Eu concebo que existem dois tipos de desigualdade entre a espécie humana; um, que chamo de natural ou físico, porque é estabelecido pela natureza, e consiste em diferença de idade, saúde, força, as qualidades da mente ou da alma e outro, que pode ser chamado de moral ou política da desigualdade, porque depende de uma espécie de convenção, e é instituída, ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Jean-Jacques Rousseau, no ensaio intitulado “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, publicado em 1755.
Para Rousseau é impossível ser, verdadeiramente livre, onde impera a desigualdade. A questão primordial é quanto à desigualdade moral ou a política da desigualdade, que, em seu pensamento, deve ser afastada, combatida, porque corrompe as pessoas, porque dela nasce a diferença de poder, de riqueza e isso é inaceitável.
Quando se fala em desigualdade em uma sociedade capitalista, os primeiros aspectos que vêm à mente são as desigualdades econômicas, que evocam as noções de pobreza e riqueza. No entanto, há também oportunidades de trabalho desiguais, acesso desigual à educação e cultura, vários tipos de hierarquia, preconceito e, principalmente, o tratamento desigual para grupos diferenciados.
O aumento da desigualdade raramente é percebido como sinal de alguma coisa, além de problema financeiro. O sociólogo Zygmunt Bauman cunhou o termo “dano colateral” para falar da forma como os governantes tentam se eximir da responsabilidade quando são acusados de promover das desigualdades. Geralmente asseguram que as açõesde governo contém riscos neutros e não intencionais.Em “Danos Colaterais”,Baumanteoriza sobre a afinidade seletiva entre o crescimento da desigualdade social e a expansão do volume de danos colaterais e considera a tendência de as autoridades lavarem as mãos diante da desigualdade, considerando-a um mal necessário.
A desigualdade social brasileira é sentida nos níveis estruturais e individuais, numa análise pormenorizada feita pelo IPEA, publicada no final do ano passado, ondeexpõe as cicatrizes de um país que se constituiu sob o signo da exploração por uma burguesia estrangeira e tempos depois, a dominação configurou-se na figura dos patrões, donos de engenhos e dos empregados da casa grande. A relação de exploração consentida, como na teoria de Rousseau, foi-se constituindo um meio para se sobreviver. As desigualdades foram sendo escancaradas e comparadas também pelo resultado da pesquisa Desigualdade no Brasil, da Oxfam Brasil e relatório Riqueza Global publicado peloCreditSuisse, mais recentemente. As diferenças sociais e econômicas foram reveladas:1% dos mais ricos no Brasil detém 49,6% da riqueza total do país. Isso significa que o Brasil tem a segunda maior taxa de concentração de riqueza entre 180 países pesquisados.
Esse é um dos sintomas da desigualdade: a fatia de rendaexageradamente generosa acumulada pela elite, com contribuição das “ações neutras ou não intencionais” do estado, como descreveu Bauman. Basta lembrar que o mercado, que favorece o enriquecimento ainda maior de1% que vivem na bolha dos mais ricos no Brasil, é regulado pelo estado.
Há uma grande camada da população que precisa ser assistida pelo estado e a construção de uma sociedade mais igualitária passa por uma rede de proteção estendida pelo estado para proteger os mais vulneráveis, mas a maioria não quer favor dosgovernos, mas ter sua própria capacidade de trabalho aproveitada e viver dela.
Em que pese a extensão do fosso que separa os brasileiros, a igualdade vive no imaginário humano no mundo político, social, econômico, religioso e literário. A natureza humana comum a todos, independentemente das desigualdades sociais que suportamos ou das diferenças pelas quais temos que lutar, faz com que o ser humano pense na igualdade social como um dos seus principais valores.