Se os tubarões fossem homens

Propus-me a esmiuçar um delicioso texto de Bertold Brecht (1898-1956), escritor e dramaturgo alemão, conhecido por seus escritos contendo críticas sociais e por sua ideologia comunista que alimentou não só a sua perspectiva de vida, mas também sua vasta obra literária.

No texto, uma garotinha pergunta ao Sr. Keuner: “Se os tubarões fossem homens, eles seriam bons para os peixinhos?” O Senhor K. diz que sim, que os tubarões construiriam caixas enormes no mar onde os peixinhos deveriam morar. Lá haveria comida, plantas, diversão e teriam toda assistência. Se um peixinho fosse ferido ou ficasse doente, seria enfaixado e cuidado e não morreria prematuramente porque os tubarões não gostam de comer pedaços pequenos de carne.

Haveria animados festivais aquáticos, teatros e orquestra, para que os peixinhos nunca ficassem tristes. E a música tocaria, exaustivamente para induzir os peixinhos agitados e lépidos a nadarem até a jaula dos tubarões. O gosto da carne de um peixinho feliz é mais deleitável do que de um peixe nostálgico.

Os professores ensinariam aos peixinhos que a educação pode ser uma forma de adestrar as massas a obedecer aos seus superiores e acreditar que estes, lhes preveem um futuro bonito. Por isso, para a formação moral dos peixinhos, eles teriam aulas de educação moral e cívica, e seriam ensinados que a mais bela coisa do mundo é dar-se ao sacrifício por ideais superiores.

Na geografia, aprenderiam a localizar os espaços, para que nadassem exatamente na direção dos tubarões insaciáveis. Mas religiosos, os peixinhos cumpririam as suas sinas e marchariam alegremente em direção aos tubarões vorazes, porque eles acreditam que ser comido por um tubarão no momento certo é uma coisa sagrada e na barriga do tubarão eles encontrariam o paraíso.

Se os tubarões fossem homens, claro que haveria guerra no fundo do mar e os peixinhos que matassem o maior número de seguidores do tubarão inimigo, seriam condecorados. Se os tubarões fossem homens, acabaria a igualdade entre os peixinhos. À alguns seriam dadas posições superiores, poderes, arbítrios. E estes poderiam inclusive, devorar os peixes menores.

Esta história curtíssima, adornada alegoricamente, aponta o dedo para as relações de poder, carregadas de obediência e subserviência em vez de liberdade crítica, de negação e diálogo. Os tubarões do mar e da terra são temidos pelo instinto predador e pela voracidade e se o cenário se assemelha ao que vivemos hoje, não é mera coincidência. No livro As histórias do Sr. Keuner, Brecht retrata a condição humana em várias circunstâncias, ainda atuais. Agora os peixinhos, submissos ou fanáticos estão em toda parte.

O que o Senhor K. não disse, eu sonhadora, posso criar. Eu diria que entre os peixinhos, haveria alguns que ansiariam pelo direito à liberdade e por serem criaturas melhores. Estes peixinhos liderariam uma rebelião, abririam todas as caixas do fundo do mar e então haveria luta pelo estabelecimento de uma nova cultura, onde não se imaginaria os peixinhos em nenhuma condição outra, senão peixinhos livres para escolherem seus destinos.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s