O amor não conhece sua profundidade

 

Nem sempre preciso de planos. Ás vezes é na desordem das palavras não ditas, no coração confuso, na inquieta alma que repousa na profundidade do meu ser, que consigo expressar o meu amor.

Nem sempre preciso de olho no olho. Ás vezes é no afastamento silencioso, na cabeça que pende em desacordo que meus sentimentos conflitantes ameaçam se confessar.

Amo imperfeitamente.

Nem sempre tento tanto. Ás vezes deixo as palavras atenciosas sem importância, e, diante de uma vasta estrada, sigo o caminho rumo ao nada e deixo-te partir.

Nem sempre restauro meu coração quebrado. Ás vezes, a temporalidade da vida, tira-me coisas que me haviam sido concedidas. Deixo-as ir. Porque nem sempre tenho planos para estas.

Em desalinho com a maioria

Tem sido interessante acompanhar algumas discussões sobre fatos que permeiam nossas vidas; como por exemplo, a implementação do serviço de Uber em terra cuiabana e a realização do carnaval, no contexto da tradição cultural.

A manifestação dos nossos pensamentos é um dos elementos básicos para exercermos a cidadania, mas tenta argumentar indo contra os interesses da maioria!

A liberdade dos tempos modernos tem sido exercida considerando antes de tudo, o que pensa a maioria, como esta se organiza, coopta mentes volúveis e repercute o ponto de vista nas mídias sociais.

Todo tema político merece discussão cuidadosa, leitura, perguntas, ponderações e um olhar honesto para o futuro, porque mesmo o que é regulamentado por lei, carece de interpretação e estas não são lineares e para os serviços que nem regulamentados estão, tudo é possível.

O mundo muda, o processo de emancipação e evolução dos serviços mudam também e não é possível nos acomodarmos nos mesmos procedimentos rotineiros e burocráticos anos após anos.

Entendo que a existência do Uber como meio de movimentação urbana é algo muito simples e conveniente e sobretudo, um sistema já consolidado e os pormenores da regulamentação devem estar sendo amplamente discutidos por pessoas com conhecimento na área. Não sou alheia ao antagonismo competitivo que estimula comportamentos sociais menos éticos, e empurra uns contra os outros.

Acontece que tenho uma relação de absoluta admiração com dois taxistas, Sr. Isaac e Sr. Gaudêncio, homens que acudiram a mim e meus filhos por uma década e deixaram marcas muito positivas no meu dia-a-dia. Nada a reclamar, nem do preço praticado!

Prezo muito a distinção das minhas experiências e escolhas e é exatamente através das minhas relações sociais que consigo determinar meu modo de ver a realidade. Portanto, mesmo em desalinho com a novidade ainda não migrei para o Uber.

Muitos outros temas estiveram em evidência durante a semana, até a realização do carnaval cuiabano, criticado veementemente por um vereador novato, que depois, utiliza-se do mesmo método de comunicação transversal para dizer-se mal entendido e perseguido por ser evangélico.

Não creio que tenha sido vítima da intolerância religiosa! O que ocorre é que é preciso certo tempo para o político entender que uma vez homem público, a repercussão do que se fala dá-se na esfera pública e num ambiente plural não deve haver vigência de mandamentos religiosos.

Eu levo alguns “chega pra lá” ao expor pensamento contrário em muitos assuntos, mas tenho o defeito de perguntar, ouvir , ler antes de decidir-me por isto ou aquilo e muitas vezes apresento aos amigos, a minha impressão dos fatos, dentro de uma perspectiva mais pessimista, sem temorà tirania da maioria, porque creio que isso é essencial para se buscar uma outra forma de pensar, criar, propor projetos e sonhar.

Não devemos viver só de bens e ideias tangíveis.

O homem sem qualidades

“O que é um homem sem qualidade? É um nada. E esse é o problema. Há milhões assim. É essa a raça que nossa época produziu. Algo imponderável como uma orquestra que desafina e não por falta de talento apenas. É que falta tudo”, escreve Robert Musil no livro desconcertante sobre o homem em sua condição terrena envolto na absoluta falta de valores morais, intitulado “O homem sem qualidades”.

O romance traz personagens vivendo relações autênticas, sem emoção ou sentimentos positivos, substituindo a inspiração pela intuição e nos confronta com comentários irônicos que tentam mostrar à fragmentação e à dissolução dos valores éticos na modernidade.

Trata de seres que colocam o mundo cotidiano em suspensão, deixam aberto suas naturezas esquivas, aproveitam-se da situação política, dos revezes econômicos, da desigualdade e da irracionalidade como condição para disseminar a moralidade falsa, julgamentos e comentários incapazes de exprimir a menor compaixão ou respeito pela vida do outro ser humano.

De toda parte, o homem está se preparando, de maneira cada vez mais disforme para exercer na plenitude a espessa capacidade de ser vil, de pronunciar palavras cujo significado talvez até desconheça, mas é preciso impressionar, que seja negativamente, mas impressionar.

É incômodo conviver com pessoas que zombam de tudo, que conseguem fazer piada com a dor alheia, que politizam até os mortos e seus velórios, que entram em transe diante da possibilidade de explorar as veias do mal, pronunciando discurso de ódio, principalmente na internet.

Ao ler o homem sem qualidades, pensei que ao nascer desprovido de sentimentos bons, o homem poderia esforçar-se para adquirir certos valores morais ou espirituais de forma a amansar o ímpeto selvagem que lhe compele a cultivar espinhos no coração.

As manifestações destemperadas não mais típicas da arrogância da juventude, dos espíritos afoitos, são usadas a bel-prazer por gente de todas as idades.

É difícil combater os homens sem qualidades com ideias singulares, com filosofias humanistas. Tampouco se consegue adivinhar a profissão dos homens sem qualidades porque eles estão em toda parte; são médicos, comerciantes, artistas, políticos e professores, para quem nada é sólido; ficam zangados e zombam, se entristecem, rejeitam o que os comovem.

Sem sentir, assim como na água, estamos nadando num mar de fogo, onde o mesmo acontecimento tem muitos lados e a mesma relação tem um monte de sentimentos transversos entre o bem e o mal.

Pelejo para ampliar minhas qualidades, cobro-me exaustivamente para adquirir novo modo de pensar mais humanizado e com respeito pela vida do outro. Erro seguidamente. Entre remorso e fraqueza sinto que não quero repartir minha existência com pessoas sem qualidades e ainda dotados dessa monstruosa mistura de insensibilidade e indiferença que tem permeado as nossas redes de relacionamentos.