Não há notícia boa?

Por um bom tempo o colapso econômico, o desastre ambiental e a agitação social estão praticamente garantidos. Bem vindos ao persistente mundo pandêmico!

Quase dois anos depois, parece que os indivíduos responsáveis estão vivendo março de 2020, com planos adiados, alegria e riso contidos, medo da nova face do mesmo mal que os tem desafiado desde então. Acabo de ler uma entrevista preocupante que o bilionário americano e fundador da Microsoft Bill Gates, concedeu ao jornal americano Financial Times dias atrás, onde ele, muito provavelmente baseado nas pesquisas que financia através da Bill & Melinda Gates Foundation, alerta para a possibilidade de enfrentarmos nova pandemia, com vírus tão contagioso quanto o Ômicron, porém com taxa maior de mortalidade.

Bill Gates cita médicos e cientistas e faz um chamamento aos governos e donos de grandes corporações para que doem recursos para que Organização Mundial de Saúde e outras organizações possam investir em inovação e desenvolver insumos para vacinas para oferecerem respostas mais rápidas na próxima pandemia global.  Ao Financial Times ele assegura que somente com esforços enormes e grande doação financeira será possível evitar danos e perdas maiores do que as que o mundo vem enfrentando há dois anos.

A entrevista polêmica, não causou surpresa porque no ano de 2015, Bill Gates fez uma bombástica palestra, onde alertou que o mundo enfrentaria uma grande pandemia num futuro próximo. É um exagero dizer que Bill Gates profetizou a chegada da pandemia da Covid-19.  Pela recente entrevista, ele foi duramente questionado por estar falando de um tema sobre o qual ele não tem formação mas  sabemos que a Fundação Bill & Melinda Gates faz doações de valores surpreendentemente altos para financiar pesquisas e desenvolver vacinas contra várias doenças nas populações pobres, principalmente da África. Portanto, ele deve ter informação de pesquisadores e para nosso azar, ele pode saber do que está falando.

Bill Gates tem credibilidade pela visão macro que compartilha do mundo porém,  para muitos médicos que comentaram a entrevista, o que ele disse nem chega a ser uma previsão mas a constatação de fatos simples  incontestáveis pela ciência. Surgem vírus potencialmente perigosos a cada década e uma vez a cada 50 anos, pelo menos, esse vírus se espalha e afeta vários países. Tem sido assim, porém, esse tempo entre uma pandemia e outra tem-se reduzido. A fala de Bill Gates é reforçada então, no sentido que é apenas uma questão de tempo até que um patógeno (vírus, bactérias, fungos…) capaz de causar muito mais danos do que a Covid-19 nos atinja e estabeleça um precedente muito perigoso com a raça humana.

Nos comentários há elogios, agradecimentos e muita desconfiança de que Bill Gates esteja agindo desinteressadamente. Chamado de alarmista, uns creem que ele esteja se transformando num vendedor de vacinas, outros creem que sua fortuna aumente em decorrencia do caos econômico global trazido pela pandemia. Vale também crer que seja possível um indivíduo ser bilionário, ambicioso e ainda assim, seja benevolente, pensa em fazer o bem aos outros e investir bilhões de doláres da fortuna pessoal para oferecer o mínimo acesso à saude para áreas miseráveis do mundo, é um prenúncio disso.

Parecem precauções razoáveis os preparativos pelos governos e organizações para futuras pandemias ou para a longa duração desta, porque milhares de indivíduos brasileiros, mesmo cientes de que suas ações podem levá-los a própria morte, decidiram desde dezembro retornar suas vidas às festas, férias, praias, bares, shows, onde aglomerações são inevitáveis, mesmo sob  os reiterados alertas da fácil propagação da variante Ômicron. É uma aposta compreensivelmente ruim substituir a capacidade de viver com alegria, de jantar fora, divertir-se por ficar dentro de casa, recebendo comida por aplicativo. Mas neste momento, devemos nos sacrificar pelo bem de todos, nos prepararmos cuidadosamente para o futuro porque dependendo da escolha de cada um, a vida segue ou não…

Entendo que o isolamento e as limitações estão asfixiando. É onde estamos agora. Mas onde quer que você olhe, não há vida sem pandemia. Na melhor das hipóteses, as vidas estão sendo mantidas no modo sobrevivência até que o sistema (governos, organizações, grandes corporações, bilionários, cientistas) se sobreponha ao colapso e restabeleça uma nova ordem onde possamos voltar a viver segundo nossas vontades e interesses.  

A virtude de não reabrir feridas

Aideia ultrapassada de que a boa política necessita de cidadãos virtuosamente democráticos, heróis como aqueles a quem é lícito aquilo que não é lícito ao homem comum, me faz pensar nos atributos considerados mais usuais que a fama atribui aos poderosos: magnânimo, grande, vitorioso, temerário, ousado, imbatível. Nesta galeria de poderosos, alguma vez foi visto o homem sereno? Não. Parece não haver lugar entre os poderosos para os serenos. A palavra serenidade não combina com a considerada “boa” reputação política?

Mas a definição da serenidade como virtude não política não agrada a muitos, alguns inclusive, teóricos das virtudes consideradas “fracas”. A política pensada com as virtudes tradicionalmente consideradas essenciais para o jogo, não rege tudo e não é mais unânime. É possível pensar em política e políticos que cultivam a virtude da serenidade, uma virtude social, uma disposição de espírito que somente resplandece na presença e para o bem do outro, uma disposição que não precisa ser correspondida para se revelar em toda a sua dimensão de indizível beleza. Um político sereno que não acumula rancor, não é vingativo, não sente aversão pelo opositor, não continua a remoer as ofensas recebidas, a alimentar o ódio, a reabrir as feridas.

Norberto Bobbio, filósofo, jurista e político italiano me inspira mas pode ter elaborado exageradamente a tese que trata a serenidade como uma virtude que adquire ao longo de sua teorização, a qualidade de uma virtude tipicamente feminina e que Bobbio reconhece como a mais “impolítica” das virtudes. A serenidade é, portanto, uma virtude não aceita pacificamente na política. E para completar, numa acepção maquiavélica, a serenidade chega a ser mesmo a outra face da política. O tempo vai moldando os homens e a serenidade pode caber na atuação política atual e não como a virtude dos fracos e submissos.

O homem sereno não precisa ausentar-se da política, a serenidade pode converter-se em força, uma força distinta que opera para acabar com as provocações estéris. A política não precisa ser um reino exclusivo da teoria maquiavélica da raposa e do leão.

Na luta pelo poder, na maioria das vezes, os homens serenos não têm muito espaço  para participar, porque os lobos tendem a devorar os cordeiros. E os lobos, que cultivam opinião exagerada sobre os próprios méritos são os imtempestivos, poderosos e insolentes, que são exatamente as virtudes ou mais possivelmente os vícios, segundo as mais diversas interpretações, da maioria dos homens políticos. Mas, ousemos acreditar na existência de políticos serenos, abertos e sensíveis, elaborando suas campanhas utilizando métodos que não ameaçam e nem desumanizam seus opositores, que não estabelecem relações de conflito com os demais, nem perdem tempo num jogo de acusações recíprocas.

Não ousemos excluir a esperança! O paradoxo é que  nossa mente confusa, habituada a ações impensadas quer inverter o que tem sido o tumulto de nossas vidas diárias pela aceitação do caos que não podemos transformar, como escreveu o Reverendo protestante Reinhold Niebuhr, na Prece da Serenidade: “Concedei-me, Senhor a Serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar. Coragem para modificar aquelas que posso e Sabedoria para conhecer a diferença entre elas”.

Tipos de cegueira

Observando as resenhas sobre o ano que passou, nada efetivamente novo a chamar à atenção, na soma geral, ganha-se aqui, perde-se ali, há quem amou muito, há quem perdeu o único amor, há quem partiu e há quem ficou. Por toda parte, em todos nós há feridas que sangram, feridas que cicatrizam e feridas que contaminam. Muitos venceram o medo, se expuseram, outros, apegados a preconceitos, se fizeram de cegos para não ver.

Pense em quantas vezes você foi cego e quantas vezes você fingiu ser cego para não se envolver, não se comprometer.

Saramago, no livro “Ensaio sobre a Cegueira” fala sobre olhar e poder ver, ver  e entender.No romance, a cegueira está metaforicamente relacionada a ver a verdade além das nossas próprias opiniões e preconceitos. O romance de José Saramago, conta a história sombria de uma sociedade devastada por uma epidemia de cegueira conhecida como “cegueira branca”, que só permite que vejam um branco intenso, ao contrário da escuridão completa em que se vive quando é cego, mas o resultado final é o mesmo. O primeiro homem é atingido de repente pela cegueira enquanto está parado em um semáforo.

Os casos de cegueira crescemem um ritmo alarmante, sem causa e sem tratamento. Saramago vai então abordando situações que descrevem a importância da consciência dos outros, do sentir-se oprimido pelo medo, falta de confiança, desumanização e a segregação, até a triste constatação que as almas “boas” roubam quando percebem que não estão sendo vistas e que histórias de amor acontecem e sobrevivem até no ambiente terrívelda epidemia da cegueira, como o caso do Doutor e sua esposa, da Jovem de Óculos Escuros e o Velho.

A cegueira cai para cada um como uma tragédia pessoal. A maior parte da ação do livro ocorre em um hospital onde os cegos e contaminados são colocados em quarentena. E até mesmo o cumprimento das necessidades básicas passam a ser um sofrimento. No caótico estado de cegueira as pessoas foram se unindo para se protegerem ea partir daí – amor, lealdade, medo, ciúme, bravura, heroísmo, covardia, violência, felicidade, decepção foram sendorevelados de forma vibrante pelos personagens, até queinevitavelmente os mais fortes e espertos assumem o controledos fracos, que voluntariamente abrem mão de direitos e vontades em troca dapromessa de segurança e ajuda.Sim, este é o mesmo processo que ocorre, aos trancos e barrancos no nosso mundo onde muitas vêzes nos deixamos guiar por cegos.

A epidemia da cegueira foi um pensamento interessante porque não mata, incapacita. Isso significa que é algo que muda a pessoa de uma forma fundamental, mas não fatal, o que faz com que as pessoas obrigatoriamente interajam e apesar da desconfiança precisam estabelecer parcerias para prosseguir. É interessante observar que as pessoas sob condições extremasnão são descaradamente más nem puramente boas; na verdade elas são o que sempre foram.

O que não podemos é nos deixar cegar por uma falsa moralidade, por julgamentos inflexíveis, não podemos nos deixar cegar por um afago, por vantagens indevidas, não podemos deixar de ver, reparar e denunciar a violência cometida contra as mulheres, não podemos permitir que a “cegueira branca” cubra nossos olhos diante das desigualdades, das crianças famintas espalhadas nos semáforos. Que nossa essência e valores não sejam apenas simbólicos e que nenhuma cegueira conveniente atrapalhe a expansão da nossa humanidade!

2022-uma conversa inadiável

Desde a década de 1950, os cientistas políticos teorizam que a polarização, o fato de ver o mundo adicionado a um viés ideológico em tudo, está associada a incapacidade de tolerar a incerteza e a uma necessidade de manter crenças previsíveis sobre tudo. Descobriram que a percepção polarizada,  percepções ideologicamente distorcidas da mesma realidade é mais forte nas pessoas com  menor tolerância à incerteza em geral, isto mostra que parte da animosidade e mal-entendidos que vemos entre as pessoas não se deve a diferenças irreconciliáveis ​​nas crenças políticas, mas depende de fatores surpreendentes  e potencialmente solucionáveis, como a constante incerteza que todos nós experimentamos na vida diária.

Muitas das nossas diferenças são sobre valores fundamentais e não apenas sobre política porém, o senso comum resgistra que estamos mais divididos do que nunca, por razões políticas. Faltando dez meses para as eleições gerais de 2022, fico imaginando o quanto a polarização política reduziu a qualidade do tempo das familias que se reuniram à mesa de jantar na passagem do ano.

Quando surgem diferenças, muitos de nós, não sabemos como e quando persuadir ou apenas escutar. Nossas conversas políticas geralmente giram em torno da proclamação entusiasmada das nossas próprias crenças, enquanto questionamos as motivações e a moralidade de quem se opõe a nós, embora saibamos que não é assim que se muda a mente de pessoas com convicções fortes. Nossas declarações políticas não precisam ser consensuais, basta que sejam respeitosas.

Em 2022 vamos ter que falar sobre política em que pese não termos aprendido a lidar com  nossas crenças e respeitar as crenças alheias ao mesmo tempo. Com a família, costumamos supor que temos muito em comum e quando as diferenças despontam marcantes, a discussão é inevitavel, é como se um membro da nossa família estivesse nos sabotando, colocando nosso bem-estar em risco.

Com familiares e amigos nos sentimos tentados a partir para o convencimento e compartilhamento de nossas crenças mais do que fazemos com conhecidos com quem não temos interações próximas porque tememos ser encurralados e não dispor de argumentos bem construídos para sustentar uma discussão com pessoas cujo conhecimento não sabemos até onde vai. Agravamos o problema quando pensamos na política como uma fator segregador de pessoas entre justas e erradas. É como uma forma de dominação. Ou seja, um lado está certo e o outro lado está errado e não há qualquer pista que permita às pessoas descobrirem o que é certo e errado nesta perspectiva singular.

Percebemos que a divisão ocupa nossa imaginação coletiva e por incrível que pareça, isso agrada a milhares. Somos um país aleatoriamente formado a partir de sérias divisões culturais, raciais, regionais e históricas. Nosso sistema partidário dissolve os debates e transforma-os em batalhas, o que faz nossas discussões políticas parecerem impiedosas e desrespeitosas.

Falar além das diferenças não significa comprometer a identidade política ou os valores de alguém, nem é um compromisso centrista. Penso que as pessoas podem se identificar com ideologias políticas específicas, mas permanecerem sensíveis às necessidades dos que raramente são partidários por natureza. 2022 será um ano político mas não precisamos utilizar marcadores de identidade política nas nossas conversas. Uma conversa boa pode encerrar-se em uma conversa respeitosa.

O bem que eu não fiz

Não sou uma pessoa dominada pelos humores, pelas paixões e pelo acaso, sigo, às vezes, sem habilidade para dançar a música da conveniência e da exibição, mas falha e imperfeita, pego-me outras tantas vezes, vigiando a mediocridade minha e dos outros diante de impasses intoleráveis.

É tão fácil seguir quanto não seguir um objetivo estipulado especialmente quando não há nenhuma punição vinculada, a não ser o risco da não realização de um sonho, de um projeto ou de uma promessa. Temos um álibi forte para nossos fracassos de 2021, o mesmo que tivemos em 2020 e sabe Deus se não estaremos falando da mesma coisa em 2022: pandemia!

Sim, estes são tempos difíceis! A pandemia elevou o nível das desigualdades sociais, os impactos locais e globais da fome trazem a cada dia traz um novo lembrete dos desafios que enfrentamos. E isso é apenas no mundo externo! Nosso universo interior é complexo, absorve toda essa diversidade de problemas, dores miúdas e frustrações. No mais, é abaixar a cabeça e admitir; o bem que eu não pratiquei foi porque eu me omiti, porque não entendi a urgência, porque não priorizei o outro e até porque não me importei o suficiente.

Como sempre, há a escolha das prioridades e há as coisas que simplesmente deixamos para trás. Pequena, que sou, não ofereço cuidados de saúde a quem necessita; não estou na linha de frente em defesa do clima; pessoalmente, não forneço comida a quem tem fome. O impacto do meu trabalho e da minha voz não são tão potentes e imediatos quanto sempre quis que fosse. Mas tenho estendido minhas mãos e ampliado minha voz em favor de um mundo mais fraterno, de mais igualdade, menos julgamentos e mais acolhimentos. Gosto de acreditar que entre todas as histórias que contei aqui aos domingos, ao longo do ano, uma possa ter tocado seu coração, despertado um desejo, uma inspiração.

Faltando cinco dias para o fim do ano eu estou me perguntando em que eu desejo que o mundo melhore no próximo ano, no que eu preciso melhorar e as possibilidades são infinitas! Mas chegaremos no final do próximo ano com resultados insignificantes se continuarmos culpando a pandemia, a falta de tempo, a falta de dinheiro pela nossa pífia atuação em favor da vida mais justa e digna, o que é possível quando nos interessamos em conhecer o trabalho feito pelo outro. Aceito que não preciso protagonizar, líderar um projeto para entrar nele com todo meu coração.

Fui descobrindo coisas, me juntando à pessoas mais anjos do que gente, que pregam e fazem o bem o tempo todo. Através de uma amiga evangélica, tomei conhecimento que a população de rua em Cuiabá, tem um protetor incansável, um padre, que sem interromper suas ações em tempo de pandemia sequer por um dia, arrecada comida, roupa, dinheiro para comprar os itens necessários e distribuir todas as noites, onde há irmãos amotinados com medo e fome nas periferias e centro da cidade. Regra simples para colaborar com o projeto, não fazer da ação postagens para se redimir diante de Deus e dos homens.

Mulheres ajudam mulheres a saírem do ciclo da violência doméstica e assumirem o comando de suas vidas e emoções. Recontamos suas histórias, registramos os talhos na pele, choramos juntas. As denúncias são encaminhadas, a justiça é cobrada antes que a morte vença essa guerra, desigual em força e propósitos. Dentro das especificidades do grupo, cada mulher doa o que sabe, o que pode alcançar, o que pode contribuir para amenizar senão resolver uma situação grave colocada.

No bairro Pedra 90, um jovem visionário, quase sozinho produz cultura com o propósito de promover a inclusão social. Não é sorte, é utilizando a criatividade que ele transborda bons sentimentos nos cursos de teatro, aulas de dança, sessão de cinema e de leitura que oferece para os jovens da região. As vezes, ele pede apenas o compartilhamento do trabalho dele. 

Haverá distrações e momentos de dúvida, mas a hora de enxergar a dor do outro, de colaborar com algum projeto que não pode ser apenas um processo, mas sim, uma atitude de toda a jornada, é agora! Só precisamos reenquadrar as prioridades e parar de ter atitude de desconfiança para com o diferente, em qualquer aspecto da condição humana!

Estarei mais inteira e disponível nas minhas lutas. Calma e tranquila, sem reagir a maldade gratuita, não por fraqueza, mas por acreditar que a minha serenidade seja necessária para o outro vencer o mal dentro de si.

É possível adiar o fim do mundo

Ideias para adiar o fim do mundo” é o título de uma palestra do fabuloso ativista indígena Ailton Krenak. Claro que esse título é uma provocação mas há muito de uma ideia de apocalipse no ar que respiramos atualmente. E a proposta de Krenak para adiar o fim do mundo é exatamente para que possamos ter tempo de contar ou viver mais uma história. É o tempo que precisamos para aprender lutar pela sobrevivência com respeito, com reconhecimento às lutas dos outros, para ampliarmos nossa cultura e vivermos uma relação amorosa com os nossos iguais, com todos e com a natureza.

Prestar atenção no que ele fala é mais urgente do que nunca!

A ideia central da palestra, que tornou-se um livro, lançado em 2019 é alertar para o que muitos já perceberam, a autodestruição da vida humana nesse lindo planeta azul. As palavras, quando otimista de Krenak falam de um agir urgente sobre um mundo que agoniza e propõe uma virada de perspectiva para iniciarmos, em coletividade, um processo de transformação social, cultural, ambiental para salvarmos não apenas as populações originárias ameaçadas em todo mundo, como a dele próprio. Ele fala sobre todos nós, que somos abraçados por este espaço mágico chamado Terra, mas alerta que não somos os únicos seres que o planeta abraça.

Ele conta sobre um pesquisador europeu que foi aos Estados Unidos visitar um território indígena. Ele havia pedido que alguém da aldeia intermediasse o encontro dele com uma anciã que ele queria entrevistar. Quando foi encontrá-la, a anciã estava imóvel diante de uma rocha. O pesquisador esperou bastante até que finalmente perguntou: “Ela não vai conversar comigo, não?” o interlocutor respondeu: “Vamos esperar, ela está conversando com a irmã dela”. “Mas é uma pedra”, disse o pesquisador e o facilitador da conversa disse: “Qual é o problema, é a irmã dela!

Krenak nos tira a sensação da qual sempre nos gabamos, de sermos os donos do planeta e torce para que o casulo humano imploda  e se abra para uma visão de vida não limitada. Krenak encantou Lisboa com essa fala, proferida no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, onde entre uma metáfora e outra falou das pequenas constelações de pessoas felizes, que ainda experimentam o simples prazer de estarem vivos, cantando, dançando e fazendo chover, gerando, sem querer, grande intolerância na humanidade que ele chama de zumbi, aqueles que não toleram tamanha leveza, felicidade e fruição.

Ao longo do texto ele se mostra convencido que precisamos partir para a construção de uma nova humanidade, porque, do jeito que as desigualdades e injustiças se instalam, vivemos, o que ele chama de uma condenação antecipada do fim do mundo. E uma das ideia para adiar o fim do mundo é, diante da certeza que estamos em queda como civilização, aproveitar e ressignificar a queda e recomeçar a partir dela. É indispensável que reflitamos sobre o começo, o fim e com sorte, que tenhamos algum tipo de recomeço.

A crise da qual Krenak fala refere-se à nossa humanidade, a nossa experiência como seres humanos.  O mundo está atravessando muitas crises; terremotos, epidemias, a incontida violência contra mulheres e meninas, crise climática, conflitos em larga escala, invasões, massacres e guerras, além da fome que traz em seu bojo crises humanitárias devastadoras.

É muito importante viver a experiência de circular pelo mundo, de poder contar uns com os outros, promover mudanças na forma de vida, sem jamais recorrer a práticas desumanas contra qualquer outro ser. O que Krenak faz em suas palestras é questionar qual o mundo estamos deixando para as futuras gerações e compartilhar a idéia de um outro mundo possível.

Para quem não conhece Ailton Krenak, ele é um líder indígena mineiro, ativista do movimento socioambiental e da defesa dos direitos indígenas. Jornalista, escritor, que desde a década de 1980, dedica-se a articulação do movimento dos povos indígenas. Discursou no Congresso Nacional, durante as discussões sobre os direitos indígenas na Assembleia Constituinte. Palestrante, reconhecido nacional e internacionalmente, foi o grande sucesso da Festa Literária Internacional de Parati – FLIP 2019, quando lançou o livro “Ideias para adiar o fim do mundo”.

Polarização e o sonho da terceira via

O jogo político de 2022 efetivamente começou. Tento me recluir para ler, pensar, matutar bem a questão, sedimentar minha posição para o ano que vem. Vejamos o que já temos colocado no tabuleiro:

O presidente Bolsonaro já definiu o novo partido (PL), pelo qual disputará à reeleição, o ex-presidente Lula, segue fiel ao partido dos Trabalhadores e ambos aguardam a confirmação das candidaturas que brigam entre si pelo posto cobiçado de terceira via das eleições presidenciais.

Os tucanos escolheram o governador João Dória para ser candidato a presidente, Ciro Gomes não entra em disputa interna no partido, onde é candidato praticamente unânime, o ex-juiz Sérgio Moro, filiou-se ao Podemos e entrou definitivamente na disputa.

Na última semana, o MDB apresentou a senadora Simone Tebet como candidata a presidente. Mulher sensível e engajada, presidiu a Comissão de Justiça no Senado. Se ela se apropriar de um discurso destemido, contemplando as pautas de interesse do público feminino, pode fazer bonito na eleição, considerando a lógica de que as mulheres são detentoras de 52% dos votos.

Detalhes, uns atraentes, outros intrigantes são adicionados aos arranjos para viabilizar as candidaturas majoritárias; de um lado, ideologias que polarizam crônicamente as discussões e do outro lado, as tais federações que devem unir num bloco só vários partidos para reforçar determinadas candidaturas. No âmbito da polarização, pelo que temos percebido nas pesquisas, Bolsonaro e Lula somados deixam espaço apenas para mais um candidato com chance de ser bem votado e interferir no resultado do primeiro turno. Esse voto, no terceiro colocado, será o voto útil, ao qual muitos amigos e analistas tendem convergir como opção.

Muito difícil porém, combinar esta estratégia com os eleitores não ideológicos, que embora queiram evitar um segundo turno polarizado entre Lula e Bolsonaro, estão espalhados e alheios, esperando as pesquisas sinalizarem crescimento real de Dória, Ciro, Moro, Simone, Mandeta ou quem mais surgir.

Localmente, não vivemos o cenário de polarização e a reeleição do governador Mauro Mendes é aparentemente tranquila, se o prefeito Emanuel Pinheiro não entrar efetivamente na disputa, como candidato, ele próprio. Nomes do agro, depois do case de sucesso do Blairo Maggi, vão surgir sempre, mas eleição de governador não é assim tão simples; eu quero, eu vou.

Como sabemos, Blairo era um nome conhecido nacionalmente como empresário, destacou-se quando foi suplente do senador Jonas e viabilizou-se politicamente com apoio de grandes nomes da política de Mato Grosso. Balbinotti, sem grupo de apoio, contando com possível amizade à distância com o presidente da República, não segura uma candidatura ao governo, deve estar ensaiando vôo para a Câmara Federal.

O prefeito Zé do Pátio é considerado um forte candidato ao governo, embora não tenha admitido isso ainda, viria apoiado por uma frente progressista vigorosa e protegido pela figura jurídica da federação, que obrigaria diversos partidos a apoiá-lo em nome da manutenção e fortalecimento da candidatura do ex-presidente Lula.

Mas, intempestivo, começou mal, atropelou o Partido dos Trabalhadores ao anunciar a criação de um comitê pró-Lula e avocar para si a coordenação da campanha no Estado, onde o Partido dos Trabalhadores tem uma bancada respeitavel de deputada federal (Rosa Neide) e dois deputados estaduais (Lúdio Cabral e Valdir Barranco).

Fora da majoritária observa-se o espaço que pode ser deixado na disputa de deputado federal com a saída do deputado Neri Geller para concorrer ao Senado. O grupo PSD/PP, que tem se mantido unido e ampliado a força com a eleição do senador Carlos Fávaro, não deve abrir mão de manter o espaço e tem cacifado o deputado Neri para acirrar o embate com o senador Wellington Fagundes em torno da única vaga oferecida ao Senado.

O senador Wellington Fagundes tem o palanque reforçado pelo correligionário Bolsonaro, o que é importante num estado que tem 141 municípios e 122 deles deram vitória a Bolsonaro em 2018.

Porém, a realidade hoje é outra depois de 616 mil mortos pela Covid e descontrole no aumento do custo de vida, com a gasolina em alta de 40% no ano de 2021, empurrando a inflação de setembro para 10,25%, o maior índice dos últimos 27 anos. Isto sim, pode ser determinante numa eleição.

Lembramos que análise política não deve ser guardada nem para a semana seguinte. Retrata o momento em que a conversa acontece e muito pouco além.