No livro “A Imortalidade”, Milan Kundera, consagrado escritor tcheco, fala do desejo das pessoas de permanecer na memória coletiva depois de desaparecer do mundo terreno, a verdadeira vida para muitos é viver no pensamento do outro. O autor diz que emitimos opiniões, exercemos atividades militantes para sermos notados, para termos nossa imagem fixada na memória dos outros. Os bens que impressionam não garantem a imortalidade, para permanecer na memória dos outros, temos que colocar encanto em tudo, tornar público o gesto, o sorriso, a sedução.
O essencial, porém, é o que não pode ser dito, senão vivido. Para o autor, são os gestos que tornam as pessoas imortais. O que eterniza a personagem do livro, é um gesto, um aceno cheio de simbolismo e sensualidade de uma mulher de meia-idade, à beira de uma piscina. A expressão do gesto arrebatou o coração do autor e sustentou o romance. Contudo, Kundera pontua que o gesto não revela a essência da mulher, pelo contrário, “a mulher revela o encanto de um gesto”.
De fato, as grandes narrativas têm sido substituídas por imagens memoráveis perpetuadas na mente e no imaginário de milhares de pessoas, desde o cotidiano gesto da mão que entrega a rosa com amor, os arroubos gestuais dos discursos dos políticos até a imagem de Lionel Messi levantando a taça da copa do mundo. Nenhuma palavra dita por Messi ou pelo adversário Mbappé ou outros se sobrepõe as imagens que correram o mundo da espetacular final. Toda a preparação, a pressão, o alto desempenho dos jogadores foram projetados nas imagens capturadas.
Não é preciso palavra para descrever a cena de Messi correndo desgarrado dos colegas da seleção para solitariamente se unir em abraço ao goleiro deitado na grama. As imagens reencarnam inevitavelmente ao longo da história, apesar da mortalidade dos indivíduos.
O momento atravessado por notícias falsas, por promessas vãs, falácias contribui para reduzir a importância do discurso, das metáforas, do embate de ideias meramente auto afirmativas. Na vida política brasileira atual, faltou um gesto de solidariedade ou gratidão do presidente Bolsonaro para os apoiadores sentirem-se abraçados, acolhidos, para guardarem boa memória afetiva dos protestos e do presidente. Os apoiadores, expostos à sol e chuva na frente dos quartéis, seu líder, encolhido e recolhido no palácio, emburrado, emudecido, seco.
A base do eu não é o pensamento, a palavra, assim como os personagens de Kundera, precisamos construir imagens significativas se quisermos evitar o apagamento da nossa individualidade na mente dos outros.