Sinceridade tóxica

Pesquisa, realizada pelo projeto Dove pela autoestima, revela que 84% das meninas brasileiras de 13 anos aplicam filtros ou usam aplicativos para alterar suas fotos. O estudo revela que meninas que distorcem suas fotos são mais propensas a terem baixa autoestima e as meninas revelaram que a baixa autoestima é potencializada pelos comentários tidos como “ataques de sincericídio” feitos por amigos e familiares.

Sobre sinceridade, intimidade e confiança mútua ninguém pode dizer que não fomos avisados. Há citações profundas de Niccolo Machiavelli, George Bernard Shaw, Zygmunt Bauman, Charles Taylor e incontáveis filósofos e autores​​ que alertaram contra seus riscos, mas W. Somerset Maugham pode ter feito isso de forma mais provocadora. “Ainda não tinha aprendido o quanto a natureza humana é contraditória; não sabia quanta hipocrisia existe nas pessoas sinceras”.

Para o filósofo francês Vladimir Jankélévitch há uma diferença entre ser sincero e falar a verdade. Ser sincero é dizer a sua verdade, ou seja, o que você subjetivamente acredita ser verdade.

Há boas razões para cautela. Pessoas tentam tranformar suas opinões em leis e a franqueza extrema, vulgarmente chamada de sincericídio, é a forma de dizer a (sua) verdade de forma impositiva, em todos os momentos e em todos os lugares. Porém, nem todas as atitudes cabem em todos os lugares, nem sempre comentários são necessários e nossas opiniões, quando não nos abrimos para estudos e leituras, refletem apenas o mundo limitado, padronizado e talvez privilegiado que vivemos.

Claro que a sinceridade é uma característica apreciada e essencial para a concepção de uma vida virtuosa. No entanto, temos que estar cientes desta tensão causada pela sinceridade tóxica, que agride e encerra com uma pessoa hedionda e individualista tetando impor suas vontades, caprichos e modo de vida à outra.

Os limites do bom senso podem ser desafiadores em qualquer relacionamento e na mioria das vêzes o que as pessoas esperam dos seus amores e amigos é compreensão e respeito e não estabelecimento de padrões e julgamentos.

A contribuição com ideias, pensamentos, ideologias precisam ser solicitadas, embora temos percebido que as mídias sociais encorajaram o auto pronunciamento, o auto engajamento e ampliou a potência de microfones que sequer deveriam ter sido ligados. Amigos virtuais fazem muito isso. Se auto denominam generalistas e não deixam post sem seus “indispensáveis” comentários. Insisto que é essencial cultivar um filtro para não machucar as pessoas. Há uma bela música do Talking Heads que diz: “when I have nothing to say my lips are sealed”. (quando não tenho o que dizer meus lábios estão selados).

O filósofo canadense Charles Taylor, escreveu a Ética da autenticidade, uma virtude muitas vêzes, confundida com sinceridade. O livro estruturado em 128 páginas e 10 capítulos invoca que nossa compreensão sobre a autenticidade precisa ser modificada e o compromisso com essa virtude, não implica um compromisso com o egoísmo, com a imposição de vontades, com julgamentos baseados em caprichos e padrões sociais.

A autênticidade envolve escolhas e objetivos que contribuem para a nossa qualidade de vida, mas podemos, aliado a isso, ajudar outras pessoas a florescer, num conjunto bem ordenado de preferências para o bem. A vida de cada pessoa deve ter sua própria caligrafia, a sua impressão digital, seus passos e não dos outros. Ser autentica é estar confortável e segura em ser quem é.

Deixe-me ir

Desde a Antiguidade até os dias atuais, muitos homens e mulheres escolhem dar fim às suas vidas. Apesar do ato de suicidar-se estar presente em toda a trajetória histórica da humanidade, na Idade Média, no domínio do Cristianismo, o suicídio foi proibido. Pessoas que cometiam suicídio eram enterradas sem ritos religiosos, muitas vezes fora de cemitérios. A morte voluntária passou a ser discutida como um ato condenável, tanto que na Europa do século XVII, se a tentativa de suicídio falhasse, o sobrevivente poderia ser encarcerado.

É fato que cada época possui suas características peculiares. Todas as sociedades produzem seus estranhos, seres sensíveis, doentes, desajustados, desesperançosos e fechados em si mesmos.  Se os estranhos são pessoas que não se encaixam nos mapas cognitivos, moral ou estético da sociedade, eles tornam tênues as linhas de fronteira dão origem ao mal-estar de sentir-se perdido.

Sobre sentir-se perdido, Cartola explica: “Deixe-me ir, preciso andar, / vou por aí a procurar / rir pra não chorar. / Se alguém for lhe perguntar, / diga que eu só vou voltar / depois que eu me encontrar”. (Cartola, 1976)

O suicídio é a negação da própria vida de forma voluntária. As causas do suicídio podem ser completamente diferentes, porém, uma pessoa toma a decisão de cometer suicídio com base nas dificuldades do ponto de vista psicológico e sociológico. Só tenho ligitimidade para adentrar o campo sociológico, onde há publicações interessantes que indicam que apenas o homem é capaz de refletir sobre sua própria existência e tomar a decisão de prolongar ou pôr-lhe um fim.

12.895 pessoas se suicidam no Brasil, ano passado, no entanto, é  possível afirmar que o número de suicídios no país pode ser maior, pois muitas pessoas omitem ou inventam outra causa para a morte do ente querido por conta do estigma social que o suicídio possui no seio da nossa sociedade.

Cada suicídio individual, em sua forma e análise, encerra uma história em si mesma, com as circunstâncias específicas que levaram àquele ato fatal. Portanto, não creio que exista uma fórmula para explicar por que as pessoas se matam. Até porque muitos fatores diferentes devem ser considerados e esses fatores são tratados transversalmente por diferentes ciências para tentar entender o estado mental de indivíduos suicidas durante as crises sociais e todos os outros fatores que direta ou indiretamente podem levar ao suicídio.

O sociólogo francês Émile Durkheim publicou, em 1897, a obra Le suicide, na qual relaciona o suicídio a causas sociais e reforça que é uma das ações mais individuais e solitárias que só o homem é capaz de fazer. Durkheim pesquisou suicídios vários anos, em vários países e concluiu que a ocorrência do suicídio nada teve a ver com localização geográfica, filiação política e religiosa, predisposição genética. Segundo Durkheim,  alterações nos níveis de suicídio só podem ser explicadas pelas relações sociais ou por atos de solidariedade. Em sua essência, o suicídio é um fenômeno social, porque ocorre em consequência da relação perturbada entre o indivíduo e a sociedade.

Marx também escreveu sobre o suicídio e ao final de uma reflexão sobre o tema, Marx chega a seguinte conclusão: Que tipo de sociedade é esta, em que se encontra a mais profunda solidão no seio de tantos milhões; em que se pode ser tomado por um desejo implacável de matar a si mesmo, sem que ninguém possa prevê-lo? Tal sociedade não é uma sociedade; ela é, como diz Rousseau, uma selva, habitada por feras selvagens.

A contemporaneidade traz-nos a desesperança de Zygmunt Bauman, que  apresenta-nos as inquietações da modernidade líquida, um universo marcado por relacionamentos de laços frágeis, amores que escapam e  escorrem entre os dedos, onde se desvelam os dramas individuais e coletivos de indivíduos fragilizados pela liquidez dos sentimentos, dos momentos, dos ressentimentos, dos rompimentos, da aceitação. Peso excessivo para muitos!

Cautela no novo código eleitoral

Em regime de urgência a Câmara dos Deputados começou votar o texto do projeto do novo Código Eleitoral, como forma de consolidar toda a legislação eleitoral e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, abrangendo vários temas, como mudanças na regra de inelegibilidade, na fidelidade partidária, prestação de contas, pesquisas eleitorais, gastos de campanha, acesso a recursos do fundo partidário para partidos políticos, diminuição da sub-repesentatação das mulheres, por exemplo, entre outros.

O Código eleitoral vigente está absolutamente alicerçado em premissas autoritárias. Está vigente desde 1965 e vem recebendo remendos pontuais, desde então. O projeto é complexo e permeado por poucos pontos polêmicos, alguns acrescentados como destaques, que já foram retirados ou votados semana passada. A elaboração do novo código contou com a contribuição de mais de 100 pessoas, entre eles, pesquisadores, professores, advogados, membros do Ministério Público, magistrados, representantes da sociedade civil organizada, visando atualizar as disposições e imperfeições do sistema político eleitoral brasileiro e suas idiossincrasias, como o fato de suportar a existência de 34 partidos políticos devidamente registrados no TSE.

O regime de urgência foi contestado por vários parlamentares principalmente porque tal recurso permite a votação do projeto sem passar por votação em nenhuma comissão da Câmara Federal, o que realmente não cumpre o rito básico do processo legislativo normal. Contudo deve enfrentar dificuldade de ser votada também em regime de urgência no Senado, uma casa mais pautada pelo seguimento do rito e das normas burocráticas, onde nenhuma grande mudança ocorre sem debates. Para valer já para as próximas eleições todo o rito, de finalização da votação na Câmara, no Senado e sansão presidencial deverá ocorrer até um ano antes das próximas eleições, ou seja, início de outubro.

A votação na Câmara começou com um recuo; a retirada do projeto de um dos principais temas polêmicos: a quarentena de cinco anos de desligamento do cargo que seria exigida de juízes, membros do Ministério Público, guardas municipais, militares e policiais para poderem concorrer às eleições, o que inviabilizaria muitas candidaturas, entre elas, de Sérgio Moro e do Delegado Flávio Strigueta, para citar um nome nacional e um local.

Foi aprovado o destaque que trata da distribuição das “sobras” eleitorais, que são as vagas não preenchidas pelo sistema proporcional, (total de votos válidos obtidos pelo partido com todos os candidatos da legenda). Pela nova regra, essa vaga só poderá ser acessada por partido que obtiver 80% do quociente eleitoral e candidatos com no mínimo 20% do quociente eleitoral. Atualmente, todos os partidos que tenham participado das eleições, independentemente do número de votos, podem participar da distribuição das sobras. Lembrando que o projeto segue para votação no Senado.

O projeto altera também as regras de fidelidade partidária, estendendo para o executivo, governadores, prefeitos e presidente a obrigação de permanecerem na legenda após a eleição. Atualmente, apenas parlamentares são obrigados a cumprir fidelidade partidária com o partido pelo qual se elegeram. Um dos destaques já aprovados pelos parlamentares foi sobre a janela de mudança de partido, que tem permitido a dança de partidos sem penalidades, no mês de março de cada ano eleitoral. Pelo destaque aprovado a janela ocorrerá apenas 30 dias anteriores ao prazo de filiação partidária.

Enfim, o projeto do novo código eleitoral teve o texto base aprovado, alguns destaques votados e outros que serão colocados em votação esta semana, tenta discorrer acerca de todas as áreas conflitantes, que tem gerado demandas judiciais ao final de cada processo eleitoral, como a distribuição da verba pública partidária, cuja proporcionalidade é sempre confusa e discutível por ser utilizada fora do propósito de amenizar as desigualdades econômicas entre candidatos e se dar mais transparência às disputas eleitorais.

Um dos principais pontos que precisa efetivamente avançar diz respeito ao aumento do quantitativo na representatividade feminina, sobretudo nos parlamentos. Existe até um projeto em andamento, fora do projeto do Novo Código Eleitoral, que aprova reserva de cadeiras à mulheres para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas dos estados, e as Câmaras Municipais. 28 países já têm legislação que estabelece reserva de ocupação de cadeiras para mulheres no parlamento, uma ação bem mais afirmativa do que cota para ser candidata.

O inimigos visíveis e invisíveis da república

O Brasil comemora 199 anos de independência, com uma população de 213,317 milhões de habitantes. Considerado um país relativamente rico, com economia destacada na América Latina e no mundo baseada na exportação de commodities que “salvam” a economia brasileira a um custo discutível.

As transformações existem e fazem parte da essência da vida em todas suas dimensões. Contudo, temos que admitir que a longa duração da pandemia nos tornou vulneráveis, doentes e medrosos, a ponto de reduzirmos nossas prioridades a estarmos vivos e vacinados.

E o Brasil, tinha tudo para se sair bem na pandemia; uma população relativamente jovem, experiência da rede pública para lidar com epidemias e um sistema de saúde universal, o SUS. Contudo, os números registram a baixa performance do país no enfrentamento da pandemia. Dados de 3 dias atrás, apontam que o país tem 65.872 milhões de pessoas completamente cobertas pela vacina, o que que significa apenas 30,88% da população brasileira.

A luta contra a corrupção, que foi bandeira de boa parte da classe política eleita nos últimos anos, não se transformou em medida concreta de enfrentamento do problema. Nenhuma agenda efetiva de política anticorrupção foi apoiada pelo governo e aprovada pelo Congresso Nacional. A Organização Transparência Internacional, divulgou o ranking global de percepção da corrupção no setor público em 2020 e o Brasil continua estagnado num patamar ruim, 94ª posição, num ranking de 180 países, atrás da Colômbia, Turquia e China.  Ou seja, a corrupção continua a ser um problema endêmico no Brasil.

A violência assusta. Os homicídios praticados no Brasil representam um volume muito superior ao de países que vivem em guerra. Com efeito, no Brasil a violência é a principal causa de morte dos jovens. Em 2019, de cada 100 jovens entre 15 e 19 anos que morreram no país por qualquer causa, 39 foram vítimas da violência. Dos 45.503 homicídios ocorridos no Brasil em 2019, 51,3% vitimaram jovens entre 15 e 29 anos. Em média, 64 jovens são assassinados por dia no país.

Raça e sexo são categorias que ainda justificam discriminações e produzem desigualdades. Em 2019, os negros (classificação do IBGE) representaram 77% das vítimas de homicídios, o que estabelece que a chance de um negro ser assassinado no Brasil é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra.  (Os dados são do Ipea/Atlas da Violência).

Em 2019, 66% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras. Um em cada sete bebês é filho de mãe adolescente, conforme dados do IBGE, que também confirmam que 7 em 10 meninas grávidas ou com filhos, são negras e não trabalham e não estudam. Vamos observando que as desigualdades sociais se acentuam sempre em desfavor dos negros.

Assim, o lendário discurso de Martin Luther King, proferido ao final da grande marcha dos negros por direitos civis, ainda parece um sonho distante. “Eu tenho um sonho que meus quatro filhos pequenos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter”.

Apesar de todos os descompassos, parte da população brasileira ignora as desigualdades sociais, o preconceito racial e de gênero, a violência e elege o  Supremo Tribunal Federal como o problema maior do país, o inimigo número 01 da República e no dia da independência do Brasil, escolheram vandalizar e excomungar a instituição. Uma casa, onde seus membros, é verdade, são apegados à notoriedade e o alinhamento com o que dá mídia.

Onde todos são obrigados a usar as vestes talares, as famosas capas pretas, onde um membro fala alemão, outro retruca em francês, um escreve poesias, outro toca guitarra, mas não são intocáveis. Podem ser destituídos da função pelo processo de impeachment, que precisa ser aprovado por dois terços dos senadores (54 votos).

Coisa aparentemente fácil para quem tem a caneta nas mãos, porém, o governo tentou e não conseguiu sequer dar andamento ao processo. A movimentação do dia da Pátria em Brasília segue firme e a propósito, você, já se perguntou quem está pagando essa conta?