A saúde da pátria

Não há situação na vida em que o indivíduo, rico ou pobre, não dependa da ação política. Viver é estar irremediavelmente atado às vontades ou vaidades dos acontecimentos políticos. Somente quando entendemos os meandros das possibilidades de existir dentro de uma realidade política e social adequadas, é que nos importamos e começamos a formular perguntas e buscar as respostas nas entrelinhas, nas atitudes e nas palavras gravadas ou pronunciadas pelos políticos.

Se sofremos com os rumos que as coisas estão a tomar, não é razão para nos omitirmos. Comecemos por reconhecer que as coisas não estão bem e que precisamos de mudanças. Mas sabemos nós o que queremos mudar num país em que a política ora regula, ora descontrola todas as esferas do poder?

Como influenciar o gigantesco o sistema operacional da democracia brasileira, com mais ou menos 66.850 políticos no poder, pelo país afora; presidente da república, Vice, presidente dos Poderes, governadores, senadores, deputados federais, estaduais, prefeitos, vereadores, e os 142.822.046 eleitores, que se inconformados e bem informados mudariam a ordem política a qualquer tempo e acabaria com este sistema de lucro a qualquer custo, que promove múltiplas exclusões e injustiças.

Mudanças são sempre possíveis e ocorrem quando há uma busca determinada, um anseio que consome. Diagnósticos da crise há muitos. Precisamos agora da cura. De saber a verdade, de nos pronunciarmos diante do que dizem ser a verdade, de questionarmos a verdade e estabelecermos um novo modelo de relacionamento com os governos e voltarmos as virtudes republicanas, sobretudo a honestidade, que deve ser a base de tudo.

Maquiavel, analisando um trecho de um discurso de Tito Lívio, prega que quando é necessário deliberar sobre a saúde da Pátria, não se deve deixar de agir por considerações de justiça ou injustiça, humanidade ou crueldade. Deve-se seguir o caminho que leva a salvação do Estado e a manutenção da liberdade, rejeitando-se tudo mais.

Entendo que cada um de nós é apenas uma parte no complexo e diversificado sistema político, razão pela qual, não é fácil definir o conteúdo de uma mudança real, que reflita num projeto de justiça e bem estar. O agir político deve ir além deste que considera como critério primordial, a conquista pelo poder, visando interesses próprios.

Sinais da hipermodernidade

Não pode haver dúvida sobre os avanços que aconteceram nos últimos anos. A vida em quase todos os lugares é muito melhor do que era durante a primeira parte do século passado; comemos melhor, somos mais saudáveis, vivemos mais, há mais oportunidades para ampliar o conhecimento, mas a pergunta persiste: Por que, no meio de tanto avanço e oportunidade, a satisfação tem diminuído tanto?
Porque é a depressão a doença mais comum no mundo ocidental? Doenças funcionais como cansaço constante, a incapacidade de dormir e ansiedade são causados por falha do corpo para adaptar-se às mudança sociais bruscas, atividades excessivas e pressões.

A era tecnológica que deveria nos trazer a liberdade, permitindo-nos uma maior flexibilidade, está de fato, nos consumindo. Pensávamos que seríamos beneficiados pela invenção das máquinas que executam inclusive serviços domésticos, mas continuamos estressados, pressionados pelo tempo, exaustos, porque fomos liberados para produzir mais. O tempo está ficando escasso para dormir, ler e até o sexo está fora da agenda, porque, sim, estamos muito cansados para sexo, também.

A exaustão é agora tão essencial para nosso estilo de vida porque ela nos fornece desculpas para praticamente todos os nossos fracassos.

O ritmo está puxado! E consequentemente, o cansaço tem evoluído para doença. Enfim, estamos todos absolutamente aterrorizados pela instabilidade e mesmo que o trabalho seja estimulante, corpo e mente estão absorvendo informações demais, cobranças demais, incompreensão demais.
Puxamos, esticamos, mas a falta de tempo está sufocando e evidenciando os sinais de irritabilidade, impaciência, raiva mal contida, indignação. Perde-se gradualmente a capacidade de perceber, saborear, desfrutar bons e longos momentos perdidos numa leitura ou lazer com a família e amigos.

A exaustão muitas vezes pode mascarar outro tipo de ansiedade: a ganância, ou uma espécie de cobiça. Pessoas bem-educadas, inteligentes, trabalham alucinadas por bens materiais, ficam exaustas e acham que não podem parar, enquanto que, em verdade, a luta toda é uma questão de manter o status.
Porém, eu diria que nem todo mundo que está esgotado está perseguindo o sonho capitalista. É a sociedade que nos diz que podemos ter tudo, ser quem queremos ser, que devemos abraçar todos os projetos, mas não nos informa a profundidade do colapso a que seremos expostos.

Somos seres propensos a ter momentos de irritabilidade extrema, de carência, nostalgia, alegria, bom humor e tranquilidade. Desejamos paz de espírito e necessitamos que tanto o ambiente quanto os objetos que nos circundam expressem os valores que buscamos.
(O termo hipermodernidade, é utilizado pelo filosofo francêes Gilles Lipovetsky, descrevendo uma nova época onde a ordem social e econômica, juntamente com a cultura, são pautados pelo senso de consumo em massa, que ele nomeia como sociedade da moda).

Falar sobre política não é pauta-bomba

O Brasil é indiscutivelmente um dos países mais importantes do mundo em vários contextos. É um dos produtores de alimentos mais eficientes do mundo e graças aos recursos hídricos e terrestres, será sempre uma potência agrícola muito significativa.
Apesar de certo descaso, nunca teve a condição de líder regional da América do Sul ameaçada. Muitos programas de infraestrutura foram concebidos, outros de transferência de renda foram implantados, mais de 40 milhões de pessoas saíram da pobreza e adentram na faixa de renda média baixa da população.

Agora, diante de estimativas pessimistas, podemos baixar a posição no ranking das maiores economias do planeta. Não é o fim do mundo!
Todos podemos concordar que algo deu terrivelmente errado na condução do governo e da governabilidade, onde há uma estrutura extraordinariamente burocrática e muita corrupção e que o nenhum partido político é melhor do que qualquer outro.
Aliás, não existe uma política partidária coerente no país há muito tempo. Os dois chefes do Congresso, ambos do PMDB, Eduardo Cunha e Renan Calheiros estão provavelmente na lista daqueles que estavam recebendo suborno dos dirigentes da Petrobras e outras empresas.
O desafio de implementar reformas no momento favorável da economia e da governabilidade, não foi cumprido e quando o pendulo oscilou para o outro lado, o governo desestabilizou-se. Já se discute o Impeachment da presidente, como uma probabilidade crescente, embora a maioria dos especialistas afirmam que as investigações não comprovam fatos que a incrimine diretamente. Resta a questão política, que ao fim, é a base de tudo.

Contudo é o Congresso Nacional que irá decidir se o processo vai para a pauta de votação. Isso vai exigir uma votação de dois terços da Câmara e do Senado. Aprovando-se o processo de impeachment, o país teria de realizar novas eleições, conduzidas por quem? Eduardo Cunha! Presidente interino do Brasil.(se comprovado que o uso do dinheiro do Petrolão tenha financiado a campanha. Temer, sendo da mesma chapa e tendo sido igualmente beneficiado, também ficaria impedido de governar dando ensejo às novas eleições.

Este processo, considerando o último que ocorreu, é longo, pode levar mais de meio ano. Interessante é que a classe política não tem feito nada para restabelecer a segurança ao povo, tampouco para acudir e estabilizar a governança. E olha que não estamos falando da política do trivial, mas de uma crise grave e impactante. Quanto a decisão de cassarem a presidente, esta já foi tomada.

Quanto aos cidadãos brasileiros, diria que estão em parte irados e organizando-se para  mobilização de rua, que é um palco democrático, porém performático. Discutir política, falar honestamente sobre a crise e os possíveis desdobramentos, é algo maior. A sorte da presidente está lançada.
Temos que construir uma abordagem mais profunda sobre os riscos da instabilidade política e econômica. Nenhuma crise deve ser avaliada isoladamente, porque fatores internos e externos, que contribuem para o agravamento do cenário, devem ser contextualizados no debate.

Colheita

Olho para o mundo inacabado,
Planto flores, semeio coragem
O que espero colher?
Nada se não chover!
Espreito a vida sem tédio
Sem cansaço e sem temor.
O que espero colher?
Ramos de amor!

Estranho ser somos todos
Incansáveis, insaciáveis e débeis
O que espero mudar?
A mim, criatura pequenina!
Almas desnuda, vontade imprópria
Poesia, romance e remanso.
Para onde vou?

O estável, porém frágil governo brasileiro

O desencanto com a política convencional é um problema global, especialmente nos países desenvolvidos. Governos fragilizados e instáveis é algo recorrente e até uma característica da história da América Latina, desde quando as guerras de independência deixaram os Estados frágeis, incapazes de reprimir as investidas para a tomada do poder e então, muitos governantes tiveram momentos de redução significativa da expectativa do poder que exerciam.
A fragilidade política é ruim e é frequentemente utilizada como subterfúgio para propostas de golpe de estado, mudanças de regime, crises econômicas e muitos outros processos que desafiam a normalidade do estado.

Em termos simples, a democracia brasileira não corre risco, porém é inegável que estamos vivendo um momento de fragilidade política. O estado cumpre suas funções com certa fraqueza e instabilidade, com capacidade administrativa meio caótica, conflitos de interesses e corrupção no entorno dos órgãos governamentais, envolvendo além de servidores, políticos e empresários privados. Um estado de coisa mais do que suficiente para fragilizar o Estado mas não para corroer as bases da democracia.

O Estado brasileiro tem se mostrado abstinente em relação a vontade de fazer política e com isso os elementos que expõem a fragilidade ficam mais à mostra; o diálogo é substituído por pressões, revanchismos e ameaças. Talvez a longevidade concedida pelo instituto da reeleição seja um mal que vai se alastrando ao longo do tempo e acaba não melhorando as condições de desenvolvimento, além de recrudescer a prática da corrupção.
A sociedade demonstrou lá atrás, sinais de insatisfação e clamou por mudança, contudo o segundo mandato da Presidente mal começou e enfrenta sérias dificuldades; perde apoio político e delega completamente a política econômica ao Ministro e as negociações políticas, ao vice presidente. Aí esta o perigo!

Cientistas políticos sublinham que uma causa provável das turbulências é a incongruência entre a agenda escolhida pelos eleitores nas urnas e a implantada depois pelo candidato vitorioso. Ou seja, depois de eleito, o governante atropela a agenda proposta e define outra. As consequências desta prática são perversas para a democracia na medida em que as preferências dos cidadãos são violadas. e eles, eleitores, estão aprendendo a chiar.

A fragilidade política do governo existe em razão de sua própria natureza, falta de paciência para dialogar e também devido a magnitude dos desafios que tem de para superar a fim de obter um acordo concreto para garantir a estabilidade.
Parece certo que um gatilho dispara outro e assim sucessivamente. Os problemas parecem infindáveis. Há múltiplos fatores que afetam a instituição do Estado e muitos destes fatores reforçam e sobrepõem-se uns aos outros e atiça outras instituições a movimentarem seu potencial de impacto para promover mais drama. Vê-se que aqui e em toda parte é assim que a política está funcionando. Gestando um imbróglio atrás do outro.
Há um longo caminho pela frente. A presidente conta com apoio profundo entre os beneficiários dos programas de distribuição de renda. Porém, o escândalo da Petrobras não passa. nem cede espaço na mídia para questões positivas, como a educação, que vai bem.