Sou por acaso o guardião do meu irmão?

No caos de nossas vidas diárias, podemos ficar presos no vai-e-vem dos compromissos, na agitação do mundo e esquecer o quem realmente queremos ser e o que queremos fazer. Decidi que eu não quero desviar o olhar dos sofrimentos alheios e me pergunto: como uma pessoa comum como eu posso fazer a diferença no mundo de outras pessoas? Então, lembro-me de uma bela fala do ator Robin Williams: “Eu não sei quanto valor eu tenho nesse universo mas eu sei que fiz algumas pessoas mais felizes do que elas teriam sido sem mim e desde que eu sei disso, eu sou tão feliz quanto preciso ser”.

Bondade e caridade são as duas características humanas básicas, naturalmente, no universo moral, elas transbordam. A solidariedade é nossa única saída diante dos problemas e sofrimentos alheios. É quando fazemos o bem que reconhecemos nossa humanidade.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, no livro A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas, relata o comentário do filósofo naturalizado francês Emmanuel Lévinas sobre a resposta de Caim quando Deus lhe perguntou onde estava Abel. Caim respondeu, zangado, com outra pergunta: Sou por acaso guardião do meu irmão? O filósofo Lévinas diz que é claro que eu sou o guardião do meu irmão e quer que eu admita ou não, sou o guardião do meu irmão porque o bem-estar dele depende do que eu faço ou do que eu deixo de fazer.

E somente uma pessoa moral reconhece essa dependência e aceita a responsabilidade que ela implica. No momento em que questiono e renuncio a minha responsabilidade deixo de ser um ser moral. A dependência de meu irmão é o que me faz um ser ético, solidário. A dependência, a responsabilidade e a ética caminham juntas.

Se para Lévinas, nosso ponto de partida deve ser sempre a ética, a alteridade Bauman entende que deve ser a solidariedade. Para ambos o homem não é pastor de outro ser, é o guardião. O homem é um ser para acolher o outro. Ambos apostam que para evitar a desumanidade, só resta escutar a voz do outro, olhar o rosto humano e reparar em sua fragilidade. E então, a única coisa que resta é a bondade individual de um homem para com outro homem.

Longe de ser um santo, tanto o homem ético quanto o homem solidário devem ajudar a carregar em suas costas o sofrimento do desvalido, das minorias, dos famintos, dos sem esperança. O problema da ética e da solidariedade não é o simples reconhecimento da alteridade, mas a obrigação de se colocar no lugar do outro, o que hoje também entendemos como empatia.

Lévinas tem muito a ensinar sobre a humanização da sociedade contemporânea e por falar tanto em sentir a dor do outro, colocar-se no lugar do outro, tem sido citado como um filósofo da alteridade, da ética, do sagrado e da transcendência.

“Se o sofrimento do outro não me afeta, é porque algo me impede de ver seu rosto e a visão do rosto, quando acontece, sempre surpreende, pois caracteriza a visão do outro nunca antes percebida e isso rompe a indiferença. É sagrado quando deixo de ficar lado a lado com o meu irmão para ficar cara-a-cara”.

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