no formato de uma rua tradicionalmente estreita e quieta. Um espaço também privado, a Casa do Parque, promove exposições permanentes de artistas com entrada gratuita. Oferece ainda, refinada programação musical com jazz, blues e clássicos da MPB.

Na tradicional Praça Conde de Azambuja, que já teve tantos nomes e hoje é conhecida como Praça da Mandioca, há um movimento nesse mesmo sentido. Fazer da criatividade e da arte, entretenimento e um meio de fazer bons negócios. O GranBazar acabou virando um ambiente de multiuso, onde simetricamente convivem, boêmios, artistas e os apaixonados por música e pelo centro histórico, que regam as noitadas com a cuiabaníssima cerveja Benedita, produzida com ingredientes que valorizam a culinária local.

Estamos falando de espaços novos, sem preterir a comunidade tradicional de São Gonçalo Beira Rio e outras, onde as ceramistas há muito já dispõem de espaço para a expressão cultural e artesanal e integram à Associação para facilitar a exposição e o fluxo dos objetos decorativos que produzem. É preciso multiplicar os exemplos, porque a economia alternativa ou social, como chamam os sociólogos, favorece a criação de espaços, que oferecem a possibilidade incrivelmente inovadora de associar criação e diversão com produção, para um público que consome, não essencialmente produtos, mas cultura.

Nai Talim, Gandhi e a educação

O relatório de Desenvolvimento do Milênio elaborado por profissionais do mundo inteiro, coordenados pela ONU, prevê até final deste ano, a universalização da educação “primária” no mundo, garantindo que todas as crianças completem o ciclo do ensino básico. Meta que o mundo não alcançará, por várias razões, entre elas, a exorbitante disparidade social que ainda separa um homem do outro e pela lentidão com que as reformas são implantadas.

A estrutura fundamental do pensamento de Gandhi sobre a educação, baseia-se no princípio de preparar a sociedade com pessoas boas, não apenas com alfabetizados e escolarizados. A educação deve ser uma arma poderosa capaz de promover uma revolução social silenciosa. Desdobra-se em liberdade, libertação da ignorância, da superstição e da submissão.

A concepção dessa ideia de educação, conhecida como Nai Talim, traduzida como Educação Básica para Todos, deu-se nos anos que Gandhi esteve na Africa do Sul e tal modelo educacional contraporia a herança imperial do modelo inglês vigente na India, que legava à nação a educação de homens dentro das necessidades de absorção de mão de obra do mercado e do estado, numa ação descoordenada entre mente, corpo e alma; por esta razão, a ênfase foi dada na conduta, nas qualidades espirituais, no serviço comunitário; uma escola com práticas acolhedoras, que se utiliza da diversidade cultural e religiosa do país subdividido em castas, para promover a inclusão. O objetivo da prática Nai Talim é extraordinário: Remover as intocabilidades.

Este estado bom, perseguido como um sonho distante, foi sendo implantado no país, diante do olhar incrédulo de muitos educadores e especialistas. Gandhi, um advogado que pregava a resistência à dominação inglesa, não está preocupado apenas com o intelecto. A alfabetização é apenas uma ferramenta para atingir o verdadeiro fim, que é o desenvolvimento pleno do ser humano.

Gandhi considerava que dois aspectos poderiam regenerar e melhorar a vida de seu povo: a saúde e a educação. Tanto a saúde quanto a educação, em sua opinião, envolvem todos os homens e toda a sociedade.  A saúde da comunidade não pode ser alcançada apenas através da construção de uma clínica; nem a educação da comunidade poderia nutrir e manter o espírito altivo, apenas construindo escolas. A visão holística ampliada de Gandhi foi marcada pelo uso de um novo vocabulário. A partir de então ele falou não só da Educação Básica Nacional, considerada um equipamento mínimo necessário para as crianças da nação, mas também de Nai Talim, o modelo da nova educação.

Para ser educativo para a mente, o corpo e alma, o projeto deve ser planejado e os materiais e ferramentas preparados para um fim comum. São todos ensinados a cooperar a despeito das diferenças de capacidade e temperamento. O tempo de provação, porém, não tardou chegar. O governo prendeu não só políticos companheiros de trabalho de Gandhi, mas muitos trabalhadores e alunos adultos das novas escolas.

O trabalho foi interrompido e somente gradualmente reorganizado em  1947, ano em que a liberdade política do domínio britânico foi restabelecida. Um ano depois, Gandhi é assassinado. Mesmo muitos anos após a morte de Gandhi um grupo grande de educadores Nai Talim prometem dedicar o resto de suas vidas para propagar a educação baseada no espírito da verdade e da não-violência.