Uma fração das histórias de guerras

A enviada especial da Agência das Nações Unidas para Refugiados, Angelina Jolie, visitou dias atrás o Iêmen em uma tentativa de chamar a atenção para as consequências catastróficas do conflito que dura sete anos. Em conversas com famílias iemenitas, incluindo famílias deslocadas e refugiados, Jolie ouviu sobre suas perdas e como o conflito destruiu suas vidas. São pessoas que estão vivendo em abrigos, o conflito fez com que perdessem suas casas, entes queridos, os meios de subsistência e arruinou o futuro de seus filhos.

Jolie é a enviada especial para refugiados desde 2011. O trabalho da atriz tem sido dar voz aos refugiados e em audiência com autoridades locais, pediu que todas as partes envolvidas na guerra evitem atingir civis e garantam acesso humanitário desimpedido a todas as pessoas necessitadas e passagem segura para civis para fugir de áreas de conflito. Com autoridade de quem fala pela ONU, o apelo da atriz pode resultar em demonstração de compaixão e solidariedade internacional.

Viver em um campo de refugiados impacta a vida das pessoas, dificulta muito a vida das mulheres e crianças, que são a maioria da população deslocada. Jolie passou o dia internacional da Mulher entre os refugiados e desabafou ao deixar o país, três dias depois dizendo: “o nível de sofrimento humano aqui é inimaginável. A cada dia que o conflito brutal do Iêmen continua, mais e mais vidas inocentes são perdidas e mais pessoas continuarão a sofrer. Vivemos em um mundo onde o sofrimento e o horror dominam as manchetes, que precisa urgentemente de uma solução rápida e pacífica para este conflito e para outras pessoas deslocadas, quem e onde quer que estejam no mundo.”

Em todo o mundo, o número de pessoas deslocadas, a maioria devido à guerra, atingiu um recorde. Em outras palavras, as mortes em batalha podem ter diminuído, mas o sofrimento devido ao conflito não. São mais de 80 milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo, A guerra da Síria causou mais de 11 milhões de casos de migração forçada, dos quais 5,6 milhões de sírios são hoje considerados refugiados. A República Democrática do Congo tem o maior número de pessoas deslocadas no continente africano, com quase 6 milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas por causa dos vários conflitos  e cerca de 4 milhões de pessoas podem fugir da Ucrânia.

As mortes em combate é uma fração da história das guerras. Não se dimensiona o horror de uma guerra pelo número de mortes que ela causa. Há conflitos que matam principalmente mulheres e crianças pequenas, devido à fome e doenças evitáveis​, há combates que não acarretam milhares de mortes, mas afastam milhões de pessoas de suas casas e o êxodo de refugiados causa devastação humanitária, com crianças desnutridas morrendo de fome e sede.

Uma entidade que monitora conflitos em todo o mundo elaborou no começo deste ano uma lista de dez conflitos internacionais que precisam receber atenção internacional. Entre os listados, estão Iêmen, Etiópia, Sudão e Mianmar, Ucrânia, etc… A `Crisis Group` colocou a Ucrânia no topo da lista, por entender que há riscos específicos na Ucrânia que fazem desse conflito uma ameaça à segurança global, mesmo que os números de mortos e pessoas em grave situação humanitária sejam menores do que em outras partes do mundo, que é a possibilidade (não assumida pelas autoridades) de ataques nucleares.

Com quase vinte anos de progresso nos campos econômicos e sociais, a Ucrânia pode ter um terço da população vivendo abaixo da linha da pobreza e 62% poderão cair na pobreza, segundo dados do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). A população fragilizada pela guerra poderá viver traumatizada pela queda alarmante do padrão de vida pós guerra. 

A luta feminina por justiça, igualdade e respeito

O Presidente Jair Bolsonaro diz que as mulheres hoje estão ´praticamente´ integradas à sociedade, em evento comemorativo ao Dia Internacional das Mulheres. Bolsonaro tem uma filha, concebida numa ´fraquejada`.

Para o Presidente Bolsonaro a resposta vem de um trecho do discurso da deputada constitutinte em 1934, Carlota Pereira de Queirós: “Sou a única representante feminina nesta Assembleia e sou, como todos que aqui se encontram, uma brasileira,´ integrada´ nos destinos do seu país e identificada para sempre com seus problemas.”

O procurador-geral da República, Augusto Aras homenageou as mulheres limitando-as a seres cujos prazeres são escolher sapatos e esmaltes. Aras tem uma filha. Ao Aras não respondo porque não encontrei estudos ou textos que tratem concomitantemente de sapatos e esmaltes.

Em Mato Grosso, dois presidentes de Câmaras Municipais deram show de arrogância e violência política contra mulheres. O presidente da Câmara de Indiavaí impediu a realização de uma Sessão Solene para homenagear mulheres, requerida pela vereadora Rhillary Milleide, uma jovem de apenas 21 anos.

A vereadora não se calou, expôs o ocorrido e recebeu apoio do estado inteiro. Bem próximo dalí, na mesma região do estado de MT, no município de Araputanga, a vereadora mais votada do município, Sandra Ferreira, passou por constrangimento igual. O presidente da Câmara negou-lhe a instalação da Sessão para homenagear mulheres da cidade. Mulheres que tiveram suas prerrogativas cerceadas pela truculência masculina dos colegas.

Não são falas e atitudes ao acaso. Convenhamos, a forma como nos  expressamos, revela nossas crenças, verdades que contruímos ao largo da nossa jornada, verdades íntimas, por isso preocupa os fatos e falas que permearam as comemorações do Dia Internacional das Mulheres, logo após a indesculpável fala sexista e agressiva do tosco deputado Arthur do Val sobre as mulheres ucranianas.

Se você pessoalmente não sente nenhuma discriminação, se todos os homens ao seu redor lhe tratam como igual, dando-lhe oportunidade de boa posição, salário igual dos homens, se não a interrompem quando está falando, se não reparam enviezados o vestido justo, o decote, parabéns!  Mas o Dia Internacional da Mulher  não é sobre você individualmente, é sobre mulheres de todos os lugares, que sofrem violências em suas formas múltiplas.

É uma data que desde a sua concepção, em 1910 carrega em si o ideal pelo protagonismo feminino, quando a feminista alemã Clara Zetkin propôs a ideia do Dia Internacional das Mulheres para mais de 100 mulheres trabalhadoras representantes de 17 países, em uma Assembleia realizada na Dinamarca, ela propôs um dia para as mulheres pressionarem o poder público, privado, a sociedade, em geral por suas demandas. A conferência aprovou por unanimidade a proposta mas a ONU institucionalizou a data somente em 1975.

Vês? a luta é antiga e desde o início foi forjada para ser de cobranças de demandas, de alerta e prontidão para denunciar e avançar. E sem desconsiderar qualquer avanço, que claro, são imensuráveis e bem vindos, é preciso manter a militância sim, é preciso cotas para as candidatas mulheres ingressarem na política. O aumento da presença de mulheres eleitas se deve principalmente à adoção de cotas eleitorais de gênero.

Os ataques contra as mulheres políticas geralmente se intensificam e tornam-se mais visíveis à medida que o período eleitoral se aproxima. Então, o momento é de vigilância e solidariedade, é momento de apontar as injustiças, cobrar reparações e admitir que ainda serão necessárias muitas intervenções para que genuinamente se torne possível criar um ambiente de diálogo e respeito entre homens e mulheres.

Isso não é literatura, é bruxaria

  • Eu antes era uma mulher que sabia distinguir as coisas quando as via. Mas agora cometi o erro grave de pensar.

A literatura é uma das mais importantes fontes de estudo que nos leva a compreensão de um determinado momento histórico, a literatura nos auxilia a resgatar a história da mulher e esclarecer a condição feminina na sociedade numa determinada época e seus reflexos nos anos futuros.

Neste mês de março, às vésperas do Dia Internacional da Mulher, considero um momento propício para homenagear uma muher ucraniana, naturalizada brasileira, “uma feiticeira glamourosa, um nervoso fantasma que assombra a literatura brasileira.” Clarice Lispector nasceu em 1920 numa família judia na pequena cidade de Podolia, oeste da Ucrânia. Durante a guerra civil que se seguiu à Revolução Bolchevique, seu avô foi assassinado, a casa de sua família destruída e, pouco depois, sua mãe, já com dois filhos pequenos, foi violentada por soldados russos e infectada com sífilis. A família Lispector juntou-se aos refugiados que cruzavam a fronteira tentando fuga para outro continente.

Vieram para o Brasil. Desembarcaram no estado de Alagoas em 1922. O pai, um professor de matemática foi reduzido a vendedor ambulante de roupas usadas. Aos nove anos, Clarice perdeu a mãe e o pai proclamou que estava determinado a mostrar ao mundo o tipo de filhas que ele tinha. Estudou, formou-se em Direito e antes dos 20 anos, perdeu o pai. Aos 23 anos publicou seu primeiro romance, registrou-se como jornalista e começou a escrever para jornais.

Tudo em Clarice Lispector parecia magnético: sua beleza, a fama precoce, o status de ícone na literatura brasileira, suas paixões e máscaras, as explosões inevitáveis e sua trágica história familiar. Em 2016 ganhei o livro “Todos os Contos”, um grosso volume de 654 páginas, onde pude perceber uma mulher de contradições assustadoras, o retrato complexo da escritora e a dor de cabeça de estar muito à frente de seu tempo. A escritora é livre das amarras sociais, mas mergulha no desassossego da falta de sentido de quase tudo e parece concluir que a vida incomoda e que a sua alma não cabe no seu corpo.

 A leitura é viciante, como alertou certa vez um amigo da escritora: “Cuidado com Clarice, ela é uma experiência emocional muito forte. Isso não é literatura. É bruxaria”.

Certa época, surgiu comentário que Clarice era por muitos, tida como uma mulher alienada das questões sociais brasileiras. No entanto, em sua biografia lê-se que ela foi fichada no governo Dutra e depois novamente, durante a ditadura militar de 1964 por como jornalista, continuar dando espaço e entrevistando personagens marcadas como “comunistas” pelo regime. Quando escreveu “A hora das estrelas”, imprimiu um tom de denuncia à miséria e a falta de tudo no Nordete da época.

A personagem Macabéa, nordestina, tão sem nada, que nem corpo tinha para vender.  “Sei que há moças que vendem o corpo, única posse real, em troca de um bom jantar em vez de um sanduíche de mortadela. Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás – descubro eu agora – eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria. Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas”.

Clarice vai emprestando aos personagens suas aflições e desabafos: “Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens.” “E como nasci? Por um quase. Podia ser outra. Podia ser um homem. Felizmente nasci mulher. E vaidosa. Prefiro que saia um bom retrato meu no jornal do que os elogios. Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo!. Hão de me perguntar por que tomo conta do mundo: é que nasci assim, incumbida”.

“Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.”  Morreu em 1977, aos 56 anos.

*Clarice Lispector

Não sejamos guiados como ovelhas

2022 – ano de eleição e não há hora melhor para exercitarmos nossa liberdade debatendo temas políticos e outros temas que interferem nas boas práticas políticas. Estamos diante de um círculo eleitoral, que é um dos mais divididos que vimos na história recente do país, com um presidente altamente polarizado concorrendo à reeleição, uma pandemia viral que vem há mais de dois anos causando estragos em todo o país. Em tempo tão polarizado é tentador recuar, silenciar.  Mas ensina-nos o ex-presidente americano George Washington que: “Se a liberdade de expressão nos é retirada, então mudos e silenciosos, podemos ser guiados, como ovelhas para o matadouro.”

É preciso ter personalidade para dizer o que se pensa. E personalidade não é um dom, não tem nenhum caráter romântico ou naturalista. É sim, a soma do sentido da vida, dos valores desenvolvidos durante a trajetória, construídos com profunda e sincera humanidade. Pensar igual ou diferente, alinhar-se do mesmo lado ou em campo oposto, em qualquer área da vida diz muito sobre respeito à compreensão do homem que quer ganhar clareza sobre si, sobre seu tempo e seus contemporâneos.

O objetivo das discussões não é mudar a mente das pessoas e sim, fazer com que as pessoas aceitem os pontos de vista umas das outras de maneira civilizada. Se quero ser vista e ouvida, também tenho que ver e ouvir os outros. É assim que o verdadeiro diálogo começa. Se eu falar civilizadamente, provavelmente serei ouvida e receberei respostas civilizadas. Ouvir o que pensa o outro diz muito sobre ir modelando a vida, como se fosse uma obra de arte e não apenas defender nossas próprias crenças, sobre isso ensina-nos o ex-primeiro ministro Winston Churchill: “o conceito de liberdade de expressão de algumas pessoas é que elas são livres para dizer o que quiserem, mas se alguém disser algo em resposta, isso é uma ofensa.”

Há uma pesquisa produzida pelo Instituto Avon, em parceria com o Coletivo Papo de Homem, intitulada “Derrubando muros e construindo pontes: como conversar com quem pensa muito diferente de nós”, Em temas considerados delicados, como: gênero, a grande maioria afirma que o principal obstáculo é o tom agressivo e as frases prontas que permeiam essas conversas, as pessoas, em grau menor sentem-se com a sensação de contribuição para o debate, embora também reconheçam que o nem sempre é possível estabelecer um ambiente acolhedor para essas conversas.

Para qualquer lado que viremos a chave da discussão, esbarramos na polarização, nas fakes news e muitos seguem acreditando naquilo que lhes agradam e desacreditam por completo verdades ditas por pessoas com as quais não compartilham a ideologia política. Outras pessoas, quando percebem que a conversa está encaminhando-se para um ambiente de vigorosa discórdia, passam a concordar com a argumentação emocional do outro, para evitar a discussão.

O diálogo com quem pensa diferente deve ser fundamentalmente baseado no respeito, isso deveria bastar para que duas pessoas que jamais sentariam numa mesma mesa, tivessem um diálogo interessante. Mas, lamentavelmente, uma das conclusões da pesquisa é que 8 em cada 10 pessoas sequer tentam conversar com quem pensa diferente.

É certo que não estamos o tempo todo construindo pontes ou fechados entre muros, grande parte do tempo, estamos em trânsito, ouvindo, falando com as pessoas, inclusive com as que estão fechados entre muros, ampliando e moldando as bases das nossas crenças. É preciso ler muito, fortalecer os argumentos com fatos e filosofia, é preciso reconhecer e manter como elemento saudável, a contradição e as dúvidas. Estamos em constante fluxo, aprendemos e evoluímos todos os dias.

O número de Dunbar

Estudando a amplitude dos relacionamentos que conseguimos manter com os mais diversos tipos de pessoas, fiquei precupada em saber quantas dessas pessoas sou capaz de efetivamente amar, de nutrir algum tipo de sentimento como amizade, gratidão, lealdade, com quantas construo e compartilho uma história pessoal, com vínculos que valem a pena serem preservados. Penso que precisamos encontrar um equilíbrio entre a quantidade dos relacionamentos e o nível de intimidade que desenvolvemos com as pessoas envolvidas. É extremamente difícil chorar em um ombro virtual.

Por meio de estudos com primatas não humanos, o antropólogo britânico Robin Dunbar concluiu que o tamanho do neocórtex, parte do cérebro associada à cognição e à linguagem está vinculado ao tamanho de um grupo social coeso com o qual conseguimos nos relacionar. Em um estudo de 1993, Dunbar aplicou esse princípio aos seres humanos, examinando dados históricos, antropológicos e psicológicos contemporâneos e teorizou que os humanos não poderiam ter mais do que cerca de 150 relacionamentos significativos simultâneos, uma medida que ficou conhecida como número de Dunbar.

O número de Dunbar se aplica a relacionamentos de qualidade, amizades significativas não a conhecidos que representam as camadas externas mais casuais de nossas redes sociais. 150 é o número de pessoas com as quais mantemos uma relação com pouca ou nenhuma reserva, com uma história de vivências passadas em comum e algum nível de intimidade. Essas são as pessoas com as quais procuramos manter contato, em cujas trajetórias de vida temos um interesse maior. São pessoas com as quais recíprocamente trocaríamos ajuda.

Os indivíduos não dão peso igual a cada relacionamento e as evidências da hipótese do cérebro social sugerem que nosso círculo social mais fechado é formado por apenas cinco pessoas, que são os entes realmente queridos. Devemos acumular apenas 15 bons amigos, 50 amigos, 150 contatos significativos, 500 conhecidos e 1500 pessoas que você pode reconhecer de um evento ou outro. Dunbar diz que o que determina a camada de afeição na vida real é a frequência com que vemos as pessoas.

A maioria das relações são temporais e quando um novo amigo é feito, normalmente um antigo provavelmente será abandonado para equilibrar as relações. Quando as pessoas têm mais de 150 amigos, as relações excedentes geralmente são fugazes, pois o estudo considera que não é possível ter intimidade com número grande de pessoas. E, de acordo com ele, se um grupo exceder 150 pessoas, é improvável que o agrupamento dure muito tempo ou seja harmônico.

Há uma verdade implícita nos números de Dunbar que considero fazer muito sentido. Se nos dedicamos a construir relações sólidas, buscando informações sobre as pessoas, destinando-lhes tempo para mensagens e visitas, estes relacionamentos tornam-se melhores, mais significativos, por outro lado, isso provavelmente também limita o número de relacionamentos saudáveis e verdadeiros que conseguimos ter. Até mesmo na internet, é mais fácil ter relacionamentos mais sólidos quando temos menos contatos para dar atenção. E alguns relacionamentos deixamos morrer porque nos custa muita energia para mantê-los. No final, faz sentido que haja um número finito de amigos com os quais possamos compartilhar amorosamente nossa caminhada.

Evidentemente os números representam uma média e contextualidos o tempo, o alcançe incrível das mídias sociais, as contestações de alguns pesquisadores sem contra provas contundentes. A teoria de Dunbar tem quase 30 anos e  os jovens que nunca conheceram a vida sem internet, podem entender que as relações digitais são tão significativas quanto as presenciais.

*Robin Ian MacDonald Dunbar é um antropólogo e psicólogo evolucionista britânico, especialista em comportamento de primatas, é chefe do Grupo de Pesquisa em Neurociência Social e Evolutiva do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de Oxford.

Sofrendo tanto, poucas chegam tão longe

Na edição de 2021 do Women Map of Women in Politics, os dados mostram recordes históricos para o número de países com mulheres Chefes de Estado, bem como para a parcela de mulheres escolhidas como ministras. As mulheres ministras, no entanto, continuam a dominar pastas que cobrem assuntos sociais, assuntos da mulher e igualdade de gênero, educação. Dada a evidência de que as mulheres políticas são geralmente mais propensas do que os homens a apoiar pautas sociais e não apenas isso.

Um longo caminho a percorrer.

Lei que garanta a representação das mulheres na política existe, mas a necessidade das mulheres na política não é reconhecida e nem sempre apoiada pelos homens que dominam o cenário. Segundo o pesquisador, doutor em demografia, José Eustáquio Alves, a dificuldade para se alcançar a paridade de gênero na política não é culpa do eleitor, que elegeu e reelegeu Dilma Rousseff presidente, mas sim, dos partidos políticos, que criam barreiras para viabilizar candidaturas femininas.

É essencial que a mulher que ocupa um espaço de poder, abra caminho para outras entrarem.

Apesar de representarem mais de 51,8% da população e mais de 52% do eleitorado brasileiro, mulheres ainda são minoria na política. No Brasil, cumprindo o mandato de governadora há apenas uma mulher, Wilma de Faria, no estado do Rio Grande do Norte. Nos 89 anos em que as mulheres conquistaram o direito de serem eleitas sómente 6 Estados brasileiros já elegeram mulheres governadoras. A primeira eleita foi Roseana Sarney há 28 anos. Das 5.570 prefeituras apenas 658 cidades brasileiras são comandadas por mulheres desde janeiro de 2021. Dos 141 municípios de Mato Grosso, apenas 15 são comandados por mullheres.

A violência política contra as mulheres ser crime previsto em lei que tramitou demoradamente na Câmara e foi aprovada por unanimidade no Senado, sancionada pelo Presidente Bolsonaro desde o ano passado, proibindo a discriminação e a desigualdade de tratamento por gênero, raça em todos os espaços de representação política. Segundo a Agência Senado, a lei proibe obstaculizar ou restringir os direitos políticos das mulheres, não apenas durante as eleições, mas no exercício de qualquer função política ou pública. Também serão punidas práticas que depreciem a condição da mulher ou estimulem sua discriminação em razão do sexo feminino ou em relação a cor, raça ou etnia. 

Não basta serem chamadas de guerreiras, determinadas, com mais sensibilidade do que os homens. Na prática, na busca ou no exercício de seus direitos políticos, as mulheres continuam enfrentando humilhações, piadas sexualizadas, insultos, rumores sobre sua vida privada, aparência, sofrem exclusão, constantes interrupções nos debates legislativos e não são igualmente acudidas pelo financiamento com o fundo partidário para suas campanhas eleitorais.

Ao ler sobre a luta das mulheres para ocupar espaço político, sobretudo quando são ativistas nas causas incômodas aos poderes autoritários, levou-me a conhecer a história recente da jovem mexicana Elisa Zepeda Lagunas, 37 anos, defensora dos direitos e da participação das mulheres nas decisões do governo local. Foi a primeira prefeita do município de Eloxochitlán de Flores Magón, no distrito de Oaxaca e deputada para o Congresso Estadual de Oaxaca.

Na caminhada sofreu todo tipo de violência política. Ao destacar-se na organização de manifestações, em 2014 foi alertada pela administração municipal que as mulheres não deveriam participar da vida pública, nem ocupar-se de fazer denúncias. Ao participar de uma assembleia política, a casa onde estava sofreu uma emboscada por alguns homens da administração municipal.

No ataque, assassinaram seu irmão, feriram sua mãe, Elisa teve o carro e casa queimados.  Foi levada pelos agressores, torturada, deixada para morrer. Não morreu. Fotografou-se banhada em sangue e enviou a foto com pedido de socorro para ativistas dos direitos humanos, procuradoria do estado, autoridades nacionais. Uma comissão de inevestigação foi instaurada e os autores do crime foram condenados à prisão. Recebeu proteção do estado e isso permitiu que ela continuasse com seu ativismo.

Quando chegou a eleição municipal, pela primeira vez a população local escolheu uma mulher. Elisa foi eleita o correspondente ao cargo de prefeita, em 2016. Em 2018 candidatou-se ao Congresso Estadual de Oaxaca e elegeu-se deputada. Em campanha pela reeleição este ano, desistiu! Carros estranhos foram flagrados fazendo campana nas proximidades do comitê e os agressores que foram presos em 2014, foram colocados em liberdade.