Quando retornarmos ao estágio normal de vida

Segundo observação da ONU esta é uma crise de saúde global, diferente de tudo o que se viu em 75 anos de história das Nações Unidas.

Desde o estabelecimento da pandemia do Coronavírus, há um sentimento quase geral de que o mundo está vivendo um momento crucial e nada será como antes. As ponderações realísticas voltam ao estado forte, a ascensão do nacionalismo, o decréscimo na crença da governança global, o que significa, uma leve retração no processo de globalização. Durante o período da pandemia, os governadores e prefeitos se responsabilizaram em liderar a luta contra o vírus e assim, expandiram suas autoridades na esfera mais sensível da vida dos cidadãos.

Ainda bem, né? Porque o governo federal optou por não encarar os fatos, por tapar os olhos aos mil mortos por dia no Brasil. Numa reunião de quase três horas de duração entre o Presidente da República e seus ministros, as palavras “Coronavírus e Covid-19” apenas foram mencionadas fora do contexto do momento caótico que estamos vivendo para sinalizar que é a hora propícia de distração da mídia para avançar, às escuras, na flexibilização das leis ambientais.

Estamos sós, trançados no medo de que o amanhã não chegue e ainda assim,  temos ouvido vozes positivas dizendo que quando a crise da Covid-19 passar, ou pelo menos quando nos permitir retornar ao estágio normal da vida, teremos grandes mudanças, cooperação global e melhor preparação para a próxima pandemia. Acreditam que as pessoas experimentarão mudanças pessoais também, serão talvez mais tolerantes, mais amorosas e desprendidas em relação ao valor dado às coisas materiais. Não custa crer que ressurgiremos mais fortes num mundo de valores novos porque não existe lado bom nessa crise. Mesmo se morresse uma pessoa por dia de Covid-19 já seria inaceitável.

Esta crise está testando nossa paciência e sensibilidade diante de circunstância dramaticamente excepcional.

Não faz bem sermos obsessivos em acompanhar as notícias, sobretudo porque o vírus foi politizado. Esta crise está se desdobrando lentamente e não temos que ficar presos a ela, minuto-a-minuto, tampouco mover-nos em preocupação com o retorno às aulas, a realização ou não do ENEN, das eleições municipais e outras pautas que podem esperar. Não há quem saiba como as coisas acontecerão na próxima semana.

Para a maioria este é um tempo depressivo, incerto, com elevado grau de ansiedade. Alguns estão isolados, outros sentem a pressão de estarem mantendo convivência de risco no trabalho o dia todo e há os que perderam o trabalho e a esperança.

Cada pequena mudança em nosso estilo de vida pode ser surpreendentemente difícil, isso serve para todo mundo. Para usar uma metáfora, você pode não ser capaz de determinar quais são os obstáculos internos que você enfrentará mas você pode se tornar mais forte mentalmente para enfrenta-los.

Entre o bem e o mal, para a maioria de nós, é um pouco dos dois lados, dependendo do dia. Por ora, basta afugentar o medo e o pânico que tornaram virais desde o início da crise meses atrás. Preocupações habituais são pensamentos familiares e o que importa é que apesar das preocupações com a vida pós pandemia, você esteja seguro e bem cuidado.

Não há nada certo além da incerteza

Aos poucos vamos recobrando a esperança de retornar aos dias alegres, sem a ameaça avassaladora da Covid-19. O medo, no caso, foi salutar, porque nos fez ter consciência dos perigos e nos obrigou a um refletido recolhimento e parada. Desde os primórdios, a humanidade não teria progredido sem o medo que a alertou dos perigos sucessivos que se apresentavam nos caminhos. Se fizermos um recorte da história, observaremos que as comunidades humanas sempre viveram sob fortes ameaças, de epidemias, tempestades, tremores de terra e guerras.

De todos esses males, os mais mortíferos eram as epidemias. De 1347 a 1350, a Peste Negra dizimou um terço da população europeia. Sem dúvida, as epidemias continuam nos assombrando; a Gripe Espanhola, Ebola, AIDS, que já matou milhares de pessoas no Planeta, desde 1980 mas a guerra se tornou o perigo número um para a humanidade.

Hoje, o medo nos leva a criar muros, grades e distanciamentos, o medo de sair às ruas e estar exposto à pandemia.

O sociólogo, psicólogo e cientista político alemão, Ulrich Beck diz que vivemos num paradoxo, onde as instituições feitas para controlar o medo produzem exatamente o seu descontrole. São tantos os perigos, que o sociólogo se refere ao conceito, relativamente novo, de uma sociedade de risco, reforçada por nossas incertezas.

A análise de Beck sobre os riscos sociais diz que os riscos são objetos de distribuição, entretanto, acaba expondo falta de democratização dos riscos, pois embora, no caso do Coronavírus todos estejam sujeitos a contrair o vírus, as diferenças em recursos econômicos permitem aos que estão em vantagem financeira minimizarem os riscos de morte. (podem guardar a quarentena em casas confortáveis, não utilizam transporte público e não precisam aguardar vaga em UTI quando são diagnosticados positivos).

A civilização é vulnerável, dependemos de sistemas complexos para manter a vida e não somos poupados. Como disse Zygmunt Bauman, em sua síndrome de Titanic, temos medo de um colapso ou catástrofe que possa cair sobre todos nós, atingindo indistintamente. Temos medo do iceberg, espreitando em emboscada.

Não sei dimensionar o risco que corremos. Mas, claro, não é quantidade de risco que importa, mas a súbita impossibilidade de um controle total do mal que nos ameaça num mundo interconectado, mas com certa tendência ao descontrole. Vidas adormecidas e essa reviravolta destruiu ou empurrou para diante quase todas as prioridades.

Apesar de tudo, a mente de muitos rejeitou a tragédia. E talvez o mais incrível obstáculo para a prevenção da contaminação tenha sido a descrença dessa parcela da população. A maioria porém, constatou atônita que o apocalipse não aconteceu apenas na densa floresta tropical do Vietnam, como no épico filme Apocalipse now, de Francis Ford Coppola, estrelado por Marlon Brando. Desta vez, aconteceu em toda parte do planeta.

Escrevi “aconteceu”, numa referência espontânea ao passado. Tomara que esteja realmente passando. Há lugar para esperança!