De que mulheres estamos falando quando discorremos sobre o mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a ‘proteção’ dos homens sobre as mulheres?
A antropóloga americana Ruth Landes chegou ao Brasil em 1939 e mesmo sendo seguida de perto pela polícia da ditadura de Getúlio Vargas, conseguiu fazer um estudo profundo sobre as mulheres brasileiras, em Salvador, na Bahia, que acabou transformando-se no livro A Cidade das Mulheres, onde traz a percepção que a autora denominou de um verdadeiro matriarcado econômico e cultural. A autora partiu da atuação destacada das mulheres dentro dos terreiros de candomblé e das vendedoras nos mercados da cidade, que como mulheres chefes de famílias pobres, precisavam trabalhar para sustentar a si mesmas e a seus filhos.
Ruth acompanhou a rotina de várias mulheres soteropolitanas e as descreveu como mulheres fortes, confiantes, que administravam açougues, quitandas, estavam atrás dos balcões de doces e frutas e nas barracas das feiras, onde vendiam especiarias, sabão e comida típica. Ao despedir-se para retornar aos Estados Unidos, ouviu da amiga brasileira: “pelo menos agora, você pode dizer-lhes que aqui não há onças passeando pelas ruas”. A antropóloga acrescentou: “vou falar-lhes isso, mas vou falar sobretudo das mulheres, penso que elas engrandecem o Brasil”.
Esse arranjo familiar pode ou não incluir um marido ou companheiro. Segundo pesquisa do IBGE, é menor a proporção das famílias chefiadas por mulheres onde há um cônjuge. Fato é que as mulheres ocupam um espaço cada vez maior no mercado de trabalho e contribuem cada vez mais com a renda das famílias, quando não são a única fonte de renda existente na casa.
É claro que as mulheres, nem de longe, alcançaram a verdadeira igualdade no local de trabalho. A discriminação baseada no gênero reflete no salário menor e o assédio sexual ainda persiste em todas as classes e níveis de trabalho. De acordo com uma matéria publicada na Revista Forbes, cerca de 60% das mulheres ganhariam mais se recebessem o mesmo que os homens com níveis de educação e horas de trabalho equivalentes.
Enfim, as pesquisas mostram o que é facilmente perceptível, que mesmo sendo responsáveis pelo sustento de suas famílias, as mulheres brasileiras ganham cerca de 27% a menos do que os homens, o que leva muitas a buscarem complemento de renda com atividades remuneradas, como manicure, venda de lanches, após exaustivo dia de trabalho.
Institutos como IBGE e IPEA se debruçam em números para mostrar essa realidade, que vem aumentando a cada dia. Ou seja, há cada vez mais mulheres chefiando famílias, a grande maioria se desdobra nas múltiplas funções por necessidade financeira, porém as análises mais recentes sobre o tema apresentam uma mudança nos papéis familiares e o principal indutor dessa mudança é a maciça inserção das mulheres no mercado de trabalho.
A estratificação das análises mostra que não há uma causa que tenha levado uma grande proporção de mulheres a sustentarem sozinhas a família, há sim, uma série de fatos conectados entre si, que vão desde o empoderamento feminino no sentido de despertar a consciência e encorajar às mulheres a empreenderem, a se lançarem como seres autônomas e capazes até as questões recorrentes de rompimento de laços familiares. Resulta disso, que as mulheres estão aprendendo a ser cada vez menos vulneráveis socialmente.