Queres postar? Postas!

Sempre soube que podemos cancelar assinaturas da Netflix, Amazon Prime, TV por assinatura, linha telefônica e até mesmo um “date” (encontro amoroso) porém a moda é cancelar pessoas.

O debate em torno da cultura de cancelamento é, em parte, sobre a forma intolerante como tratamos uns aos outros e, em parte, sobre a frustração com a falta de consequências reais para pessoas que usam, sobretudo as mídias sociais para se expressar e atear fogo em assuntos polêmicos, muitas vezes com argumentos insuportavelmente rasos.

Toda essa retórica dramática de ambos os lados do debate mostra como a cultura de cancelamento incendiária se tornou “modinha”. À medida que as divisões ideológicas parecem cada vez mais intransponíveis, a linha entre o pessoal e o político está desaparecendo para muitas pessoas. Aí a cultura do cancelamento surge como uma marca perturbadora da nossa incapacidade de ouvir, concordar, discordar, argumentar e seguir em frente sem ódio.

Figuras públicas passaram pelo constrangimento do cancelamento e embora possam ter enfrentado longa exposição e críticas negativas consideráveis sendo chamados à responsabilidade por suas declarações e ações, muito poucas delas experimentaram prejuízos maiores.

Para as pessoas que estão cancelando, no curto prazo isso as faz se sentir bem. Isso lhes dá uma ilusão de poder, de controle mas depois percebem que na verdade não fizeram nada de excepcional além de impedir uma discussão que poderia avançar em polêmica, coisa absolutamente natural nos ambíguos espaços públicos.

Nenhuma abordagem sobre tema algum ocorre de forma uniformemente perfeita e antes de responsabilizarmos ou excluirmos o outro, devemos refletir sobre a coerência de nossas próprias ações e falas. Afinal, a cultura do cancelamento é uma ferramenta importante de intimidação implacável da maioria contra alguns? Ou a ideia de ser cancelado funciona para impedir um comportamento potencialmente ruim e desagregador? Creio que cancelamos alguém para nos afirmar diferentes.

Então, dentro destas perspectivas, cancelar uma figura pública pode servir como um corretivo, porém, aplicado diante de um julgamento, quase sempre feito às pressas, que não oferece um exame completo das evidências do “crime”.

Na maioria dos casos, creio que o elemento vital de reparação do mal feito ou mal falado é o debate, dentro de uma abordagem reconciliatória banhada pela crença de que as pessoas podem mudar. Precisamos preservar a possibilidade de desacordo com boa fé, enfrentar as enormes divisões que temos diante de nós, que exige o compartilhamento de ideias, a descoberta de um terreno comum e o uso do que é certo no mundo para remediar o que há de errado.

É melhor que conduzamos nosso trabalho e nossa vida social com um espírito de partilha, generosidade, exploração, curiosidade, experimentação e até mesmo disposição para falhar em nossos esforços sinceros para compreendermos uns aos outros.

Na página da atriz Ilana Kaplan no Instagram, ela representa uma especialista em etiqueta virtual. Responde as perguntas, quase sempre sobre postar falas e fotos inconvenientes nas mídias sociais, ela ouve as histórias e responde com muito sarcasmo:

-Tu queres postar? Postas.

– É de bom tom?

– Não, não é de bom tom!

É por aí que me posiciono. Posso achar algumas falas alheias inconvenientes, superficiais e de péssimo tom, mas a decisão e a responsabilidade de postar não são minhas.

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