Como é ser negro no Brasil

Eu tive a sorte de ser negro em pelo menos quatro continentes e em cada um desses é diferente ser negro e; é diferente ser negro no Brasil. Evidente que a história de cada um de nós tem a ver com a maneira como cada um de nós agimos como indivíduo, mas a maneira como a sociedade se organiza dá as condições objetivas para que a situação possa ser tratada analiticamente permitindo o consequente, um posterior tratamento político. Porque a política para ser eficaz depende de uma atividade acadêmica… acadêmica eficaz! A política funciona assim! A questão negra não escapa a essa condição. Ela é complicada porque os negros sempre foram tratados de forma muito ambígua. Essa ambiguidade da-se pelo fato de que o brasileiro tem enorme dificuldade de exprimir o que ele realmente pensa da questão.

O professor Florestan Fernandes e o professor Otavio Ianni, escreveram ambos que os Brasileiros, de um modo geral, não têm vergonha de ser racista, mas têm vergonha de se dizer que são racistas. E acho que isso é algo permanente das relações inter-étnicas no Brasil e que traz uma dificuldade de aproximação da questão e da análise, inclusive dos próprios negros, que podem se deixar possuir por uma forma de reação puramente emocional diante da questão, dentro do problema, quando é necessário buscar, analisar, a condição do negro dentro da formação social brasileira. Porque a política não se faz no mundo, não é no mundo que dita as regras da política que se faz em cada país. E não é o outro continente. Não é o olhar para a África que vai ajudar na produção de uma política brasileira para o negro, nem um olhar para os Estados Unidos que vai também permitir essa produção de uma política. É o estudo do negro dentro da sociedade brasileira. É evidente que esse estudo passa pela categoria que se chama “formação socioeconômica”, a qual eu modifiquei propondo a categoria de “formação socioespacial”, porque eu creio que o território tem um papel muito grande na compreensão do que é uma nação.

A formação socioeconômica tem relações com todo o mundo. É evidente que o porte africano no Brasil vai ter um papel na compreensão com o que se passa no Brasil, como o aporte europeu e hoje o aporte estadunidense. Mas isso resulta numa produção que se chama “o Brasil”. É nele que eu quero estar como brasileiro integral! É nele que devemos estar, todos, independente da nossas origens étnicas, como brasileiros integrais, sem servos olhados vesgamente em função de nossa, repito, origem étnica. Por conseguinte esse tipo de aproximação que eu privilegio naquilo que eu faço, e faço pouco porque não sou um especialista da questão negra. Eu sou apenas um negro a mais no Brasil que tem uma experiência de ser negro, mas que não sou especialista da questão negra.

O meu trabalho, como todo mundo sabe, é outro, eu me especializei em outra coisa, é a minha história, mas não sou indiferente a essa questão, longe disto. Creio que as contribuições teóricas que por ventura tenha elaborado para o entendimento da sociedade possa ser de alguma valia no tratamento da questão do negro no Brasil; que não será resolvido se os negros forem sozinhos na luta. A luta dos negros só pode ter eficácia se envolver todos os brasileiros, inclusive os negros, mas não só os negros. Não cabe aos negros, aliás, fazer essa luta.

Essa luta tem que ser feita sobretudo por todos. Creio que essa etapa seguinte, a de reclamar para que todos participem; e não só em um dia ou uma semana. Eu não tenho simpatia por treze de maio e nem semana do mês de novembro, porque tenho uma enorme dificuldade em aceitar que o país celebre uma semana, celebre um dia e os resto dos 357 dias se descuide da questão. Eu creio que é importante que haja esses dias no sentido de mobilização. Só que a mobilização não é obrigatoriamente aquilo que produz a consciência.

Com frequência a mobilização cria um elã emocional e o que permite uma luta continuada é a produção da consciência que não pode ser, digamos, obtida em um dia, treze de maio, uma semana, semana da consciência negra, por que não é questão de consciência negra, é questão de consciência nacional; o negro sabe perfeitamente a sua situação. É por isso que eu me recuso a vir em reuniões como essa, ou quando me convidam na imprensa ou na televisão, a ficar choramingando, “ah nós somos assim, somos acolá, nós estamos em baixo”. Todo mundo sabe disso, então vamos usar o tempo para outro tipo de preocupação.

Inclusive como estava dizendo a um colega da Bahia, da gloriosa universidade da Bahia, onde eu fui aluno, o que para mim é uma grande satisfação intelectual e moral, que a questão passa por aí, da questão do negro brasileiro, porque assim que me intitulo, eu sou um negro brasileiro, não quero ser outra coisa se não um negro brasileiro, mas quero ser um brasileiro integral. A luta que tem que ser feita passa por criar uma consciência nacional e não, digamos, nos limitarmos a uma produção de uma consciência negra, porque os negros já estão cansados de saber qual é sua condição na sociedade. Para isso é necessário preparar outro discurso.

Eu estou muito mal satisfeito com a maior parte dos discursos dos movimentos negros porque são repetitivos e são pobres e não são mobilizadores realmente, exceto para choramingas. De que adianta continuar dizendo que os negros ganham menos no mercado de trabalho? Muito pouco! Todo mundo já sabe disso. Com pequenas variações é a mesma coisa sempre. De que adianta sair dizendo que há um preconceito aberto ou larvar? Todo mundo sabe disse, inclusive aqueles que comentam sabem que estão sendo preconceituosos; muitos não sabem. Ai entra o papel de outro discurso, que é o discurso da conscientização a partir de novas palavras de ordem. Por exemplo, peço desculpa por falar de mim mesmo, mas quando nessa entrevista que tive o prazer de dá ao Roberto D’Avila que me perguntou a respeito do ressentimento dos negros em relação a sociedade branca, eu disse, não, ao contrário, são os brancos que têm o ressentimento com relação os negros que conseguem ascender socialmente, que já era um ensaio de produzir um outro discurso. Eu não vou aceitar discutir que os negro tem ressentimento por uma maneira muito simples: porque o nosso ressentimento, se existe, ele não é eficaz, ele não tem poder. O ressentimento que tem eficácia é do que tem poder. Então quando eu falo que é o branco que tem ressentimento, e tem, em relação ao negro que triunfa, não digo o branco em geral, mas um bonito grupo de pessoas brancas . É para exatamente reverter o discurso. É um exemplo de, como creio, que haveria que trabalhar nessa coisa do discurso que acho muito importante, inclusive para a recriação daquilo que repetem com muita frequência, a questão da autoestima. A autoestima pode ser parcialmente enfrentada a partir de outro discurso também. É isso, por isso, que não perdoo o governo federal, e aos governos estaduais, que não põem recursos jornalísticos à disposição da produção do discurso da autoestima, o que não custaria muito, mas que tem que ver com as condições de nosso tempo, que tem que ser analisada e se propor outra coisa.

(Milton Santos)

 

Paciência com a política

Para cultivar paciência é preciso que haja algo que nos tire do sério. E o que, em tese, não falta em nosso dias são pessoas que criam problemas e assuntos que nos aborrecem.

Infelizmente, não somos, nem tampouco vivemos cercados por pessoas gentis e amorosas que conseguem ser adversários em ideias e modo de vida dentro dos limites éticos e civilizados. Na maioria das vezes, as pessoas opinam e retrucam simplesmente por falar. Elas realmente não têm nada de importante a dizer, mas têm medo do ostracismo e do silêncio.

Falar sobre política tem sido sim, um risco sério de envolvimento em situações mal interpretadas, patrulhamento, exposições maldosas e, sobretudo, cobranças, mesmo quando a questão não é colocada no sentido de estar à favor ou contra por razões partidárias ou ideológicas.

Nem as críticas pontuais são bem recebidas. Porém, é exatamente esta rigidez que nos desafia a ter paciência, superar o diletantismo e exprimir as indagações sobre os rumos que perseguimos.

No jogo democrático, para construir a unidade do Estado que queremos, é preciso esgotar a reflexão, a argumentação; valer-se da experiência, da inteligência e do traquejo para envolver-se nos diálogos quase sempre ásperos que rolam por ai.

O momento é de eleições, a pauta é conduzida mais especificamente pelos políticos, porém o protagonismo é do cidadão, que até mesmo sentado no banco de reservas, tenta escalar o time que sonha colocar em campo.

Novos grupos políticos oxigenam o processo eleitoral, contribuem para uma reação orgânica, convocação e inclusão de novos atores. Assim, o eleitor ganha a oportunidade de conferir a solidez do projeto em curso no Estado.

Ser genuinamente adulto e responsável nas relações políticas é saber conter o impulso de verbalizar impropérios quando somos contrariados. Se o discurso de um não agrada, tente ouvir outro e afastar-se dos discursos abusivos, divisores e recheados de fofocas e inverdades.

As intervenções contraproducentes podem até nos conduzir a uma direção oposta à que estamos tentando caminhar porque o discurso de ódio leva as pessoas a lutarem entre si e, definitivamente, não acrescenta nada no sentido de formular um pensamento político de valor.

Dá certa ânsia perceber o processo político destituído de relevância, sem nenhum plano de reestruturação dos partidos. Entretanto, mesmo frente a tantos desafios, a verdade sobre a política não se traduz numa verdade desagradável e negativa. Como todo processo heterogêneo e dinâmico, as coisas harmonizam e desarmonizam e não precisam ser reforçadas com discursos impacientes e intempestivos.

O interesse pela política cresce, a fé diminui

Considero o voto nulo um ato muito extremo. Porém, infelizmente vários indicadores mostram que os eleitores não estão em conformidade com os candidatos, menos ainda com os partidos.

É difícil de prever, mas, segundo analistas, não será surpresa se tivermos o maior índice de votos brancos e nulos desde a volta das eleições diretas no país. Segundo uma sondagem do Datafolha, feita no final de janeiro, um de cada três brasileiros pretende anular o voto para presidente nas próximas eleições.

Em seu discurso de despedida, Barack Obama disse que foi nas ruas que ele presenciou o poder da fé e a dignidade silenciosa dos trabalhadores, que ele aprendeu que a mudança só acontece quando as pessoas comuns se envolvem, se engajam e se reúnem para exigí-la.

Em tempos de dificuldades, quando o país parece desmanchar-se à nossa frente devido a fraqueza política, as coligações fragmentadas, eleitores divididos e mídia tendenciosa, é que precisamos nos envolver efetivamente no processo eleitoral e votar com responsabilidade. Senão, essas deficiências serão exploradas por candidatos fortes, carismáticos e interesseiros.

Os eleitores estão pressionados. As pesquisas, mesmo refletindo a verdade, são canos condutores para levar o eleitor ao resultado que pretendem impor: ao desânimo e a falta de fé. Mas há algo de estranho sobre esse momento em que o interesse na política cresce nas mídias enquanto a fé na política diminui.

As redes sociais invadiram a vida das pessoas, dominaram os conteúdos políticos, fazendo circular matérias verdadeiras e falsas. E queiramos ou não, todos nós nos tornamos produtores dos conteúdos que alimentam as redes sociais.

Tocqueville, quando escreveu sobre a liberdade e a igualdade, revelou-se temeroso quanto a tirania que a maioria poderia exercer sobre as minorias, o que acarretaria no desenvolvimento de uma sociedade intolerante que definiria os hábitos e valores de tal forma personificados, que excomungaria as manifestações que escapariam do que essa maioria estabelece como a verdade dos fatos.

Reconhece essa tirania em algum momento quando se expõe um pouco mais nas redes sociais? Mas, vejamos por outro lado. Está mais fácil fazer-se ouvido, tornar uma voz que pode influenciar o voto.

Se usadas com honestidade, as mídias sociais podem ajudar a virar o jogo e evitar que nos conformemos em votar em eventuais bombeiros. A imprensa livre tem um papel extremamente forte nesse processo, partindo da forma como divulga os escândalos, como acompanha os projetos públicos em andamento nas casas legislativas, como coloca-se contra à corrupção, sem contudo, criminalizar a atividade política e os políticos.

Fora da política? Não.

Na história política recente do Brasil muitos empresários destacados conseguiram trocar, porque é impossível conciliar, a direção dos negócios por cargos eletivos importantes, embora seja mais comum ver políticos ampliando o poder e tornando-se empresários poderosos.

Certo é que Blairo estimulou muitos empresários de Mato Grosso a entrar na política, embora os interesses dos empresários e dos políticos nem sempre sejam coincidentes.

O discurso foi sendo ajustado ao longo dos anos, à atenção focada no exercício da política como governador, senador e ministro e um espaço temporal de 16 anos não pode ser chamado de aventura.

Econômico nas palavras, gestos e dinheiro, passou mais de 7 anos almoçando no próprio palácio para otimizar tempo e dinheiro. Manteve programas do governo anterior, inovou com as parcerias para construir estradas, com a criação dos núcleos sistêmicos, com as visitas regulares aos municípios do interior e instalação de gabinete itinerante desde o Parque Indígena do Xingu até Vila Bela.

Dizem que deu atenção exagerada ao agronegócio. Pode ter dado, porque essa além de ser uma atividade que ele domina, é a vocação do Estado, a maior fonte de renda desde muito antes de ser governador.

Como ministro recuperou os valores das exportações brasileiras e, atuando firmemente, conseguiu estabilizar os efeitos aparentemente devastadores da Operação Carne Fraca. Recuperou mercados afetados e abriu novos após derrubar as medidas restritivas impostas pelos mercados internacionais.

Dizem também que ainda hoje falta-lhe certa sensibilidade e que o discurso absurdamente direto muitas vezes causa desconforto ao interlocutor. Isso porém prova que o poder não lhe alterou muito o discurso nem o modo de ser.

Sem teatralidade, vem dando sinais que precisa de um tempo para si, para a família e para as empresas e eis que formaliza o que tinha dito com toda a intenção: não disputar as eleições de 2018.
Fora da política? Não.

Como um dos maiores empresários do país não pode estar fora do cenário político, nem mesmo depois que entregar o cargo de ministro. Muitas mudanças devem acontecer pré e pós eleição; combinações, articulações, composições e os espaços vazios vão sendo ocupados nas esferas estaduais e nacionais.

A vaga de senador que aparentemente já lhe pertencia está devolvida ao Estado e uma meia dúzia de postulantes vão tentar se viabilizar para postulá-la. Todas as outras esferas da disputa das eleições no Estado, sofrerão revés, serão abastecidas com uma nova ordem de configuração devido ao tamanho do espaço que Blairo ocupa na política de Mato Grosso.

A fila anda e muitos cidadãos que marchavam anos atrás reclamando das políticas do governo, compondo movimentos sociais, estão agora engrossando as fileiras de candidatos. Espaço político não se mantém vazio.

Um sai, outro ocupa e um novo momento político com Blairo pode até acontecer, mas será um momento novo, uma composição política nova. O modelo político sucateado que ai está não agrada a muitos, poucos porém podem dar-se ao luxo de dizer: por ora chega!

O Brasil não é ilha da fantasia

Que susto foi esse que levou a mídia e a sociedade, em grande parte, diante da politização do carnaval de 2018 e do enredo de algumas escolas de samba do Rio de Janeiro e a entrada em cena de novos protagonistas?

Não foram apropriações culturais desgarradas, vagando em cenários indiferentes. Essas doutrinas sem lastros do politicamente correto e patrulhamento excessivo ameaçam a diversão do povo.

Sim, a maioria absoluta sai para se divertir durante o carnaval e se o enredo do samba agrega algum valor político ou ético, ótimo! Senão, samba-se do mesmo jeito! No caso do Rio de Janeiro o desfile é um campeonato, é preciso jogar para ganhar!

Mas claro, que no contexto macro da grande festa popular que é o carnaval, é importante retratar os cenários de exclusão, repressão, o preconceito e a ineficiência do Poder Público. Por que alguns se aborrecem e travam batalhas ideológicas com inimigos políticos? Para que desqualificar os compositores de samba, os carnavalescos? Maus elementos e gente honrada existe em toda comunidade.

É muito mimimi! Queriam que o Brasil fosse retratado falsamente como uma ilha da fantasia e prosperidade?

No ano de 2018, não há como não fazer críticas sociais, como não falar do papel da migração estrangeira, do papel gigante do Estado, da criminalidade organizada, que em parte banca até escolas de samba.

Não há mais eficiência o bastante para esconder a face real do nosso país e não será apenas o carnaval, que sistematicamente reproduzirá críticas, citando os filhos abandonados pela Pátria, policiais assassinados, a mídia manipuladora, a farra dos guardanapos de Sérgio Cabral e esposa. Na contramão do denuncismo, uma rainha de bateria trocou as plumas por uma fantasia feita de cacos de vidros. Você bateu palmas para este ato ecologicamente correto?

A perplexidade e falso moralismo não cabem no momento em que nossos olhares devem estar atentos a toda forma de narrativa que apresente o retrato da nossa sociedade, seja romances, filmes ou expressões populares.

Uma artista se fantasiou de índia e bastou para explodir sobre ela críticas ácidas, até que uma liderança indígena veio a público defender a liberdade de qualquer pessoa fantasiar-se e desta forma, divulgar e homenagear os povos indígenas.

A Amazônia já foi mostrada como um mito de natureza exuberante e tempos depois denunciaram o desmatamentos de áreas gigantescas e massacres de povos indígenas.

Em linhas gerais, a exposição ajuda a construir um diagnóstico da noção de realidade nacional e se remete alguns a promover questionamentos quanto às mazelas exibidas, aplausos!

Porém, sabemos que a realidade é muito mais complexa e nenhum pouco mais bonita do que o que foi mostrado na avenida e que muitas verdades ainda são desconfortáveis para os privilegiados.

Enfim, deixa que falem, que verbalizem, que fantasiem-se do que quiserem. O carnaval sempre foi uma festa associada ao excesso e transgressão e passado os 4 dias, a rotina volta a vida de todos, independentemente das expectativas que criaram.