Dias quentes

O dia seguinte às eleições amanheceu como todos os outros, quente! Na vida ordinária do cidadão as mudanças ocorrerão lentas e gradual. Por mais que a palavra de ordem tenha sido mudança, esperança, não há como incorporar rupturas bruscas num país que namora firme com os valores democráticos. É preciso propor, votar e aprovar as novas leis. As pautas devem ser fechadas com articulação entre governo e parlamentares.

O respeito às críticas, ao contraditório é um campo extraordinário para ampliar conhecimento, para flexibilizar o pensamento e as pautas do novo governo.

Sabemos que é primordial estancar a corrupção no Brasil, canalizar esses recursos para investimentos na educação, segurança e saúde. Coragem é a palavra base para promover o enxugamento da máquina, combater os excessos e desperdícios.

Escala de influência

Não é verdadeira a afirmação que na eleição em que a verba pública predominou, candidatos com orçamentos mais elevados não conseguiram se eleger. Tanto os candidatos que sequer contaram com o financiamento público de campanha se elegeram quanto candidatos que gastaram no limite dos gastos permitido conforme a resolução sobre arrecadação e gastos por partidos e candidatos.

As entidades sindicais e associações ligadas a setores diversos da economia se empenharam para garantir a eleição de políticos que defendem suas propostas, mas no Brasil todo vimos também a eleição de candidatos absolutamente desvinculados dessa categorização e que seguiram independentes, com a promessa de atuar nas causas justas, à revelia dos blocos formais que fazem história e ditam as regras na vida do Congresso Nacional.

É um momento em que tudo está desarticulado e há um certo esvaziamento de lógica e muitos candidatos de partidos que tinha candidato a presidente da República acabaram se apropriando de presidenciáveis de outras legendas. Creio que a dinâmica de alguns foi absurdamente interesseira, mas tá valendo.

Os partidos políticos se apequenaram, perderam força; o mito do tempo de horário político caiu por terra. Há aqueles que fizeram caravanas nos seus estados, prefeitos que transferiram votos de seus munícipes aos candidatos apoiados, há políticos reclamando que transferiram horrores em emendas parlamentares para determinada região e o voto não veio e há aqueles que mobilizaram além de seus limites, o público real que transita no mundo já sondável das mídias sociais, que baratearam substancialmente algumas campanhas e venceram. Enfim, dizer que houve de tudo, que das estratégias vistas, viu-se de tudo parece razoável.

Políticos tradicionais se elegeram fazendo campanhas tradicionalmente caras, percorreram seus estados cumprindo agenda formulada pelos partidos minimamente organizados nos municípios. Outros porém, com bagagem política e outros sem experiência, sem respaldo partidário, sem intermediários nos municípios, sem cumplicidade com a classe política, lançaram-se à campanha destemidos, enfrentando ataques na contrapartida de suas movimentações independentes.

A senadora eleita Selma Arruda flertou com a inovação. Estreante na política, trouxe valores da vida profissional para a campanha, não contou com recurso do fundo partidário, não teve tempo na TV, não foi um produto de marketing para ser ela mesma, o tempo todo.

O Estado de Mato Grosso, de certa forma flertou com a renovação também.  Não reelegeu o governador, dos 2 senadores eleitos, uma é estreante na política; dos oito deputados federais, apenas Carlos Bezerra foi reeleito e dos 24 deputados estaduais, apenas 10 foram reconduzidos à Assembleia legislativa. Pode não ser um dado marcante mas a eleição de mulheres também foi ampliada. Mato Grosso elegeu uma senadora, uma deputada federal e uma deputada estadual.

Nem tão imprevisível assim

Além de ter sido uma campanha e eleição polarizadas, contando com candidaturas antagônicas colocadas de forma a exibir as diferenças naturais de habilidades particulares, esta foi também uma campanha movida pela controvérsia, políticas divergentes e notícias plantadas para desestabilizar as candidaturas que corriam de forma mais independentes, sem a proteção de grande sigla ou de segmento específico.

O Estado de Mato Grosso, de certa forma flertou com a renovação.  Não reelegeu o governador, dos 2 senadores eleitos, Selma Arruda é estreante na política. Dos oito deputados federais, apenas Carlos Bezerra foi reeleito e dos 24 deputados estaduais, 12 não foram reconduzidos à Assembleia legislativa. Pode não ser um número marcante mas a eleição de mulheres também foi ampliada, apesar da presença única da deputada Janaína no parlamento estadual.

A forma de fazer campanha com recurso limitado e controlado fez com que os candidatos reeditassem a velha prática de viajar de carro, gastar sola de sapato, pedir votos nos sinais, panfletar vias movimentadas. Não se viu muitas pessoas carregando bandeiras debaixo do sol quente, jingle ser tocado pelas ruas. Campanhas antes vistosas passaram quase desapercebidas pelo eleitor, que acabou informando-se nas mídias sócias. Os candidatos então, mostraram intimidade com as redes também e optaram por gastos com impulsionamento de mensagens de vídeos caseiros mais do que com material de grande produção.

Destacados profissionais fizeram de seus afazeres a bandeira da campanha, trouxeram para a vida política teorias novas, comportamento desvinculado do político convencional além da crença que é possível arejar as ações políticas, torná-las mais transparentes, honestas em benefício de um número maior de pessoas. Inacreditável, mas o agronegócio que sempre foi destaque de Mato Grosso em Brasília diminui a representação em termos reais, tanto no Senado quanto na Câmara Federal.

Não interpretaria o momento como um momento em que o povo clama por mudança. Ocorre que a corrupção desenfreada combinada com a crise econômica tem efeitos explosivos em um ano eleitoral. E em nossa jovem democracia muitos brasileiros, quase alheios e desarticulados, foram às urnas como sempre fizeram nas eleições anteriores; para cumprir uma obrigação.

Na Escola Estadual na área central de Cuiabá onde votei, não percebi muitos sinais honestos de patriotismo. Os cidadãos reclamaram muito do calor insuportável e do tempo que passaram na fila (cerca de 40 minutos). Bem, estava realmente quente como todos os outros dias que antecederam as eleições.  Seria esse tempo, o limite da nossa tolerância ou do que podemos doar ao país?

Partidos não estruturam o voto

É certo que o voto há muito deixou de ter identidade partidária e estudos buscam analisar as razões desse distanciamento, considerando que são claros os sinais de descrença do eleitorado em relação aos partidos políticos e seus dirigentes. Fato é que os partidos não se esforçam para criar vínculos nem com os filiados imagina então, com o eleitor. Como vingança, o eleitor ignora a filiação partidária dos candidatos enquanto definem seus votos.

Isso tem feito o mesmo eleitor manifestar simpatia por candidatos de partidos adversários históricos e isto não lhes parece incoerência. Em termos práticos, os partidos apoiam candidatos cuja curva da pesquisa oscila pra cima.

A confusão observada tem sido tamanha que há dirigente partidário numa coligação formal com determinado candidato e seus filiados pedem votos publicamente para candidato de chapa adversária. O fato é que os partidos sendo insignificantes, não conseguem moldar ou conter os políticos filiados. Embora o judiciário esteja expandindo os parâmetros de seu poder para dentro da política, chama a atenção a falta de rigor quanto a fidelidade partidária.

Vê-se nos atos públicos, no material dos candidatos a aliança informal, mas não secreta de candidatos de coligações adversas sem pudor algum, compartilhando candidatos que nenhuma lógica ideológica conseguiria explicar.

A crise geral de representação política que vivemos tem empurrado questões que tradicionalmente tem sido resolvidas pelos poderes Legislativo ou Executivo para serem apaziguadas pelo judiciário. Esse fenômeno está em pleno vigor no Brasil como consequência direta da crise perene que vive o sistema político, que deixa a porta aberta para os tribunais se tornarem lugares de debates políticos.

Diante de tudo isso, o judiciário orienta decisões sobre a lealdade partidária, coligações, doações financeiras, tempo de propaganda, respostas e outros, dando um tom caracterizado por normas interpretativas, interesses, poder e até ativismo ideológico. A campanha trava num determinado momento, aguardando decisões judiciais, como no caso do deferimento de candidaturas, que em alguns casos, ocorreu apenas a 10 dias do pleito.

As disputas proporcionais são também confundidas devido a um arranjo legal porque ao votar num candidato do partido de sua preferência o eleitor pode ser surpreendido ao ajudar eleger candidato de outro partido, porque o preenchimento das vagas é baseado no cálculo dos quocientes eleitorais essa incongruência acaba elegendo um candidato com menos voto.

Via de regra, as campanhas eleitorais são regidas por incoerências programáticas múltiplas. Esta não seria exceção.

Pegando no tranco

Em artigo recente pesquisadores da UNICAMP revelam que a média dos eleitores indecisos ou ainda desconfortáveis quanto a escolha de candidatos está basicamente igual a das eleições anteriores. Entretanto os candidatos estão lançando mão das mídias sociais, pesquisas, debates e horário político no Rádio e TV como instrumentos para fazer o eleitor “pegar no tranco”.

A seara política é uma questão delicada e a campanha é algo dinâmico, constituída por fatos em movimento e muitas vezes uma eleição se decide dois, três dias antes do pleito.

As narrativas não podem ficar somente no discurso e devem refletir absolutamente a essência do candidato porque hoje em dia a mesma mídia que projeta, serve para o eleitor monitorar as páginas e grupos dos candidatos e conhecer as causas nas quais ele se envolve.

A propaganda na TV tem seu papel diminuído substancialmente e talvez reduzido ao papel de alimentar e esquentar o clima de eleição e não mais, como antes, de vender o candidato.

Estão sendo disputados os votos tanto dos descrentes com a política quanto dos eleitores infiéis, porque sem assumir isso como pesquisa, temos deparado com uma enormidade de cidadãos que com tranquilidade admitem que a escolha não é definitiva e podem sim, mudar de opção antes das eleições.

No caso dos eleitores indecisos, a tendência é que reposicionem os votos e optem por candidaturas que representem uma nova alternativa, já os infiéis, seguem com a prática de apoiar quem garante mais benefícios ou paga mais. Isso aumenta o nível de incerteza na leitura do cenário eleitoral. Enfim está tudo embolado; índice grande de eleitores que ainda não decidiram em quais candidatos vão votar e muitos que “decidiram” podem trair seus candidatos.

Sem contar os cerca de 30%, a mesma média da eleição de 2014, que se dizem dispostos a votar em branco ou anular. Este percentual que é creditado ao desgaste da classe política, aos casos de corrupção que foram denunciados e geraram prisões, o que garantiu uma exposição negativa e generalizada dos políticos. Com tudo isso, a combalida e velha TV não tem poder para atenuar o desinteresse.

É preciso estratégia para convencer o eleitor indeciso a escolher um nome porque senão, estes eleitores vão engrossar os números de votos brancos e nulos ou elevar as chances de haver reviravoltas no pleito, que contará com 74.676 novos eleitores, na faixa etária de 16 a 20 anos. No site do Tribunal Regional Eleitoral lê-se que o órgão fechou o sistema de candidaturas em Mato Grosso, com a inscrição de 515 candidatos, entre estes, alguns concorrerão aguardando o julgamento do processo de registro da candidatura, que por alguma razão, foi indeferida e o candidato recorreu.

Casos de ficha suja, claro!

De Kant a Bobbio pouco mudou

O filósofo político italiano Norberto Bobbio, descreveu a serenidade como a mais impolitica das virtudes exatamente pela dificuldade que temos de estabelecer uma relação saudável com os adversários sobretudo porque esse conflito é gerado no seio da arrogância, onde quase todos os que se postam desde o início como imbatíveis, pregam que a verdade é única e lhes pertence.

Não considero inferior, a virtude da escolha pelo caminho moral, pelo cumprimento da palavra empenhada.

Discutir eleições e candidaturas não passa efetivamente pelo ato de fazer o outro sentir-se estúpido. Bom mesmo é ter o ponto de vista desafiado pelas idiossincrasias peculiares da política, escapar das influências de modo a não estar receptivo ao menor som e a toda e qualquer impressão que tentam nos passar. É na solidão das análises que nos vemos limitados unicamente aos nossos recursos, que enxergamos a capacidade que temos em nós mesmos.

O bom político deve aceitar a lógica da disputa, as regras do jogo, sem ao final, ser rancoroso ou vingativo. Os que ficam a remoer ofensas, alimentando ódio, não conseguem abrandar a tempestade dos sentimentos e ter uma relação justa com os adversários. E o período eleitoral é curto, instável e merece ser vivido com respeito.

Cito o filósofo italiano Benedetto Croce que ilustrou a ética política, usando a profissão de médico como termo de comparação ao dizer que quando se trata de buscar a cura de uma doença ou submeter-se a uma cirurgia, ninguém vai atrás de um homem honesto e justo; todos procuram médicos e cirurgiões, com habilidade na prática da medicina.

Digo que nas coisas da política tem sido também assim. Mas pode mudar se o cidadão entender a diferença entre votar naqueles que sabem perfeitamente executar e lucrar com a atividade política e aqueles que não rejeitam suas licitudes para servir  ao sistema de negociatas e lutas individuais.

A ilusão que o conhecimento de grande parte da população está fundamentada na tecnologia da informação e na mídia que propaga os fatos, o que causa a falsa impressão de que todos os paradigmas da sociedade mudaram com a informação massiva que chega a todos em toda parte.

Contudo ainda desperdiçamos tempo odiando, marginalizando, rotulando pessoas por causa de suas ideologias, preferências e crenças. Estamos assustados e quase paranoicos nesses tempos de eleições livres, onde o cidadão está sendo alimentado por notícias falsas, arranjos contraditórios, acordos impróprios e outras formas de falta de respeito.

Recorro ao filósofo Immanuel Kant para encerrar: ”Todo homem tem o direito de exigir o   respeito dos próprios semelhantes e reciprocamente está obrigado ele próprio a respeitar os demais”.

Há os outsiders

Os movimentos recentes pregam a renovação política, inclusive com a apropriação da atividade política pelos outsiders, que invocam para si o interesse em modificar o que há de errado, dentro de suas áreas de especialização. Na contramão dessa tendência, teremos um número recorde de senadores findando seus mandatos e concorrendo à reeleição, fazendo o pleito de outubro ter o maior número de senadores tentando se reeleger dos últimos 24 anos, segundo matéria que li no site do Senado.

A cada eleição o Senado renova-se parcialmente, seria portanto interessante checar onde e como os candidatos ao Senado construíram suas carreiras e escreveram suas histórias de vida profissional. Não, não adianta desfiar um rosário curricular de atividades parlamentares e cargos exercidos no executivo para postar-se como candidato exemplar. Tem-se aceitado todo tipo de candidatos e uma condição porém, deve ser observada pelo eleitor: que não pese contra o candidato nenhuma suspeita de haver recebido propina de empresas em troca de direcionamento em obras e não ter envolvimento com nenhum outro caso vergonhoso, como por exemplo, a compra fraudada de ambulâncias com recurso de emendas parlamentares.

Cabe ao Senado Federal a iniciativa da lei, mas não somente isso. O senador tem poder de decisão sobre questões diretamente associadas à federação e sua participação não é somente na iniciativa da lei. O Senado, como um órgão de representação, deve  exercer em sua plenitude o poder que a Constituição lhe atribui, que é o poder de legislar e reverter o quadro que assinala que a maioria das leis são de autoria do Executivo, apesar do Senado ser uma  instância de poder relevante.

Tanto que é parte importante do conjunto de instituições que definem o programa do Estado para o controle do crime, das infrações e penas. Estamos num momento que pede o efetivo combate ao mau uso dos recursos públicos, punição rigorosa aos crimes cometidos contra a administração pública, além de efetiva política de controle da criminalidade, com a organização de respostas rápidas ao crescente índice de violência. Não temos uma bancada da segurança e o Senado tem sido um poder ausente nessa discussão.

O custo ou malefício de um ato criminoso de qualquer natureza, não pode servir  um incentivo para que crimes sejam cometidos à luz da certeza de que o cumprimento das leis atuais não se efetivarão na captura e condenação justa dos criminosos. Isto sim, afetaria de maneira positiva o padrão de votação das leis sobre as matérias penais e de segurança.

Voto descolado

Está difícil entender o que move o eleitor de um lado para outro em completo descompasso com a coerência, colocando no mesmo cenário políticos de práticas divergentes, adversários, rivais.

Os eleitores estão literalmente ignorando as coligações formalizadas lá em cima, pelos Diretórios Nacionais dos partidos e disparando para todos os lados quando o assunto é apoio aos candidatos. Uma campanha estranha onde adversários históricos dividem espaço no adesivo e banner das campanhas.

Intriga, embora eu entenda que o jogo eleitoral nem sempre seja pautado pela coerência. A maioria das coligações e mesmo apoios velados são concebidos para  atender a questão nacional dos partidos e candidaturas  majoritárias e por isso, paga-se o preço de bater de frente com as críticas e falta de credibilidade por essa flexibilização escandalosa que abriga no mesmo seio   candidaturas de posturas absolutamente adversas e contraditórias.

Considero importante manter a pluralidade da sociedade representada nos partidos políticos, todavia, a fragmentação do sistema partidário é uma realidade e a necessidade de conciliar pensamentos e interesses tão díspares trazem inevitavelmente abalos para a coalizão. É a tensão criada pela disputa por espaço. Percebe-se que a formação de coligação é de caráter temporário e por mais inconsistente que seja é uma potente estratégia para se eleger considerando uso compartilhado de recurso, de tempo do horário político no Rádio e TV.

Sem tentar estabelecer vínculo algum com ideologias, creio que o voto deste ano será definitivamente em nomes e conceitos e enquanto não for levada a cabo a Reforma Partidária suprimindo o absurdo de termos 35 partidos políticos registrados e aptos a lançarem candidatos, muitos dos quais, sabemos que prestam ao papel de serem partidos de aluguel, através dos quais os  partidos grandes atacam os adversários. Ainda, não se pode esperar coerência de um sistema político anormal, onde poucos parlamentares tem, de fato poder de influenciar as discussões no Congresso.

O voto dos indecisos seguirá na mesma medida descolado dos contextos lineares e lógicos, acentuando a porcentagem de alianças inconsistentes, concretizadas, ignorando por completo as idiossincrasias nacionais e estaduais.

Há pesquisas que mostram que a maioria das coligações efetivadas são ideologicamente desconexas, tem aumentado gradativamente e atinge todos os estados e em todos os níveis de candidaturas e nem sempre, ou quase nunca, guardam entre si, interesses comuns.

Tudo e nada

Somente a mudança social pode ajudar a trazer a sociedade, ainda que  gradualmente para mais perto da política e isso provavelmente só acontecerá se essa mudança estiver de acordo com o espírito pré-existente da sociedade, cuja visão de realidade é, de certa forma, fragmentada e preferencialmente leva em consideração aquilo que pode trazer benefício imediato.

Não gosto de perceber na política mistura de ingenuidade e cinismo, isso me remete a característica marcante de um mundo incompreensível e em constante mudança onde as massas chegam ao ponto de acreditar, ao mesmo tempo, em tudo e em nada, pensando que tudo é possível e que nada é de verdade.

O que devemos fazer nesses casos de inconsistência?

Em nível relativo estamos nos esforçando para encontrar coerência porque certamente deve existir fundamentos lógicos que não descaracterizam nossas suposições e dentre estas; a de não conceder à política a fama de portar-se como uma realidade perigosa. Hannah Arendt abriu com uma declaração dramática um de seus ensaios mais famosos, “Verdade e Política: “A verdade e a política estão em desacordo umas com as outras, e ninguém, até onde eu sei, jamais contou a verdade como uma das virtudes políticas”.

Para Arendt, o antagonismo entre verdade e política está sempre latente no discurso público e mesmo meras opiniões podem ser estabelecidas como fatos e os políticos habilidosos podem explorar esses dispositivos de retórica para promover sua opinião e torná-la “verdade” compartilhada por um número cada vez maior de apoiadores.

A manipulação em massa de fatos e opiniões cria imagens e enquadramentos falsos e na era da internet, somos bombardeados com tamanha diversidade de pontos de vista ofensivos e estúpidos que é natural alternar entre o desejo de reagir violentamente e o impulso de se retirar de cena silenciosamente.

É fácil ridicularizar a opinião dos outros e flutuar nessa “vibe” de acreditar e negar tudo que seja conveniente politicamente. Mas isso é esquecer que o pensamento político exige que resistamos ao desejo de combater opiniões com violência e ao desejo de fugir completamente das opiniões. Em vez disso, precisamos aprender a pensar em e com os outros cujas opiniões frequentemente discordamos. Não é necessário nenhuma ética artificial ou enquadramento ideológico. Devemos reproduzir a verdade e encontrar na confusão de opiniões divergentes a alegria que existe na experiência da pluralidade.

Não seja apenas uma conexão virtual

Vivemos procurando formas mais inteligentes ou efetivas de nos comunicar com os outros seres humanos, porém, boa parte do nosso tempo vivemos em estado de negação. Negamos ser preconceituosos, negamos ser rancorosos, negamos o que dissemos e até o que fomos e somos. Na complexidade do mundo moderno, o indivíduo tem ficado impossibilitado de orientar suas decisões de maneira independente e em razão disso, encontra-se condenado a viver o mal-estar de negar suas próprias convicções, ora por necessidade social, ora por questões de alinhamento político ou porque habituou-se a viver em negação de seus próprios valores éticos e morais.

Como estratégia da civilidade social, ficamos em silêncio sobre coisas que sabemos profundamente, mas não sabemos se devemos dizer ou não. Assim, as vivências se tornam ilusórias e remotas. Toda nossa realidade é vivida para a mídia. O deslocamento físico e grande esforço não são mais necessários para se falar com grande público, o que me leva a crer que a excitação da mente acaba contrastando com a imobilidade dos corpos diante do computador para propagar uma verdade ou negá-la.

Contudo, creio que o indivíduo deve ser chamado para dentro das campanhas eleitorais, não apenas como uma conexão virtual, mas como um sujeito clássico, com personalidade para realçar o pensamento moderno, autonomia para expressar-se com relação aos temas complexos, sem medo de assumir  posicionamento contrário as ditaduras impostas pela moda, pelo costume ou pela história.

Nos momentos em que os políticos se mostram como políticos há uma profusão de vozes, tolerância e pluralidade de opiniões para ganhar sua atenção e voto. Corremos o risco de aceitarmos as inverdades dos outros. Desconfie do discurso político que favoreça a visão de um mundo desatrelado da verdade, da lealdade e da coerência. Em situação desesperadora na caça ao voto muitos desistem de preservar a fé e a integridade.

A negação contida nos discursos pode ser tão simples quanto recusar-se a aceitar que alguém está falando com sinceridade ou pode ser tão insondável quanto as múltiplas maneiras de evitarmos reconhecer os pontos fracos. A negação do que se é ou do que se pensa é furtiva, se esconde da verdade e constrói uma verdade nova e conveniente.

De certa forma, a negação das nossas crenças pode ser apenas uma maneira mundana de respondermos ao desafio incrivelmente difícil de viver em um mundo virtual, onde qualquer pessoa pode subir num palanque online e criar ambiente de negação da verdade, de discurso de ódio, ajudado pela tecnologia que tanto espiona quanto aprisiona.