A vida no piloto automático

A intrincada dança da rotina é que nos impede de quebrar certos hábitos e promover as mudanças que realmente importam em nossas vidas. São os hábitos que determinam o que comemos, como ocupamos nossas horas, como gastamos nossas economias. Como robôs ou escravos, vamos nós agindo numa sequencia de movimentos programados, que limitam os ciclos do nosso comportamento.

A vida, como um par de sapatos velhos e bons deve ser amaciada, lustrada, receber remendos, meia sola, para que confortavelmente dure muito. Vasta vida não pode existir apenas dentro de preocupações pessoais. Não existimos dentro de um quarto decorado refletindo nossas próprias imagens do piso ao teto. Dentro desse conceito estreito, a vida se torna monótona e insana. Estranhamente muitas pessoas sentem-se seguras em suas prisões apesar da natureza humana ser potencialmente criativa e transformadora.

Então, como escapar dessa prisão que transforma pessoas interessantes e competentes em seres angustiados?

Teorias de como mudar a vida podem ser encontradas em manuais e livros que buscam esclarecer porque algumas pessoas lutam para mudar e não conseguem e outras, parecem renascer a cada dia. A princípio considere que mudar a vida implica mudar os hábitos e para mudar os hábitos inexoravelmente afetamos a rotina de outras pessoas, com as quais nos relacionamos.

É um processo de libertação das amarras que fazem mal, dos laços que apertam, dos horários exíguos, do tempo escasso. Mudar a vida não é alisar o cabelo, perder peso, aprender um idioma, fazer uma viagem.  E a menos que se reconheça o peso embutido nesta atitude, a vontade de mudar permanecerá apenas como uma voz dissonante num interior em declínio pela rotina.

Os hábitos que moldam a rotina são profundamente tóxicos, insidiosos e muitas vezes invisíveis como um vírus, que destrói a satisfação, a emoção rara de flertar com a vida; um sentimento que desponta apenas quando a vida não é levada tão a ferro e fogo. Em outras palavras diria que o apego aos hábitos determina falta de criatividade e controle sobre as situações que trazem riscos e que podem machucar.  A rotina que organiza a vida é necessária, entretanto os hábitos que mantém nossas vidas operando no piloto automático deixam a impressão de que a vida está apenas passando por nós…E a vida é uma jornada de acontecimentos extraordinariamente impermanentes.

Ironicamente a rotina exagerada é uma voz destoante numa terça-feira de carnaval, onde nada sobrevive a desordem da dança, da alegria, dos relógios parados, dos corpos suados. Bem feito! Quando parece que vamos iniciar a rotina, nos salva o carnaval!

Mundo perfeito?

No estado de Australia do Sul o investimento na saúde consome 31,5% do orçamento do Estado. Logo após o nascimento, o bebê é inscrito no MediCare, para ter o acesso e atendimento facilitados nos hospitais públicos. O nascimento do bebê deve constar numa central do governo que controla o pagamento da licença maternidade.

O estado, sem distinção de renda, deposita pouco mais de 1 mil dólares, por um período de 18 semanas à família. Isso ocorre porque, na maioria dos casos, as empresas não pagam salário integral às mães durante a licença de seis meses. Preserva-se o emprego por um ano, mas o salário cai ao nível de um salário mínimo por mês. Óbviamente essas condições podem ser negociadas, mas, em geral, é isso o que acontece.

Pouquíssimos hospitais são privados. O médico não pode cobrar se tiver qualquer vínculo de emprego com o governo, mesmo acompanhando paciente num hospital privado. Meu neto Leonardo nasceu num hospital privado, obstetra particular e pediatra do setor público. O plano de saúde foi acionado para cobrir as despesas do parto e o inesperado nascimento prematuro e duas semanas de UTI neonatal não tiveram custo adicional para os pais.

Uma semana após a alta, a casa é visitada por uma enfermeira, que aqui chamam de Midwives. São especialistas em atendimento pós-parto e trabalham tanto para os médicos quanto para hospitais. Ela supervisiona a cicatrização da cirurgia, pesa, mede o bebê, observa-o sendo amamentado e orienta sobre depressão pós-parto.

Na Austrália cerca de 7 em cada grupo de 10 mulheres sentem-se deprimidas quando retornam para casa com o bebê. Uma situação que preocupa o governo. Tanto que na segunda semana, uma agente de saúde, do governo faz acompanhamento da recuperação da mãe e do bebe. Percebe-se através das perguntas uma outra preocupação, a violência doméstica. Na oportunidade, em tom formal, a agente do governo instrui quanto os endereços das entidades as quais deve-se recorrer em caso de necessidade de auxílio. Ao sair, checa o quarto do bebe.

Grandes hospitais são inúmeros em Adelaide. Entretanto o governo está implantando um novo sistema de saúde, que está gerando críticas por parte dos sindicatos dos serviços da saúde e usuários. O projeto chama-se ¨Transformando a Saúde¨ e inicia com a construção de um imponente hospital central, com atendimento ambulatorial contemplando todas as especialidades, centro para atendimento e cirurgias de média e alta complexidade, centro de reabilitação, laboratórios e centro avançado de pesquisas.

Disseram-me que o povo na verdade, não está interessado nesse complexo, cuja intenção do governo trabalhista é tornar a Austrália do Sul numa referencia nacional em saúde pública. Alegam ainda que o suntuoso edifício pode não atender as necessidades dos médicos e enfermeiros e que fizeram a opção por uma obra de arquitetura estética, que será entregue a população até o meio do ano.

Os antigos hospitais serão transformados em centros de atendimentos especializados, de forma que, uma vez acometido de um mal, o paciente sabe exatamente para qual unidade deve se dirigir. Haverá um hospital público para ortopedia, outro para mulheres e crianças, hospital cardíaco, outro para tratar doenças crônicas e outros. Estes hospitais estão sendo redesenhados como ambiente para cuidar de pessoas em condições de saúde complexas e crônicas.

Explorando o contraditório, percebe-se que este país moderno ignora completamente os 3% da população de origem aborígene. São negligenciados pelos governos, possuem baixa escolaridade, vivem em precária condição de saúde e em estado de pobreza, longe desse mundo aparentemente perfeito.

De Adelaide, Austrália

Eu não menti para você

Ignorância não é apenas não saber. É também uma criação maledicente para que as pessoas não saibam a verdade sobre as coisas que importam. Vivemos num mundo de ignorâncias plantadas e, mesmo que os conhecimento seja acessível, nem sempre é acessado e as pessoas continuam subtraindo conhecimento da tradição, da religião e o que é pior, da propaganda.

Com isso, vamos perdendo nossa capacidade de decidir levando em consideração as informações que poderiam nos beneficiar mais. Estamos cedendo muito facilmente aos encantamentos do mundo de respostas instantâneas. Devemos consultar mais, ouvir mais e mesmo com toda a imperfeição que permeia nossos seres, podemos nos reinventar a cada dia, contando com a imprevisibilidade, juntando pedaços, buscando um novo formato para nossas vidas.

Podemos crescer misericordiosos, enfrentar os infortúnios, aprender a fazer escolhas corajosas, em vez de ficarmos navegando num mundo de felicidade imaginária ou de caos induzido. A ignorância cria a ilusão de facilidades ou a paranoia de enxergar demônios em toda parte.

A vida boa não é uma coisa nem outra. Não se trata de colecionar tampouco repartir infortúnios.

Planos, assim como mentes e circunstâncias mudam. Estou cada vez mais convencida de que devemos procurar, acima de tudo, a simplicidade e não pode haver muita distancia entre o que somos e o mundo em que vivemos. A mente deve ser capaz de dar saltos que não machuquem o coração. Muitas vezes é mais confortável crer no tangível, no que o olho captura.

Ir além disso, almejar o que não se pode ver, pode ser pista de leve delírio… mas que assim seja!

Eu não minto para você quando digo que bem-aventurados são os  sonhadores, os poetas e aqueles cujos corações podem dançar em meio as incertezas; aqueles que são capazes de iluminar a vida com seus sorrisos; os corajosos que cruzam as pontes, rompem fronteiras de um lado para outro, porque acreditam que somos apenas uma raça, e almas irmãs.

Bem-aventurados os que acreditam na realidade e no milagre que só amor promove.  Bem-aventurados os que ousam ser melhores filhos, melhores pais, melhores seres humanos. Esses podem negociar com Deus suas mortalidades.

Estes podem visitar mais lugares, esquecer de tirar fotos e, usar a mente para recordar o que tem vivido. Que a dor e seu significado nos aflijam cada vez menos e que saibamos fazer ajustes nas nossas vidas até chegar ao ponto onde todas as distâncias necessárias tenham sido percorridas e todo o aprendizado tenha sido colocado em prática.