Quando argumentar não vale a pena

Algo mudou com relação a capacidade dos indivíduos de desenvolverem bons argumentos, esticar as horas contrapondo-se às ideias de seus opositores, sem perder o equilíbrio, sem esboçar reações agressivas, sem deixar escapar obscenidades.

Não refiro-me exclusivamente as mídias sociais não, mas obviamente estas são instrumentos confortáveis atrás das quais os corajosos se escondem para destilar a intolerância com o pensamento, com a vontade e com a hesitação do outro.

Hannah Arendt adverte que a abertura ao diálogo é a precondição da humanidade, em todos os sentidos e que o diálogo verdadeiramente humano é totalmente permeado pelo prazer com o que a outra pessoa diz.

Porém, como dialogar com indivíduos que carregam a convicção de que suas opiniões são expressões da verdade, ou melhor, são as únicas verdades existentes? A opinião dos outros, se diferentes, são meras opiniões.

A mania de sermos o tempo todo passionais é idiossincrasia de gente temperamental que traz o coração na boca e nesse momento político então, a coisa descamba. Os barris de pólvoras estão cheios. Será que é tão difícil defender um ponto de vista, uma candidatura sem perder a cabeça? Confesso que muitas vezes calo-me, sufoco a defesa de uma idéia ou de uma pessoa, sobretudo por entender que a melhor resposta muitas vezes é virar as costas e seguir.

Entretanto não bastasse o policiamento que permeia as mídias, descrevo um tempo de prolongada inquietação que tem conseguido arrefecer a disposição e levar ao anonimato indivíduos que algum tempo atrás expunham-se a si próprios e suas posições políticas  e a respeito de vários outros temas, levando em conta as circunstâncias e a finalidade dos debates.

Dialogar deve estar fora de moda.

Em termos práticos, a comunicação que temos conseguido estabelecer exibe hoje a feiura das pessoas que não respeitam o outro, que não procuram palavras adequadas exatamente porque querem polemizar e provocar. E provocam, sobretudo, silêncio e o desencanto, porque não vale a pena comprometer-se em discussões atravessadas por ressentimentos.

Por questão de especial apreço a quem lê meus artigos, declino de enveredar-me pelo caminho desgastado da intolerância, de escrever com perturbação e descontrole, tentando encarnar em todos os textos, um culto a minha personalidade.

Nenhum ser humano é perfeito, ninguém tem familiares e amigos perfeitos, a vida não é um jogo onde ganha-se sempre e a convivência na maioria das vezes não contamina uns com os pecados dos outros. O ideal seria se estabelecêssemos relações cambiantes: eu te respeito, você me respeita.

O novo não é todo claro

A corrupção é intolerante. Deriva-se de ações violentas e criminosas. Não há outro caminho para combater a corrupção senão a punição severa e o repatriamento dos valores subtraídos ilegalmente. A corrupção não é fruto da esfera racional do ser humano e sim da crença e do ponto de vista, nem tão errôneo assim, de que poucos são punidos ou de que a punição se dá segundo critérios partidarizados.

Parece-me que um sentimento de confiança se estabeleceu de hora para outra, mas calma com o andor, pois o santo continua sendo de barro. O esperado impeachment, a cassação do ex-presidente da Câmara dos Deputados aconteceu e isso realmente nos remete a um novo capítulo da história política brasileira.

Os fatos, porém, devem ser entendidos particularizados e com detalhes. Grande maioria dos deputados que votaram pela cassação de Eduardo Cunha, jogaram para a plateia, já que a cassação seria inevitável, pois igualmente, muitos tem histórico de investigação pela Justiça.

O atual presidente, deputado Rodrigo Maia, que não responde a nenhum processo, foi captado numa troca de mensagens com Léo Pinheiro, da empreiteira OAS, pedindo doação.

Passar o país a limpo não é tão simples. A ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal tomou posse dizendo que não conhece um ser humano que não aspire por Justiça e reconhece que os cidadãos brasileiros não hão de estar satisfeitos com o sistema Judiciário.

Assumiu então a responsabilidade de encontrar soluções para reformar o incongruente e disfuncional sistema Judiciário do país, onde processos e pessoas mofam aguardando julgamentos.

Considerada uma workaholic, uma pessoa que trabalha até o limite das forças, a ministra não enfrentará nenhum fato novo. Convive com a lentidão e ineficiência da Justiça na mais alta corte do país desde 2006, quando tornou-se membro da Suprema Corte.

Em sua posse, na semana passada, lá estavam eles, os infiéis da causa pública, os indignos do poder; ministros e parlamentarescitados e denunciados, contrapondo com os discursos pregando rigor absoluto e enxugamento nas benesses concedidas com dinheiro público.

Fica assim, uma leve esperança em dias melhores, tempos mais austeros, como tem que ser. Enfim, quase tudo novo; o Presidente da República, da Câmara Federal, do Supremo e logo teremos novos prefeitos. Vejamos agora se as pautas se renovarão.

Chega de badalações, bajulações e palavras cordiais. Todos nós queremos um Brasil mais justo e a isso não chegaremos juntando cacos. Pluralizando o que escreveu Cecília Meireles, eu diria que precisamos aprender com a primavera a deixar nos cortar para voltarmos sempre inteiros.

Espaços luminosos ou opacos?

Há várias contribuições para o plano de governo dos candidatos a prefeitos, sobretudo no sentido de tornar as cidades mais humanas, valorizando os espaços de uso comum e tentando, de certa forma, abolir a tendência ou a lógica dos projetos que marcam a divisão entre centro e periferia.

O arquiteto Jaime Lerner, que foi governador do Paraná por dois mandatos e prefeito de Curitiba por três, lança um livro com ensinamentos valiosos sobre mobilidade e racionalidade no uso dos espaços públicos e, em entrevista, acerta um alvo: os candidatos que pretendem ir além de administrar recursos e obras carimbadas com selo do governo federal.

Diz ele que os gestores continuam a incentivar a criação de bairros distantes, que são alcançados apenas por carro, muitos nem linha de ônibus tem.

Lembra Lerner que mobilidade significa colocar moradia perto dos locais onde se acha emprego, pois levar infraestrutura para longe custa uma fortuna e a dependência de carro leva esta categoria de residentes, a se endividar para adquirir automóvel. A onda é explorar a dinâmica da cidade humana e promover soluções para os problemas urbanos e não sublinhar problemas deletérios.

Lerner condena a moda de se criar uma mini cidade dentro dos condomínios, onde se tem espaço para tudo, dentro dos limites dos muros altíssimos e convivência limitada a classes sociais distintas. Em vez disso, propõe, a reorganização de determinadas ruas, para que sejam espaços vivos, de cultura, compras e lazer, só assim, as pessoas sentirão vontade de viver suas cidades. Poucos exemplos em Cuiabá: talvez São Gonçalo Beira Rio e a Praça da Mandioca.

Ao comparar as gestões de prefeito e governador, assegura ter sido melhor prefeito, pois pode trabalhar diretamente com a sociedade e  as experiências mostraram resultados com menos tempo, o que permitiu que as equipes trabalhassem mais rápido e mostrando resultados efetivos em vez de  gastar tempo adaptando projetos nacionais, concebidos sem análise acurada das especificidades locais.

Ao estudar Geografia Humana tive a oportunidade de despertar para os ensinamentos do grande mestre, o geógrafo Milton Santos, que diz que a vida metropolitana deve sempre ser refeita, tanto na forma quanto no dinamismo, para não acabar compartilhando espaços plenos de tédio, angústia e medo.

Assegura que os condomínios caros são construídos longe do centro da cidade, justamente para empurrar os pobres para mais para longe ainda. E aí, voltamos ao Jaime Lerner, quando falou que os espaços públicos da periferia há muito são demarcados por obras de escolas, creches, postos de saúde e igrejas, que funcionam sem nenhum sentido de rede solidária.

Ser prefeito da cidade de Cuiabá hoje é não temer abraçar as adaptações rumo a modernidade, o que significa, entre outras coisas, construir um futuro atraente, mais informal e democrático para seus residentes. Hoje em dia, nos meios de aferição da qualidade de vida nas cidades, o que conta, não é o número de carros que trafegam pelas ruas e sim, o planejamento para tornar a vida dos seres humanos mais feliz.

Poder local

É comum não nos darmos conta dos direitos que temos, do modo como não os reivindicamos e os exercemos. É neste contexto que participar das eleições não é apenas fazer valer um direito, mas também uma forma de manifestar poder e exercer a cidadania que nos permite ter a nossa quota na escolha de quem vai governar nossa cidade nos próximos quatro anos.

Ainda que as pessoas expressem maior apreço pelo cenário nacional é nas eleições municipais que se inicia de fato o processo político nacional.

A experiência que se acumula legislando ou exercendo cargo no Executivo dos municípios é que mais tarde, dá realce a vida dos que aspiram voos mais altos. O poder local é que proporciona a implementação das políticas públicas com interface direta com o cidadão, visando assegurar proteção e atendimento básico, com prestação de serviço que vai desde a coleta do lixo, distribuição de estacionamento público, saúde, transporte, escola. É o desenvolvimento aliado à justiça social.

A melhor maneira de tornar-se influente no lugar onde se vive e trabalha, é participar da política local, atitude que além de fornecer o impulso necessário para revigorar a rede da democracia, é o melhor momento para se colocar, dar voz aos planos e sonhos e para fazer cobranças.O exercício da cidadaniaentretanto, não se limita a liberdade de expressar atendência política, de votar, enfim.

Porém, é nesse contexto quase familiar que a cidadania se confirma, que a escolha do Prefeito deve pairar.Para que o prefeito possa efetivamente, desempenhar bem suas funções, é necessário transformar o serviço público em “serviço para atender bem o público”, com profissionalização e humanização.

Vivemos tempos difíceis, é preciso cuidar da população com carinho, lembrando que projetos para cultura e esporte são instrumentos inclusivos indispensáveis para a plena afirmação da dignidade humana em todas as dimensões.

Agora, por mais que sejamos capazes de elaborar uma extensa lista de razões pelas quais estamos cansados de votar, pode-se tentar uma estratégia nova, invertendo a ordem do desânimo e aprimorando a participação, cedendo ideias, projetos, estando atentos ao que falam e se nos ouvem.

Tomando esse conjunto de cuidados, alerte-se ainda para o fato que agora muitos candidatos exploram o poder financeiro, os amigos influentes, os supostos padrinhos com elevado grau de dignidade, mas não é nessa conjuntura de palanque imponente que devemos votar.

Apesar da dependência ainda usual dos municípios brasileiros pelas transferências de repasses estaduais e federais, a descentralização está cada vez mais na ordem do dia dos municípios.