Entre a lama e o sangue

Robert Kennedy, poucas semanas antes de morrer, fez uma declaração acalorada, criticando os institutos que mediam os índices econômicos do país. Disse ele que “os especialista consideram para seus cálculos, os custos da produção, do sistema carcerário, investimentos em saúde, contenção da destruição das florestas, a urbanização descontrolada, produção de armas nucleares, armamentos, mas não observa a qualidade da educação que estamos dando aos nossos filhos, a glorificação da violência e desordem; não medem a beleza da poesia, o amor nos relacionamentos, não avaliam a integridade das declarações políticas, a honestidade dos nossos representantes. Não consideram a coragem, a sabedoria, tampouco a cultura e a compaixão. Em resumo os especialistas medem tudo, menos o que faz a vida valer a pena”.

Robert Kennedy morreu em junho do ano de 1968. Filósofos e cientistas sociais têm sido atormentados por dúvidas sobre qual direção estamos tomando e quais são os valores que tem nos mantido juntos até agora, numa sociedade governada por políticos profissionais; onde as pessoas são motivadas a produzir e consumir cada vez mais e as atividades, inclusive lúdicas, são subordinadas a fins econômicos; a cultura perde-se na vida difusa, sem concentração.

Fazemos um monte de coisas ao mesmo tempo, displicentes e apressados para ficarmos ricos e mais felizes.

As pessoas capazes de amar dentro do atual sistema, são inegavelmente as exceções. O amor brota como um fenômeno marginal e não é tolerado em muitas ocupações, porque o espírito amoroso refuta as contradições de uma sociedade gananciosa.

Se como creio, o amor é a única resposta sã para as aflições da existência humana, não devemos nos colocar frios e nacionalistas diante das tragédias.

Se, de um lado, duas barragens se rompem devido aos avisos negligenciados por corporações gananciosas, do outro, tiros e explosões de homens bombas, deixam corpos dilacerados, amontoados, como um lembrete de atritos étnicos.

Se estamos abertos para o amor, não podemos, ao mesmo tempo selecionar a dor pela qual choraremos. Os irmãos estão espalhados além das fronteiras, além da língua e dos costumes. Chora-se por tiros, explosões e pela lama que escorre. Chora-se a morte do homem e da natureza e não, a nacionalidade da tragédia.

Entre a lama e o sangue não é possível fazer escolha ou ficar indiferente. Não há ser humano desimportante e mesmo que o mundo seja injusto, podemos ser virtuosos e inventar uma forma de medir os índices da nossa solidariedade, da compaixão e do respeito pela vida do outro. A raça humana teve a sabedoria de criar a ciência e a arte; por que não deve ser capaz de criar um mundo de justiça, de fraternidade e de paz?

Eu não sou um homem, sou um irmão

E por que devo me interessar pela fraqueza dos outros? Sejamos verdadeiramente pelo outro; façamos do fraco, forte, façamos o silencio falar, deixemos a necessidade do outro nos comandar, tomemos responsabilidade pela vida do outro nos momentos mais sombrios, nas lutas mais difíceis.

Diante da profunda desconfiança causada pelo individualismo contemporâneo, você pode despertar ou pode não despertar e continuar aparteado dessa proposta de responsabilidade pelo outro, porém, além do alarme de que estamos vivendo a era do vazio, onde o indivíduo maneja sua existência como bem quer, posso demonstrar que minha emancipação não está comprometida com a submissão e emergir para a sensatez, readmitindo o outro como o próximo.

Nem sempre rende votos a construção de hospitais e escolas, o acolhimento aos imigrantes, a defesa de políticas de proteção à criança e ao adolescente e às mulheres vítimas de violência. A visão conservadora persiste neste mundo, que é um lugar imperfeito, que finge que não sabe que não é a pobreza a causa das catástrofes estruturais, são os governos que não erradicam a pobreza, por que esta, alinha-se às promessas no discurso político, é a massa que rende boa manobra e então, por ato deliberado, os governos não avançam realmente em direção ao problema.

É apenas um exemplo. Dias atrás os jornais estamparam a notícia de que as Santas Casas de Misericórdia de várias cidades poderiam fechar devido ao problema crônico da falta de apoio. Se os governos não se dispõem a cobrir-lhes os custos, devemos ser tocados e movidos para alterar esta realidade. Devemos doar tempo e energia e quem pode, doar algo mais, para que o atendimento não seja paralisado. Não é justo milhares de olhos nos encarando, crianças nos braços de suas mães implorando pela vida e virarmos às costas. As Santas Casas servem a quem? Basicamente aos mais pobres!,

Estamos cientes que problemas estruturais não se resolvem com doações esporádicas ou esmolas, tampouco com ideias simplistas; é preciso que estejamos conectados por um fio inegável de amor e não importa se estamos lutando apenas por uma possibilidade ou, por esperança.

Há luz! Há bons homens!  E vale a pena ser bom com os outros, sem  obrigação, sem a expectativa de reciprocidade, mas porque a minha ética me guia para ações que possuem sentido e significado, porque a minha liberdade consegue construir em cima da desconfiança do outro.

A ética pós-moderna pode ser a ética do amor. E o amor, sempre encontra um meio de reafirmar-se vivo.

Corredor de espelhos

Algumas pessoas pensam que todos os comentários que ouvem são ecos de suas próprias vozes, parecem andar sozinhos num corredor de espelhos. Nada reflete senão a própria imagem e vai além da compreensão a vaidade que nutrem por si mesmos e por seus feitos, quando em verdade executam suas obrigações, tarefas pelas quais são bem pagos.

Alguns entes públicos propagandeiam seus nomes como se fossem marcas e quanto mais os popularizam, mais aparecem.

A vaidade em si, transmuta num ato de corrupção, sendo um elemento falseador, pois que a vaidade não se contenta com o que as coisas são, mas com o que aparentam ser, contanto que pareçam grandes e renda lisonjeio que prometa a admiração do mundo.

Servidores públicos vaidosos gostam de aparecer, de ser o centro das atenções, sustentando ares de superioridade quando se dirigem aos outros. E na escalada sobem estes, nervosos e ambiciosos, ávidos de consideração, que querem a todo custo serem cortejados e quase sempre são.

Sabe quando o ego parece não caber no corredor? É este o espaço onde os vaidosos colocam-se à prova, onde cumprimentos e acenos lhes são dirigidos e onde experimentam a sensação de fascínio pela fama alcançada, à custa da exposição desmedida de alguns profissionais, cujas profissões, não por códigos, mas por bom senso, deveriam ser exercidas em discrição.  Porque a mesma vaidade que inspira a retidão, muitas vezes a embaraça.

Como toda época tem suas faces, vejo homens e mulheres lutando com mesquinhez pelos ganhos ou pelo gozo da vaidade e a refrega parece ser dura na arena dos privilegiados; ali dominam as más paixões; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de generoso, de grande e de justo.

O mundo anda tão controvertido que os valores são medidos pelos extremos e não pelos méritos em si; uma ação é considerada boa apenas porque não é repreensível; é competente porque exalta as próprias qualidades.

Nos cargos públicos, de todas as esferas, não deveria haver holofotes e sim pessoas comprometidas, que postergam seus projetos mais particulares para se dedicarem aos interesses públicos. Pessoas que substituem a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder para ver florescer mudanças estruturais. A estes, que neste parágrafo se encaixam, parabéns pelo Dia do Servidor!

Mas são poucos! Os homens querem ser admirados!  E Matias Aires, em 1752 já afirmava a universalidade da vaidade, como a única virtude constante, que se insinua inesperadamente em todo mundo, em todos os tempos, em todas as profissões e em todos os Estados.