Se não agora, quando?

Embora seja mais fácil e até uma prática seguir o caminho da menor resistência, nem sempre é o que interessa. Sigo lendo e participando de discussões políticas, sem temer o Estado como máquina que instrumentaliza a distribuição do medo, mas ansiando como todo brasileiro pela oportunidade de usar meu voto como meu grito por um país melhor.

Não é preciso uma inteligência extraordinária para ler, ver e entender que o Estado precisa de reformas e não basta reformar o que é direito do pobre, do assalariado pequeno e deixar intactas as vantagens do alto funcionalismo e empresariado.

O debate político não está extemporâneo, aliás, é um debate que não deve ser interrompido em tempo algum, pois é um instrumento contundente para sacudir a paralisia institucional da curta e engessada campanha eleitoral.

Os diagnósticos e prognósticos são refeitos todos os dias, a realidade de um grupo se desfaz e soma-se à outro “da noite pro dia”. E não é que falta elementos para quem analisa, é que a coisa é dinâmica mesmo, as conversas travam ou evoluem com muita rapidez.

O governador Pedro Taques em nenhum momento foi candidato único. Houve sempre um e outro nome colocado na disputa; Antônio Joaquim, Carlos Fávaro, Wellington Fagundes, Mauro Mendes e Jayme Campos se estiveram posicionados e aguardando para entrar em campo.

E tem o Blairo, ora citado em projeto nacional, ora reeleição a senador; a verdade é que o pêndulo dele desestrutura qualquer candidatura construída em lado oposto.

Eu não vejo o movimento renovação dos deputados federais e estaduais com tanta clareza e facilidade como colocam alguns analistas e políticos. No ano de 2014, 11 novos deputados, cerca 48% integraram o Parlamento estadual frustrando uma estimativa divulgada de que a renovação se daria em torno de 70%. Índice absolutamente irreal para nossos padrões de relacionamentos à base do compadrio. Diante disso, o nível de renovação deve manter-se.

É uma pena que não tenha havido um movimento interpelador para trazer à esfera política novos ares, novos discursos e muitos atores novos, capazes de derrubar o confortável quórum de sustentação do Executivo.

O cenário nacional não vai descortinar-se para o que já não tenha sido discutido. Ciro Gomes e Bolsonaro estão com os nomes colocados há mais de 2 anos, Marina Silva e Alckmin vivem em permanente campanha, o ex-presidente Lula deve ficar fora e Luciano Huck está se exibindo no Caldeirão, enquanto FHC fala por ele. Já Meireles orbita em torno do poder desde 2003.

Não existe essa história de político não convencional envolvido no processo eleitoral. Os movimentos durante este período nem sempre são suaves. Política não é coisa para cidadãos que assustam-se com dificuldades, com ataques regulares.

Conflitos políticos e teorias de conspirações não desmoronam a ordem cívica e nem podem ser usados como sinais que a democracia falhou. São problemas menos graves do que os índices de violência contra as mulheres, do que a guerra civil que mata as crianças no Rio de Janeiro e hospitais sucateados mendigando repasses.

Lamentavelmente milhares de pessoas votam para cumprir a obrigação; os que vendem o voto ou votam por interesse tem um preço e depois de pagos, encerra-se o compromisso com o candidato.

E os que votam porque acreditam no político, porque querem mudanças, porque têm confiança e esperança? Milhares votam porque esperam que o sistema possa protegê-los com boas leis, com políticas públicas honestas e capazes de ação substantiva sobre a vida do homem e porque acreditam na decência das instituições públicas.

Sei que é terça-feira de carnaval. Mas se você não vem para o debate agora, vem quando?

Transições

A transição é como nascimento. Quando você começa a se sentir apertado e desconfortável, quando não há mais espaço no útero é hora de entrar no mundo grande.

Pode haver inquietação e incômodo. Mas as transições são mudanças que ocorrem naturalmente, e não apenas, no percurso de vida do homem. É o encerramento de um ciclo e entrada em outro como um fenômeno permanente e universal, mas que pode ser constituído dentro de práticas flexíveis e nem sempre temos que viajar muito longe para experimentar elementos novos no processo de transição.

A maioria dos eventos da vida são iniciados com o estresse da transição, por abandonar um estágio conhecido e talvez confortável para misturar sentimentos de excitação e medo ao iniciar um ciclo novo.

As transições são mudanças de status e processos transformadores, que podem se dar de forma confiável, afirmativa e discreta. O sociólogo Zygmunt Bauman, porém, vê a sociedade pós-moderna ser caracterizada por mudanças radicais, por uma constante derrubada de paradigmas e tradições desde a economia, cultura e ciclos de relacionamentos.

Para Bauman, vivemos um período de transição irregular, em que estamos perdendo apreço aos elementos estáveis, que nos garantem equilíbrio para passarmos por transformações e deslocamentos e, assim, a incerteza ocupa lugar cada vez mais central no modo de vida contemporâneo.

Alguns momentos de transição podem ser muito desconfortáveis, sobretudo se causados por perdas ou por diagnósticos inesperados. As escolhas e o ânimo podem ser irrevogavelmente alterados por algumas mudanças.

Mas aqui falamos da transição que dá seguimento a vida. A transição de pular para o momento seguinte e não ficar sapateando em cima da infelicidade conhecida por temer algo completamente desconhecido, que habita do outro lado da rotina. É preciso coragem para atravessar de um lugar para outro.

Em algum momento, a inevitabilidade do movimento de ir para a frente vai acontecer. Chega um ponto em que não há retorno e a transição para o próximo ponto tem que ser feita consciente que a absorção das mudanças não pode significar uma aceitação cega e sem critérios. Entender e seguir as transições da vida é não importar-se em regressar, uma vez ou outra, com uma derrota sobre os ombros.

Li um artigo escrito na década de 1960, que tentava conceituar a ligação entre estresse e as transições inevitáveis da vida. Embora os eventos estressantes atinjam todos os seres, as mulheres, idosos, membros de minorias e pessoas economicamente desfavorecidas experimentaram níveis mais elevados de estresse, dado as condições desiguais que encontravam quando precisavam demonstrar esforço na direção de um objetivo.

Deve continuar assim. Resta certo que o momento de se entrar na escola, por exemplo, antecipou-se, o momento do casamento retardou-se, o tempo de vida alongou-se.

Racismo de classe

O homem livre é o homem consciente de suas possibilidades e de seus limites em sua relação com os outros. Não é apenas pela superação da ignorância, mas também pelo agir pautado pelo zelo coletivo, que nos tornamos livres e responsáveis enquanto cidadãos.

A rigor não precisamos descer ao nível de sermos indiferentes à vida alheia, assim como não devemos nos apropriar da vida alheia no sentido do que é importante ou insignificante. Na justa medida devemos ser espectadores, imparciais quanto aos julgamentos e estimular que as diferenças e valores venham a prevalecer para nos tornar cada vez mais, seres singulares, com gosto e estilos de vida próprios, seja excêntrico, sofisticado, “farofeiro” ou moderado.

Nós somos capazes de nos alegrar com o que acontece com os outros, entretanto, estamos navegando na estreiteza da mente, que faz com que olhemos para todas as experiências a partir das nossas próprias. Estamos exercendo vigilância aterrorizadora nas vidas alheias, para expor e perpetuar nossas diferenças sociais e reafirmar nosso estilo de vida sobre o do outro.

Transferimos para as fotos a busca das confirmações que precisamos para partir para os atos deliberados de bisbilhotice nas digitais sociais, que foram deixadas nos destinos, nas roupas, comida, praias e hotéis por onde passaram nossos amigos e conhecidos.

Em que pese termos tantas questões prementes e profundas para discutir, no mundo descortinado pelas mídias sociais não há vestígios de preocupação nem satisfação de uns pela felicidade dos outros. O que há num plano minimamente civilizado, são comparações, comentários desmerecedores, julgamentos preconceituosos e uma pontinha de inveja e deboche e assim no exercício vulgar de rotular os chiques e os bregas, os grupos foram passando a foto de um político com a família e amigos, comentando “com tantos lugares para ir, viu onde foram passar as férias?”

É impressionante como somos denunciados, estigmatizados, categorizados e julgados pelo estilo de vida que exibimos. Isso fica mais evidenciado no período pós final de ano, onde dado aos excessos de bebidas, gastos e exposição das superficialidades, ouvimos e às vezes fazemos coro aos comentários sobre como as pessoas que ascendem social e economicamente, escolhem gastar seu dinheiro.

Se de um lado temos as escolhas consideradas mal inspiradas por uns, do outro confirma-se o racismo de classe, denotado na arrogância dos que pensam que tudo tem que estar no seu campo de interesse e só merecem ascender na vida quem tem planos para as frivolidades do mundo ilusório.

Quando vamos aprender a cuidar de nossas próprias vidas e parar de nos desestruturar dentro de papéis conflituosos que só servem para desviar o foco das ações centrais?