Política,espaço de poder masculino

Se alguém te disser para ficar longe da política e mesmo que se enumere mil razões para que você o faça, não vire as costas para a realidade de que as mulheres são a maioria dos eleitores brasileiros, que existem no país mais de 6 milhões de mulheres a mais do que homens, que quase 40% destas mulheres são efetivamente as responsáveis pelo sustento de suas famílias.

Considere ainda que a expectativa de vida das mulheres elevou-se a um patamar de mais de 77 anos em média e, embora tenha se registrado aumento da participação das mulheres no processo eleitoral de 2014, os números ainda estão bem abaixo do que preceitua a própria lei eleitoral e poucas, muito poucas mulheres se elegeram. Estranho? Nem tanto, num país onde não se cumpre o estabelecido nos estatutos partidários nem na legislação.

A lei eleitoral brasileira está morta, inexiste. O Ministro do STF Marco Aurélio, embora pregue punição aos partidos pelo descumprimento da lei, laconicamente reconhece que, na prática, os partidos não investem e nem garantem condições mínimas de estruturas de campanhas para as mulheres candidatas, preferem registrar candidatas fictícias para burlar a lei que os obriga a preencher o mínimo de 30% das vagas com mulheres, a fazer o repasse de pelo menos 5% dos recursos do fundo partidário para criação de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. Parece pouco, mas nem isso acontece.

Não é bem verdade que o voto é nossa única arma e oportunidade para mudar, para indicar o rumo que queremos para nossa cidade e para nosso país. Certamente há mil outras formas de atuação que também fazem a diferença, que podem promover mudanças substanciais. O consenso é que as mudanças precisam acontecer nas bases onde mulheres valorosas são líderes comunitárias, presidentes de clubes de serviços, organizadoras de reuniões.

A participação feminina não pode continuar nesse desempenho pequeno, não atingindo sequer a marca dos 10% na Câmara Federal, mas alimentando a ilusão de uma participação legítima, quando no máximo, servimos para legitimar as candidaturas masculinas. Ciente dessa necessidade, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados tem promovido encontros e incentivado a ampliação da participação feminina na política de modo geral.

Mas com o corporativismo masculino instalado no Congresso Nacional, qualquer mudança que realmente altere as regras do jogo para torná-lo igualitário, parece improvável. Este ano, tem eleições para as Câmaras Municipais e os números que o País apresenta são vergonhosos. De todos os vereadores eleitos no Brasil, apenas 12% são mulheres e na eleição de 2014 cinco estados não elegeram nenhuma mulher para a Câmara Federal e entre eles está nosso querido estado de Mato Grosso. (os outros são: Sergipe, Paraíba, Espírito Santo e Alagoas).

Pelo que se ouve e se vê, as mulheres continuarão no backstage, organizando comitês, reuniões, balançando bandeiras e pregando cartazes.

Senso de urgência

Anúncios sugerem que devemos sempre escolher o caminho da felicidade; que devemos nos amar antes de amar os outros; dar a volta por cima e recomeçar dos escombros; escolher um estilo de vida saudável, exemplificado pela imagem de uma bela mulher de branco, em pose de yoga numa praia. Como? Alguém em sã consciência optaria por um caminho oposto à felicidade?

A ideologia da urgência é o sintoma de uma vida vivida sem perder tempo com coisas de pouca importância. Significa redirecionar energia para gastar com o que dá sentido à vida; significa parar de sonhar, sonhar e sonhar com o que não se tem, com o que pode-se levar anos para conseguir e não viver para desfrutar. O que é importante deve ser também urgente para nós.

Estado de urgência não significa arroubos de precipitação. E talvez, por não compreender que a impermanência permeia todos os aspectos da vida, nos lançamos em atitudes cegas, numa luta de caráter implacável e o que se segue é a corrida para se ter qualquer chance no futuro. Mas se falamos em impermanência, pode nem haver futuro.

A urgência de se viver não deve nos empurrar para carreiras lucrativas, que não sejam igualmente fontes de prazer. Ao fecharmos os olhos, não podemos estar receosos de adentrar os períodos inevitáveis da rebeldia, da transformação, do comprometimento, do envelhecimento e da morte. Os ciclos se cumprem, quer você viva com assombroso pesar do passar das horas, engajando-se em várias direções ou não.

Os rigores do trabalho, da falta de tempo, a precariedade da vida cotidiana, consumida pela incerteza, levam-nos a um esforço solitário para sobreviver, respondendo às expectativas que nascem nos outros. Tudo é feito num desatino que justifica-se pela busca desesperada pela realização pessoal. Isto é absolutamente perturbador, até porque sabemos que não temos controle exato pelo desenrolar de nossas próprias vidas.

Avilta-nos a ideia de que temos sido coisa alguma em função da própria vontade e sim, em função das oportunidades que temos tido. Entretanto, a mera sobrevivência não pode ser o único norte a justificar a vida.

Devemos estar cientes e aceitar que nosso tempo não é para ser consumido ignorando os assuntos problemáticos, perdendo-nos em distrações artificiais.

É fina a linha que define o estado de urgência e os momentos frenéticos que passamos a andar em círculos, estressados, ansiosos, irritados e doentes. Viver com significativo senso de urgência é redimensionar a vida, mudar as prioridades, estar firme no presente e não tomar nada como garantido.

Bagagens desnecessárias

Tenho amigos indianos que ajudam-me a interpretar textos sobre Budismo. Estudamos em inglês através de um site que compartilhamos, aos sábados bem cedinho devido ao fuso horário. Mona é imprescindível para meus estudos e meu propósito de viver e morrer sem sofrimentos desnecessários.

Estávamos lendo um trecho do belo “Livro Tibetano de Viver e Morrer”, quando Mona falou sobre o sonho de “todos” os indianos: morrer em Varanasi, a cidade mais sagrada da índia, enorme e localizada as margens do mais sagrado ainda, Rio Ganges.

Kashi Labh Mukti Bhawan, fundada em 1908, é uma das três casas na cidade onde as pessoas se hospedam para esperar a morte. Fazendeiros ricos, despem-se de suas fortunas e hospedam-se lado a lado de pobres indigentes que também aguardam pacientemente a hora de partir.

É um lugar, segundo Mona, onde não entra-se com bagagens materiais e o propósito da casa é também livrar as pessoas das bagagens e dos sobrepesos emocionais ou espirituais que carregam. Há paz, silêncio e preces. Os amigos espirituais leem poemas de amor, executam musicas e ficam em volta repetindo mantras, inspirando um ambiente sem pavores.

Nos momentos finais, famílias são chamadas para resolver conflitos, para perdoar e serem perdoados e depois, velar o morto, que quase sempre parte antes de duas semanas na casa.

Certa vez, ao entrevistar o administrador da casa, Mona, ouviu que as pessoas deveriam deixar pelos caminhos as bagagens desnecessárias, pois a vida é um ato de escalar montanhas e as ilusões, os arrependimentos e amarguras que carregamos afeta a escalada e influência todo o ambiente por onde transitamos.

Porém, a maioria das pessoas vai acumulando bagagem material e espiritual e no final não sabem como livrar-se delas e vão carregando o peso concentrando-se apenas nos aspectos negativos da vida.

Ensina que devemos agir sobre o que realmente importa, que devemos vigiar nossas condutas e trabalhar no sentido de sermos justos, compassivos, verdadeiros e honestos cada vez que somos desafiados.

E se é de viver em paz que estamos falando, precisamos reduzir os conflitos, alguns criados pela própria mente. É fundamental compreender porque as pessoas maltratam umas as outras, por que muitos caminhos já foram tentados para trazer a paz ao mundo; criaram organizações, assinaram tratados em reuniões internacionais intermináveis, mas ainda há dificuldades e desacordos. Ainda assim, a ganância pelo poder pesa sobre os ombros dos homens e o ódio joga um contra o outro.

Há como mudar as leis, mas a verdadeira mudança tem que acontecer dentro das pessoas, como um compromisso de não se dobrar ao peso do desespero  e lutar com determinação contra a opressão causada pelas incompatibilidades das ideologias, das crenças e dos comportamentos inadequados.

Precarização da vida

No mundo globalizado, quando um estágio de relacionamento se precariza, quando atinge um nível que aciona nosso medo crônico de sermos deixados para trás, de sermos excluídos, a vida cotidiana e nossa frágil organização familiar passa a ser um exercício de sobrevivência.

Vive-se um dia de cada vez, sem planos, movendo de um episódio para outro de olhos fechados.

Falta investimento pessoal na busca pela felicidade, falta tempo para observar os filhos crescerem, para trocar receitas, para almoçar juntos. A pressa de viver o que sequer sabemos o que será, nos consome.

Vê meu caro? A precarização da vida deixa-nos vulneráveis.

Além dos cortes orçamentários, aprendemos a promover cortes no tempo: no tempo com um livro, com um amigo, com um conhecido. Cortamos o tempo a céu aberto. A varanda anda deserta. Temos sido ensinados a fazer economia. Economizamos gestos de bondade, abraços apertados, risos, palavras. Como temos economizado as palavras!

Aos poucos a precarização toma conta de todas as esferas da vida e a solução moderna resulta na contratação de organizações terceirizadas para substituir as peças que não funcionam bem, em vez de repará-las. É isso: não há mais interesse e tempo para se consertar engrenagens que saem do prumo.

Não há mais diálogo reparador, nem tentativas para se reorganizar a vida que desanda. Tem sido assim e eu não concordo que coisa outra qualquer, possa substituir nosso senso de preocupação para com nossas vidas e com a vida dos outros.

Como seria terceirizar a atividade meio de nossas vidas? Bem já estamos fazendo isso. O motorista de uma van contratada leva nossos filhos à escola; os empregados do condomínio são terceirizados de uma empresa que os gerencia e são substituídos ou remanejados sem que sejamos consultados.

Furtou-nos o relacionamento de décadas que tínhamos com Noel e com o Lourival. Entre a Geni, que cuidou dos meus filhos e a Leny, a precarização do relacionamento e do trabalho é claramente percebida. Geni era a expressão do comprometimento, do compartilhamento, do amor. Leny recebe por dia, não quer ter vínculos e quando precisa faltar, ela própria aciona sua rede familiar e terceiriza o trabalho dela.

Os cortes, a precarização atingem também os serviços públicos, dos quais grande parte da população depende para se locomover, estudar, permanecer vivos e além da realidade de ver que a precarização se materializa em todos os espaços da periferia, com ruas ainda sem asfalto, sem água tratada, esgoto a céu aberto, sem postos de saúde, além da leniência do Poder Público diante das misérias produzidas pelas crianças fora das salas de aulas, um equilíbrio fugaz é constituído neste novo mundo sem vínculos duradouros.

Mas enfim, o que a terceirização propõe é exatamente isso; dinamizar a rotina sem levar em conta relacionamentos pessoais e sem a preocupação mínima com a sintonia. Na maioria das vezes é um gatilho que rompe o equilíbrio e desarticula a harmonia das relações estabelecidas.