Um complexo poder

Há diferença assustadora de intensidade entre ver, ouvir, falar e observar e calar.
Passei um ano inteiro exercitando o silêncio, aprendendo a conter a inesperada
vontade de me expor, de expor meus pontos de vistas, de elogiar ou criticar a classe
política, de demonstrar afinidade ou oposição. Não foram poucas as contrariedades, a
oposição silenciosa à muitos projetos do governo federal, não foram poucas as
oportunidades de romper e voltar a expressar-me livremente, mas fiquei tentada a
experimentar a situação nova, a exercitar novas possibilidades interiores. Então, deixei
o tempo passar consciente de que valorizaria e jamais apagaria as experiências
valorosas vivenciadas, mas as usaria a favor do amadurecimento e crescimento
profissional.
Um ano dedicada a um projeto que teve dificuldades desde seu início, um projeto que
mereceu acompanhamento e preocupação o tempo todo. Mas é importante trabalhar
com determinação, lealdade e metas em todas as circunstâncias.
O ambiente político é rico em jogos, subterfúgios, poder e perdas e em Brasília, talvez,
esse panorama seja mais visível e fácil de ser contemplado do que em qualquer outro
lugar. Ali, nos corredores do Senado, poucos sorrisos, passos apressados refletem
tanto a indiferença dos senadores que não gostam de ser parados quanto a vaidade
dos que puxam atrás de si um cordão de assessores, tão vaidosos quanto o
parlamentar.
Mas ali é o lugar onde os ritos que sustentam a república são diariamente exercitados,
seguindo normas regimentais dúbias e antigas, burladas frequentemente para
favorecer grupos influentes na casa. Ali, as disputas diárias são várias, nas comissões,
nas CPIs, no plenário. Todos querem aparecer bem na foto que será a manchete do
dia. Uma equipe grande se desdobra no atendimento político, na assessoria de
imprensa, assessoria parlamentar e tantos outros setores. Ali, o jogo tem quer jogado
em time, não há muito espaço para arrancadas individuais.
O Senado, que eu achei sisudo e burocrático é ao mesmo tempo uma grande tela,
onde se vê ao vivo a história sendo contada. Um complexo poder da república, dotado
de mil possibilidades e flexibilidades para que tudo, absolutamente tudo, seja possível
fazer e/ou desfazer, dentro da imutável lentidão entre discussões, votações e sanções.
Na composição da Casa, a paridade na representação dos estados é um ponto
destacado. Tem-se realmente a impressão que a geografia não importa tanto. O
presidente veio de um estado pequeno, o Amapá e tem voz sobre os senadores de
estados grandes e importantes.

Ali, as crises são vivenciadas no âmago de suas explosões e depois os senadores
fazem cara de paisagem como se nada tivesse ocorrido; as emendas parlamentares
são pagas como moeda de troca em votações de assuntos de interesse do governo,
como sempre foi e exatamente como acontece nos estados. Mas ali tudo acontece
com certa suntuosidade.
O Senado tem público de visitação pequeno, são grandes empresários, embaixadores,
ministros, técnicos, executivos e políticos tradicionais que postulam indicação para
grandes cargos nos órgãos federais. Não se compara ao calor da Câmara dos
Deputados onde os corredores são ocupados por manifestantes, ministros, prefeitos e
vereadores de todo o Brasil.
A excepcionalidade está na moldura de grandeza que se dá ao cargo, tanto que,
vislumbrando uma eleição extemporânea para o cargo, por conta da cassação do
mandato da Senadora Selma Arruda, quase 20 nomes são citados como possíveis
candidatos.
Diria que o eleitor deve atentar-se a não comparar currículos de pretensos candidatos
como se estivesse contratando um funcionário. A grandeza da casa exige bem mais
do que isso!

Enxergamos aquilo que reforça nossas convicções

Cidadãos querem ser candidatos para reforçarem suas convicções políticas, o
pregador aborda o fiel baseado em suas convicções religiosas, a família educa de
acordo com suas convicções morais. A vida porém, é mais saudável num espaço de
múltiplas visões e conflitos.
Temos testemunhado a ascensão do radicalismo por todos os lados e a raiva e
polarização são as forças vitais de qualquer movimento radical. Estou sentindo as
possibilidades de diálogo cada vez mais reduzidas, a capacidade de entendimento cada
vez menos praticada, já nem mesmo tentada. Nos diálogos já não se tenta convencer,
apenas marcar divergência.
O tom em que esses ideais são proferidos me irrita infinitamente. Onde quer que
estejamos estamos construindo muros de ideais, ideologias, intolerância e não
estamos bem intencionados quando propomos diálogo. Diálogo, em tese seria
submeter minhas próprias ideias à sua experiência, sem leva-la em consideração.
Sempre queremos ser vistos como certos, sempre certos. Mas como viver a certeza
diante do pluralismo, que mais remete a tolerância e ao encorajamento de lançar-se à
perspectivas conflitantes? Será necessário aflorar muito mais do que um ajuste
ideológico para cultivarmos a coragem necessária para não erguermos cercas entre o
que pensamos e o que pensa o outro. Precisamos educar nossos corações para o
convício e tolerância.
A sociedade está marcada pela ansiedade, reina uma inabilidade de experimentar
profundamente o que nos chega, o que importa é poder descrever aos demais o que
se está fazendo, reforçar as convicções exibicionistas. Entre nossas exibições e dos
outros, há um contexto a ser explorado, diferenças econômicas e sociais gritantes,
cenários e expressões que são reflexos das realidades individuais.
É fundamental notar que nem toda realidade compartilhada é objetiva. A subjetividade
eleva os níveis da realidade que revelamos. As convicções são geradas e reforçadas
nem sempre com base em valores do conhecimento, mas permeadas pela vaidade e
pelo desmerecimento do que é o outro. Uma das razões, pelas quais se atribui
relevância e valores a objetos, como casas, roupas e carros. Estes, passam a ter
importância porque reforçam e refletem parte do que somos; a superficialidade.
Objetos reforçam convicções. Objetos dão significados a realidade. E assim, o que
temos e a forma como percebemos as coisas em nossas mentes, se tornam nossas
verdades. Sem dar ouvidos, sem perceber o outro, sem adentrar no mundo do outro,
sem sorver conhecimento numa fonte diferente. Não ser capaz de conviver com
realidade, ideais e ideologias diferentes é o que tem nos tornado arredios, arrogantes
ou ignorantes.
Baseada em suas convicções esdrúxulas, ignorando a relevância da cultura e da
leitura, a Secretária de Educação do Estado de Rondônia listou nada menos que 43
obras clássicas da literatura brasileira e as baniu das escolas públicas, por considerar,
segundo o estreitamento de sua visão sobre a educação, que os livros contém
conteúdos inadequados. Entre os autores estão Mário de Andrade, Rubem Fonseca e
Machado de Assis. Partiu ela da premissa egoísta; se eu não gosto, ninguém aqui vai
ler.

Classifico como absurda essa ideia de que só existe uma verdade, e esta é a minha.
Sobre isso o filósofo francês, Foucault disse que as verdades nunca são livres, são
sempre manipuladas e vão gerar formas de comportamentos diversos e
constrangimentos.
Todos os assuntos estão polarizados. Ou somos contra ou a favor, ou somos aliados
ou adversários ferrenhos. Assim é quando discutimos as questões climáticas, religião,
futebol, corrupção, os rumos da economia, indicações ao Oscar e a política segue esta
vertente perigosa.
Por mais que sejamos ideológicos, os opostos não precisam se odiar, tampouco
menosprezar quem tenta fazer a paz reinar entre eles. Considero conviver um
exercício de observação e aprendizado fabuloso. A troca, sem intervenção, me
completa. Valores e princípios diferentes agregam sabor a existência. Acho que nasci
com a intuição para buscar a sabedoria que está no meio.