O banal e o raro

É fato banal que a maior parte das riquezas estão concentradas nas mãos de uma minoria absurda e que a desigualdade produzida, embora de conhecimento de todos, seja escancarada apenas a cada divulgação de pesquisa e relatório sobre o tema; que ainda assim, os governos aprovam isenção e concedem benefícios indevidos às empresas dirigidas por empresários milionários.

É fato banal que a educação, um direito básico de toda criança, tenha sido sistematicamente negligenciada pelo Estado.

Não adianta a consciência de que o país precisa se envolver num esforço coletivo para avançar no combate à extrema pobreza, a violência, ao racismo se vamos seguindo o fluxo condenando em público, mas na prática, pouco ou quase nada fazemos para provocar diálogos sobre estes temas. Ainda há algo de desorientação no debate de questões sociais básicas.

É inegavelmente raro o aceno dos governantes no sentido de promover a reversão desses quadros, embora todos sabem que somente políticas públicas podem reverter a realidade social no âmbito das diversidades, das desigualdades e tensões e que a urgência é uma questão de sobrevivência.

Expressamos sentimento de terror diante da violência sem sentido. Mas em nosso Estado ainda existe e é praticado o crime de mando, a pistolagem, e somos apresentados a números fabulosos de índices de redução da criminalidade.

Raramente a violência bate à porta dos que detém o poder e em alguma medida quando isto acontece, a resposta é imediata.

É banal corremos riscos por situações que almejamos e que não se realizarão por que estão fora do contexto em que construímos nossas vidas e não raro, registramos o desequilíbrio e a frustração. O contraponto entre o que se quer e o que se pode ter é que todos estão sempre desafiados pelo que se desconhece, pelo insondável e inesperado.

É raro ficarmos presos em boas conversas, afastados dos ruídos, considerando os pensamentos e sentimentos das outras pessoas. Mesmo em conversas que parecem profundas provavelmente estamos vendo e experimentando apenas o que está na superfície.

Estamos perdendo o hábito do recolhimento, da oração, do silêncio, da música, da meditação, de fotografar a natureza com o olhar e salvar na memória os bons momentos. Porque são raros os lampejos de tempo que tiramos para nos reconciliar com nosso “eu” interior, buscarmos a cura e reacendermos a fé.

É precioso, porém raro, permanecer aberto e vulnerável. Pois raros são os homens que no curso dos tempos modernos se deixam capturar pela realidade complexa e surpreendente de viver em um mundo desencantado.

Interpretando o sociólogo brasileiro Octavio Ianni, raros são os homens que “almejam a vida sem carências, sem alienações, plural, múltipla, colorida, sonora, em movimento, como se estivesse nascendo novamente”.

Poder extraordinário

Ter um candidato não significa tomar alguém, como modelo. Não há como buscar em outro o reflexo do nosso caráter, das nossas relações, das circunstâncias, das durezas econômicas e sociais que vivemos.

Não deve haver ansiedade por trás da escolha do homem adequado em quem votar, até porque é necessário separar o homem dos rótulos que colam nele, com a finalidade de distorcer a imagem e saciar a sede de espetacularização da política, muitas vezes apresentada como teatro que para conquistar a audiência das massas se vale de episódios burlescos.

Estamos todos meio bravos, meio atentos, meio descontentes e não aceitamos mais condutas estranhas às nossas convenções e, ainda assim, estamos meio esperançosos e tentando enviar mensagens aos políticos expressando, embora sem exatidão, a raiva e a frustração diante do engessamento dos nossos sonhos, da frustração pelo distanciamento e falta de enfrentamentoquando se vota projetos e temas mais complexos e polêmicos.

Uma forma absolutamente informal, de se perceber em que nível está o pavio do cidadão está nos comentários escritos após entrevistas com políticos. Há rasgos enormes de descontentamento, sugestões e acusações, que precisam ser ouvidos e respondidos.

Neófitos em política podem desprezar os comentários, mas os que entendem e fazem política com apreço à opinião pública, passam os olhos nas mensagens subliminares ou explícitas ali escritas.

Penso que a pessoa que se importa em vir a público, embora às vezes usando nome fictício por temor, merece atenção porque deve sentir na pele a falta de proteção aos seus direitos e está buscando um meio de fazer sua mensagem chegar o mais longe possível, não é o caso de um mero expectador que adora polêmicas.

O que encontro no cidadão que participa da atividade política é a incorporação da insistência em não se tornar invisível, de elevara voz para cobrar benefícios sociais num sistema que sempre nos empurra para distante do centro do poder.

Ainda assim, insiste em ser ouvido, cobra explicações, mostra-se cioso de suas obrigações, sua condição social e de suas prerrogativas e que estas quando infringidas impulsionam-te a protestar e agir e intervir com razão, sem hipocrisia e indiferença.

Vinicius de Moraes escreveu que a maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade e de socorro.

Algumas pessoas são reais, algumas são falsas

Causou certa perplexidade a investigação feita e divulgada pela rede inglesa BBC acerca da escandalosa quantidade de perfis falsos ativos nas redes sociais. Talvez a estranheza maior tenha vindo da confirmação que há empresas brasileiras especializadas no ato de espalhar um exército de perfis falsos para difundir ideias ou plantar notícias inverídicas sobre políticos brasileiros com a intenção de arrebanhar seguidores e manipular a mente destes.

Obviamente a plataforma das redes sociais, que vieram para democratizar o acesso à palavra é voltada para atender pessoas reais, usando identidades legítimas.

Existem grandes nomes em diversas áreas, pessoas inteligentes, inovadoras e respeitadas que compartilham democraticamente suas experiências de conteúdo legítimo e diversificado com amigos reais e virtuais.

Vivemos em uma era na qual tudo muda muito rapidamente e a internet nos deu linguagem e compreensão para os novos significados desse mundo veloz que entre outras coisas, nos possibilita resgatar o relacionamento com pessoas queridas que vivem distantes.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman disse que as redes sociais, colocando em parêntese o fato de oferecer serviços úteis e prazerosos, são armadilhas perigosas, sobretudo porque dão vozes a todo tipo de gente e não favorece o diálogo real porque muita gente usa-as para ampliar seus conhecimentos e não estão interessados em diversificar, em abrir a mente, mas ao contrário, atuam na superficialidade e se fecham em suas zonas de conforto.

Abaixo a censura! A saída é usar anticorpos para saber separar as pessoas e notícias falsas das verdadeiras. Porque pessoas dissimuladas há em toda parte, não é algo inerente ao mundo virtual, uma nacionalidade, raça, gênero ou etnia.

Seres falsos estão entre as famílias, no ambiente de trabalho, entre os “pseudos” amigos, enfim. Muitas pessoas que conhecemos na vida real são tão “fakes”que não podem trazer seus pensamentos à luz e dar-lhes vida. Em algum lugar da internet li que algumas pessoas são reais. Algumas pessoas são boas. Algumas pessoas são falsas e algumas pessoas são muito boas em ser falsas.

É comum presenciarmos insultos e faltas de respeito com quem se expressa no sentido contrário da manada nas redes sociais, porém o escritor italiano Umberto Eco, surpreendeu pela forma rude com que referiu-se às redes sociais ao receber um prêmio na Universidade de Turim, no ano de 2015.

Eco criticou “a disseminação da informação que dá direito à palavra a uma legião de imbecis e promove o idiota da aldeia a detentor da verdade”. Mas enfim, ideia do famoso escritor é apenas a ideia dele. E a crítica, descontextualizada talvez, mas absolutamente desconectada da realidade, soa pretensiosa, preconceituosa e sectária.

O mundo tanto real quanto virtual deve ser visto de forma particularizada, com detalhes, expondo as diferenças saudáveis e nunca de forma generalizada, porque o preconceito e a arrogância se manifestam nas generalizações.