Aideia ultrapassada de que a boa política necessita de cidadãos virtuosamente democráticos, heróis como aqueles a quem é lícito aquilo que não é lícito ao homem comum, me faz pensar nos atributos considerados mais usuais que a fama atribui aos poderosos: magnânimo, grande, vitorioso, temerário, ousado, imbatível. Nesta galeria de poderosos, alguma vez foi visto o homem sereno? Não. Parece não haver lugar entre os poderosos para os serenos. A palavra serenidade não combina com a considerada “boa” reputação política?
Mas a definição da serenidade como virtude não política não agrada a muitos, alguns inclusive, teóricos das virtudes consideradas “fracas”. A política pensada com as virtudes tradicionalmente consideradas essenciais para o jogo, não rege tudo e não é mais unânime. É possível pensar em política e políticos que cultivam a virtude da serenidade, uma virtude social, uma disposição de espírito que somente resplandece na presença e para o bem do outro, uma disposição que não precisa ser correspondida para se revelar em toda a sua dimensão de indizível beleza. Um político sereno que não acumula rancor, não é vingativo, não sente aversão pelo opositor, não continua a remoer as ofensas recebidas, a alimentar o ódio, a reabrir as feridas.
Norberto Bobbio, filósofo, jurista e político italiano me inspira mas pode ter elaborado exageradamente a tese que trata a serenidade como uma virtude que adquire ao longo de sua teorização, a qualidade de uma virtude tipicamente feminina e que Bobbio reconhece como a mais “impolítica” das virtudes. A serenidade é, portanto, uma virtude não aceita pacificamente na política. E para completar, numa acepção maquiavélica, a serenidade chega a ser mesmo a outra face da política. O tempo vai moldando os homens e a serenidade pode caber na atuação política atual e não como a virtude dos fracos e submissos.
O homem sereno não precisa ausentar-se da política, a serenidade pode converter-se em força, uma força distinta que opera para acabar com as provocações estéris. A política não precisa ser um reino exclusivo da teoria maquiavélica da raposa e do leão.
Na luta pelo poder, na maioria das vezes, os homens serenos não têm muito espaço para participar, porque os lobos tendem a devorar os cordeiros. E os lobos, que cultivam opinião exagerada sobre os próprios méritos são os imtempestivos, poderosos e insolentes, que são exatamente as virtudes ou mais possivelmente os vícios, segundo as mais diversas interpretações, da maioria dos homens políticos. Mas, ousemos acreditar na existência de políticos serenos, abertos e sensíveis, elaborando suas campanhas utilizando métodos que não ameaçam e nem desumanizam seus opositores, que não estabelecem relações de conflito com os demais, nem perdem tempo num jogo de acusações recíprocas.
Não ousemos excluir a esperança! O paradoxo é que nossa mente confusa, habituada a ações impensadas quer inverter o que tem sido o tumulto de nossas vidas diárias pela aceitação do caos que não podemos transformar, como escreveu o Reverendo protestante Reinhold Niebuhr, na Prece da Serenidade: “Concedei-me, Senhor a Serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar. Coragem para modificar aquelas que posso e Sabedoria para conhecer a diferença entre elas”.