O que revelou a fila dos ossos

A fila dos ossos, que falsamente escandalizou a sociedade e a mídia de Cuiabá e de todas as partes do Brasil, tem causa social, e não é natural, mas não evidenciou nenhuma situação nova, apenas escancarou uma realidade sabida e tratada com indiferença por quase todos. (Para os amigos que me leem e não moram em Cuiabá: semana passada vazou um vídeo, que viralizou, onde havia muitas pessoas numa fila, nos fundos de um açougue, esperando para ganhar ossos, para colocar na sopa).

Confirmou que o Brasil, o gigante Latino-Americano, é o 9º país mais desigual do planeta. O Ministério da Cidadania admite que 39,9 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza no Brasil, dos quais mais de 14 milhões de família cadastradas, com renda de até R$ 89. 140 mil famílias em estado de extrema pobreza em Mato Grosso, 18 mil famílias na mesma situação em Cuiabá.

Um em cada quatro brasileiros é pobre, de acordo com a pesquisa Sínteses dos Indicadores Sociais, do IBGE e entram na conta somente os moradores de residências permanentes, ou seja, estão excluídas da pesquisa as pessoas em situação de rua, o que aumenta ainda mais o rastro da fome espalhado pelo país.

No mundo, ano de 2020, mais de 588 milhões de pessoas viviam em pobreza extrema, o que significa que aproximadamente 7,7% da população global vive nessa situação inadmissível. A maioria dessas pessoas estão envoltas numa forma de ciclo de pobreza que, sem severa intervenção externa, sobretudo dos governos, é improvável que seja quebrado.

E o Brasil está a décadas de distância de atingir um nível razoável de igualdade social. Veja você, que um trabalhador que ganha salário-mínimo levaria 19 anos para acumular a mesma quantia que um dos brasileiros mais ricos ganharia em apenas um mês. É disso que estamos falando, da disparidade cruel e secular entre as classes sociais.

E sobre classes sociais existentes, o cientista, advogado e geógrafo Milton Santos tem uma frase profunda para identificá-las. “Existem apenas duas classes sociais, a dos que não comem e a dos que não dormem com medo da revolução dos que não comem”.

A pobreza é mais do que falta de recursos. Ela se caracteriza pelo descaso dos governantes, pela corrupção que embolsa recursos que poderiam ser aplicados em políticas públicas, em ampliação dos valores pagos pelos programas de transferências de renda. Tem sido, mas não precisa ser sempre assim: desemprego, pobreza extrema e desigualdade crescente são males estruturais que assolam a complexa sociedade brasileira. São famílias vivendo à margem da sociedade, vendo o crescimento e a prosperidade passarem por eles, mas em suas vidas há apenas escassez. Não tem comida suficiente, não tem água limpa ou saneamento, não tem acesso à educação e saúde.

Entretanto, o fardo que a pobreza representa para a sociedade e os indivíduos não é apenas econômico ou físico. Medir a pobreza desta forma ignora os outros tipos de pobreza que oprimem os marginalizados. As pessoas pobres sentem agudamente sua impotência e insegurança, a vulnerabilidade e falta de dignidade. A pobreza extrema faz com que os pobres sofram emocional e espiritualmente também.

Os pobres, mais do que qualquer outro grupo, dependem de serviços públicos básicos. Melhorar o acesso à educação de qualidade e a saúde são vias imprescindíveis para se sair da pobreza, cuja extensão, pode ser percebida de outras formas além da fila dos ossos.

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