Nem um pio sobre envelhecimento

Há várias ciências baseadas num completo conhecimento do eu e as meticulosas explorações das descobertas da mente ao longo de séculos permitiram que se obtivesse um quadro bem completo tanto da vida quanto da morte.

Os ensinamentos budistas mostram com precisão o que acontece se nos prepararmos para o envelhecimento e o que ocorrerá se não nos prepararmos. Os efeitos da recusa poderá nos aprisionar no ciclo incontrolável da ilusão, do nascimento, juventude e beleza, como um processo de sofrimento contínuo. Para quem se prepara a velhice não chega como uma derrota, mas como o coroamento de um ciclo da vida.

Entretanto, vamos e voltamos, trotamos e dançamos e nenhum pio sobre o envelhecimento. Tudo parece bem conosco. Mas aí quando a velhice chega, pega-nos de surpresa e despreparados. Que fúria, que desespero!

Reescrevo, alterando uma só palavra no que escreveu o filósofo francês Montaigne: “Não há lugar na Terra onde a velhice não nos encontre – mesmo que voltemos a cabeça uma e outra vez olhando em todas as direções, como numa terra estranha e suspeita. Se houvesse algum modo de conseguir abrigo contra os golpes da velhice, mas é loucura pensar que se pode evita-la”.

Para começar a tirar da velhice seu grande trunfo sobre nós, adotemos o caminho contrário ao usual; vamos privar o envelhecimento da sua estranheza, vamos acostumarmo-nos a ele. Vamos esperar pela velhice.

A vida é um vasto mistério. E não é certo que todos envelheceremos um dia. Nosso desejo instintivo é viver e seguir vivendo, livres e jovens. Temos medo da velhice porque não sabemos quem somos, não conhecemos as infindáveis coisas que entrelaçadas sustentam nossa identidade. Se nos tirarem os suportes provisórios ficamos frente a frente conosco, com alguém que não conhecemos. Não é por conta do medo desse encontro que sempre preenchemos qualquer tempo livre com atividades, que trocamos o silêncio por uma música, um filme? Penso nas pessoas que passam anos trabalhando e quando se aposentam descobrem que não sabem o que fazer consigo mesmas.

Por mais que certas habilidades mentais diminuam com a idade os cientistas estão descobrindo que a mente fica mais afiada com uma série de habilidades vitais.  As pessoas também aprendem a lidar com os conflitos sociais de maneira mais eficaz. Acontece que administrar emoções é uma habilidade que em si  levamos  décadas para dominar.

Conforme os anos progridem, o mesmo acontece com os nossos níveis de conhecimento e sabedoria. Cada ano nos leva mais perto desse objetivo, com o tempo eliminando inibições e medos imaturos.

A vida seguirá sempre incerta, esta é sua natureza, mas esperançosamente, à medida que avançamos na idade, esperamos que nossas vidas alcançem um nível de estabilidade razoável.

Na minha idade, já viajei para alguns lugares, conheci o fogo apaixonado em alguns romances, tive muitos contratempos, cometi erros, magoei pessoas, tropecei mas aprendi e acrescentei bens valiosos no meu portfólio: a tolerância, a generosidade, a esperança e a experiência.

Vida, morte e renascimento

Quase todas as grandes tradições espirituais do mundo cristão dizem que a morte não é o fim. Todas pregam sobre algum tipo de vida futura, numa dimensão outra e mesmo a possibilidade de continuarem humanos.

O que vivem num deserto espiritual, destituído de significados, podem crer que essa vida é tudo o que existe e por acreditar que a vida se exaure, as pessoas modernas vivem a saquear as riquezas da natureza e de suas existências para satisfazer suas vaidades imediatas.

Muitas pessoas quando pensam na morte, o fazem de maneira frívola, dizem que se a morte chega para todos, tudo bem, um dia vai chegar aqui também. Mas não é bem assim. Não se deve correr da morte, tampouco desmerece-la ou viver aterrorizado por ela.

Pois a morte não é aniquilação e perda. Aqueles que não creem na vida após a morte são exatamente os que sustentam suas vidas no curto prazo, sem grandes preocupações com as consequências de seus atos. Esses, vão vivendo seus dias felizes até que a morte emite sinais que se aproxima e aí nenhuma lembrança de felicidade ou extremo conforto pode proteger do sofrimento.

Penso no mundo moderno que hoje vivemos, reverenciando a juventude, sexo e poder, nos escondendo da velhice natural que chega, inexoravelmente!

Quase sempre quando alguém muito próximo morre, inventamos a máxima de que temos que deixar os mortos em paz. Isso nada mais é do que uma negação clara e dolorosa de pensar sobre o futuro do morto.

A morte não é deprimente nem excitante. É um fato da vida.

Os que creem tem tempo para preparar uma boa morte. Os que não creem são devastados por remorsos e arrependimentos tardios. Pessoas morrem despreparadas, assim como viveram despreparadas para viver.

A jornada da vida nos oferece oportunidades para mudar, para nos preparar com paz de espírito para a morte e a eternidade. Eternidade exatamente com o teor poético de Vinicius de Moraes. Vida eterna enquanto durar.

Na abordagem budista, que solitariamente estudo há uns cinco anos ou bem mais, a vida e morte são parte de um todo, onde a morte é o começo de um novo capítulo da vida.

No Livro Tibetano dos Mortos e no Livro Tibetano do Viver e Morrer, aos quais tenho de dedicado a ler, entender e interpretar aprendi muito sobre as realidades transitórias, vida em constante mudança, os meus “bardos”. E tal busca, sem razão aparente, tem servido continuamente para que eu reflita serenamente sobre minha vida, morte e renascimento.

Como disse o poeta e santo tibetano, Milarepa: “Minha religião é viver – e morrer – sem arrependimentos”.

Seja como quer aparecer

Tenho consciência de mim. Não de como apareço para mim mesma ou para os outros, mas do que realmente sou. Não deve haver nenhuma linha separando o que você é e o que você quer aparentar. As paixões e emoções da alma não devem ficar guardadas na monótona mesmice do mundo das aparências. É saudável deixar transparecer o que vai no mundo interior, onde defeitos e virtudes buscam sobressair.

A maioria das pessoas depende exclusivamente do mundo externo para o seu bem-estar emocional, ou melhor, sua felicidade (ou falta dela); depende inteiramente do mundo físico e de suas constantes mudanças, que inclui todas as suas manifestações culturais e sociais nas quais nos tornamos coletivamente tão investidos.

Em outras palavras, o senso de felicidade de muitas pessoas depende do impossível – manter a permanência daquilo que é inerentemente impermanente.

Acreditam que o que mais importa é o que está fora de nós e, por causa disso, o senso de quem são – o senso interno de si – permanece separado do resto da realidade. É o que podemos chamar de aparência não autêntica.

Não há beleza no que é falso. Não há beleza no caminho tortuoso que leva a criação da realidade paralela. Embora, as mídias sociais tenham sido utilizadas para forjar perfis falsos, para expor fatos existentes apenas no mundo imaginário e criativo de quem inventa para si, uma história que nunca viveu, seria mais fácil utilizá-las para dar visibilidade ao mundo interior, para louvar os benefícios de uma vida justa e verdadeira.

Muitas narrativas são inventadas para criar encanto, muitas personalidades são deturpadas para causar emoção. Mas o interior vazio, a superficialidade das atitudes são colocadas à prova sempre que se lê com cuidado certos artigos e posts.

Procure conhecer a verdade, leia nas entrelinhas, analise os olhares perdidos num mundo de vaidades e falsidades e busca deliberada por elogios e afagos. No silêncio que povoa o mundo interior é que reside a verdade, alí perceptível, à mostra às possibilidades de se recriar a realidade, baseada na mais pura idoneidade.

Seja o que você é. Permita que sua essência se destaque, que vagarosamente suas verdades cubram as superficialidades e que suas palavras e atitudes sejam o retrato perfeito do que lhe vai na alma.

Não afasta-te do teu íntimo para agradar os outros. Faça escolhas inspiradas para agradar a si mesmo. O fracasso e o sucesso dependem da sustentação da sua imagem apresentada quando se está sozinho. A aparência falsa, que de certa forma, exige telespectadores, uma hora dissolve-se, inevitavelmente!

Esta ignorância da falta de verdade mantém você preso a um ciclo de sofrimento, que gira continuamente em torno do prazer porém, o certo é despertar do sonho para permanecer na verdadeira beleza e felicidade de tudo que é real.

Hannah Arendt diz que em todos os termos, onde quer que haja uma pluralidade de seres vivos, há diferença, e essa diferença não é percebida do lado de fora, mas é inerente a cada ente