Faz de conta que ainda é cedo

Avantagem de começar a falar do próximo pleito eleitoral, em tempo considerado cedo, é que abre espaço para a participação efetiva na política de grandes massas de cidadãos que, de outra forma, permaneceriam excluídas. Sabemos que uma eleição é sempre mais do que quem ganha e quem perde. E embora pareça cedo para se pensar no próximo ano, entendo que o momento é perfeito para os partidos, que querem influenciar a eleição de 2024, irem moldando seus planos, avaliando a capilaridade do quadro de candidatos, abrindo portas para agregar novos grupos políticos.

Nas 141 cidades do estado o burburinho começou e não são somente os derrotados que estão pensando na próxima eleição. Tem gente grande no páreo, querendo viver experiências políticas no executivo, em 2024, sem contar com os prefeitos que pleiteiam a reeleição, sem precisar iniciar do zero um processo de construção local, embora ter mandato não seja sinônimo de ser reeleito.

Lembramos que em 2008, o então prefeito de Rondonópolis, Adilton Sachetti, perdeu a reeleição para o atual prefeito, José do Pátio e em Sorriso, Dilceu Rossato, perdeu a reeleição para Chico Bedin, que em 2012, perdeu a reeleição para o próprio Rossato.

Chamo à atenção dos candidatos a prefeito que cumprem mandatos ou exercem cargos fora de suas cidades, sobretudo na distante Brasília. Na última eleição, em 2020, dos 69 parlamentares federais que disputaram as eleições municipais no país, apenas 12 venceram nas urnas. Em Sinop-MT, o deputado federal Juarez Costa perdeu a eleição para Roberto Dorner, deputado Emanuelzinho perdeu em Várzea Grande para Kalil. Portanto, vantagem percebida para quem está presente nos bairros, no dia a dia com a população.

Eleições têm elementos que se repetem em todas e o cientista político Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP, assinala que a indecisão é um desses elementos, mais de 30% dos eleitores do país seguem indecisos até o momento final, porque esse eleitorado foge das candidaturas requentadas e fica esperando uma novidade que não consegue encontrar nos nomes tradicionais. Outra verdade que não muda e sempre é a peça-chave das eleições são as alianças, as famosas coligações partidárias, que ampliam o tamanho e a diversidade dentro de uma candidatura. Para complicar, há a possibilidade da fusão entre alguns partidos.

Cuiabá, uma cidade tricentenária, com mais de 320 bairros, segundo a concessionária de abastecimento de água e 115 registrados no poder municipal, conta com cerca de 6 a 7 pré-candidatos a prefeito. A disputa para a prefeitura sempre foi palco de grandes construções políticas, cito os bairros porque, desde a eleição do ícone maior da política mato-grossense Dante de Oliveira, a prefeito de Cuiabá, em 1985, tem-se estabelecido uma relação simbiótica entre as campanhas a prefeito e as associações de bairros.

A importância da participação dos líderes comunitários era exaltada pelo próprio Dante que em 1992 elegeu-se novamente prefeito da capital, candidato por uma frente ampla, com coordenação e participação efetiva de presidentes de associações de bairros. Por ironia, Dante não concluiu os mandatos nas duas vezes que venceu a eleição em Cuiabá. Na primeira eleição, renunciou para ser ministro e na segunda para candidatar-se ao governo do estado.

Demanda tempo com qualidade para visitar o máximo possível dos 431.107 eleitores espalhados por mais de 300 bairros, a maioria com idade de 45 a 60 anos, sendo 54%, mulheres.

2024 está realmente batendo à porta. O Tribunal Superior Eleitoral, sob o comando do ministro Alexandre de Moraes, reuniu todos os presidentes regionais dos TREs do país semana passada, para planejar e alinhar as ações para as eleições municipais, visando sobretudo atacar o que foi a grande preocupação da eleição anterior; a desinformação e as notícias falsas e desfazer a ideia errônea de que a liberdade para agressões, discursos de ódio e antidemocráticos são práticas permitidas no ambiente virtual.

Estar presente no mundo e a sanidade mental

Eu quero estar presente no mundo, saber o que está acontecendo, mas o teor das notícias e a velocidade com que elas se propagam estão causando a mim e tantos outros, um nível preocupante de descompensação emocional. Afirmo que meu desejo de estar bem-informada está atualmente em desacordo com meu desejo de permanecer sadia.

Tem sido um ano desafiador em termos de notícias ruins, pesadas e difíceis de superar. Em apenas 3 meses, 2023 já mostrou a cara perversa da violência com o ataque às instituições em Brasília em 08 de janeiro, a chacina de Sinop, em fevereiro, a fúria das águas no litoral de São Paulo, que deixou um rastro de destruição e 65 mortos, o ataque a Escola em SP, que matou uma professora e desde então, deixou uma inacreditável marca de 279 ameaças de ataques em escolas paulistas, conforme informação da Polícia Civil e entramos abril com a tragédia na creche em Santa Catarina, que deixou 4 crianças mortas e outras feridas. Não há outro nome senão uma epidemia de notícias devastadoras.

E em um mundo onde as más notícias surgem em alta em 2023, essas são apenas algumas das manchetes mórbidas, com vítimas fatais, que dominaram o noticiário de janeiro até agora. Entretanto, não são apenas as notícias de ataques, desastres naturais com vítimas que chocam, acrescenta-se os casos macabros dos trabalhadores resgatados em situação de escravidão, 85 pessoas somente no Rio Grande do Sul, esse ano, a denúncia, que está sendo apurada pela Polícia Federal, da atuação de grupos neonazistas no sul do país. 

É preciso dosar, equilibrar o tempo lendo notícias com o tempo lendo um bom livro, afinal, gerenciar a energia e o bem-estar não é egoísmo e sim, prevenção a um mal, considerado uma espiral negativa, apelidada de “doomscrolling” – uma tendência de insistir na busca por notícias ruins, tristes e deprimentes, que pode prejudicar a saúde mental. Estudos associaram o consumo de más notícias ao aumento da angústia, ansiedade e depressão, mesmo quando as notícias em questão são relativamente mundanas. Li um artigo do Dr. Graham Davey, professor emérito de psicologia da Universidade de Sussex, UK, com mais de 140 artigos científicos publicados nas revistas e jornais especializados, sobre a exposição a más notícias, que podem fazer com que as preocupações pessoais pareçam maiores e até causar “reações agudas de estresse e alguns sintomas de transtorno de estresse pós-traumático que podem durar muito tempo”. Diz ainda, que “os sentimentos de medo, tristeza e indignação desencadeados por manchetes negativas podem manter as pessoas presas em um padrão de monitoramento frequente”. Um preocupante quase vício.

Não há em mim a necessidade artificial de estar ‘por dentro’ das coisas e não considero a opção de desativar, e sim, equilibrar, o sininho que notifica a chegada das notícias, porque notícias boas chegam também, não com a mesma velocidade, não com a mesma ênfase. Li, que, em 2023, a primeira mulher preta chega no cargo máximo da Marinha Brasileira; apesar do problema de saúde recente, o Papa Francisco visitou na Sexta-Feira Santa uma casa de detenção de menores e lavou os pés de 12 jovens em privação de liberdade; o ator Brad Pitt comprou algumas pequenas casas ao lado da sua mansão, numa delas, morava um idoso, de 90 anos, que havia ficado viúvo. O ator decidiu deixar o vizinho continuar morando de graça até morrer.  O vizinho viveu até os 105 anos.   

 As notícias pinçadas para divulgação, boas ou ruins não têm poder de explicar o mundo, são bolhas estourando na superfície de um mundo mais profundo, portanto, cuidado com a forma como você consome as notícias que recebe.

Sem vocação para a felicidade

Os países que têm a população mais feliz no mundo são nórdicos e governados por mulheres, Finlândia, Dinamarca, Islândia, Noruega, Suécia. O estudo do “World Happiness Report de 2023”, com pesquisa feita pela Gallup classifica a felicidade de 150 nações, com base em uma média de três anos, considerando elementos que incluem além da renda e expectativa de vida, os indivíduos foram questionados sobre o apoio social que recebem por parte de familiares e amigos quando enfrentam problemas, sobre o exercício dos direitos humanos, a liberdade de escolher o que fazer com a vida, envolvimento com instituições de caridade, sobre o nível de confiança nas instituições governamentais e privadas e como age em caso de percepção de corrupção.

As mulheres que lideram os países citados são jovens como a primeira-ministra finlandesa Sanna Marin, uma figura feminista, que faz manchete por comportar-se naturalmente como uma jovem de 37 anos, que dança e bebe com amigos até tarde da noite, fala contra o sexismo e rebate tentativas de desmerecê-la por ser muito jovem. Mais da metade do seu ministério é composto por mulheres, que aprovaram uma nova lei que concede até sete meses de licença remunerada para cada novo pai.

São mulheres que governam com um olho no sistema de tributação, saúde e educação e o outro, voltado para o apoio às vítimas de agressão sexual, fazem pronunciamentos contundentes contra o sexismo e a discriminação no local de trabalho, seus países ocupam as primeiras posições nas questões. de igualdade de gênero, mantém em seus governos política de garantia de que todas as crianças até a idade escolar estejam frequentando uma creche e os pais, com renda menor, podem reivindicar o subsídio do governo de até 75% dos custos com os cuidados da criança. Não surpreende que nesses países cerca de 96% de todas as crianças estejam matriculadas na educação infantil.

E como estamos nós? No Brasil onde se ganha eleição falando de economia e não de políticas de bem-estar, ainda estamos mitigando a pobreza e sem conseguir garantir sequer o direito à educação da primeira infância, previsto na Constituição Federal, conforme o Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: […] IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade. Na questão de igualdade de gênero estamos na 78ª posição entre 144 países e entre os 25 países da América Latina, patinamos na 22ª posição.

A redução da pobreza e a garantia dos direitos previstos na Constituição é um estica/encolhe inadmissível. O progresso social do Brasil está sempre ameaçado pelo medo de se implementar reformas que podem aumentar a inclusão e isso resultar em aumento de custos fiscais e penalizar os que pouco se importam com o bem-estar e felicidade das pessoas.

Por mais ingênuo que possa parecer, o ex-senador Cristovam Buarque, embalado pelo ativismo do Movimento Mais Feliz, tentou que fossemos cidadãos felizes apenas alterando o texto da Constituição Federal. Apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição – PEC 19/2010, chamada de PEC da Felicidade, que alteraria o artigo 6º da Constituição Federal para incluir a frase “a busca da Felicidade” no texto e o artigo passaria a ser escrito: “São direitos sociais essenciais, à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Em meio a zombaria geral, a PEC foi arquivada.

É elementar que garantir, de fato, os direitos sociais ao cidadão, tira-lhe um peso aflitivo dos ombros, mas até hoje, 35 anos depois de promulgada a nossa Constituição a classe política e a justiça não conseguiu sequer fazer cumprir o que, originalmente está escrito lá. Assim, enquanto caminhamos um passo, nossa felicidade, enquanto nação, caminha mil passos adiante. No ranking dos países com a população feliz, o Brasil caiu da 38ª posição para 49ª em 2023.

Estamos exaustos

Asociedade do século XXI transformou-se na sociedade de cobrança por desempenho e nós, nos tornamos sujeitos forçados a aceitar todas as tarefas e realizá-las a qualquer custo. O filósofo Byung-Chul Han, nascido sul-coreano e radicado na Alemanha escreveu um livro sobre o que ele denominou de “sociedade do cansaço”, o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso de positividade, individualismo, competição e consumo excessivo. A consequência de todo esse sistema de cobrança de desempenho foi pior saúde mental – pior sono, menos calma, mais ansiedade.

Uma sociedade que atribui e cobra do ser humano as qualidades do computador (multitarefa, velocidade, desempenho) não seria a causa do fenômeno generalizado dos esgotamentos mentais, dos infartos da alma?

Diz Han, que a técnica temporal de sermos multitarefas (multitasking) não representa nenhum progresso civilizatório. A multitarefa não é uma capacidade para a qual só seria capaz o homem na sociedade trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se de um retrocesso. A multitarefa está amplamente disseminada entre os animais em estado selvagem. Trata-se de uma técnica de atenção, indispensável para sobreviver na vida selvagem. “Um animal ocupado no exercício da mastigação de sua comida tem de ocupar-se ao mesmo tempo também com outras atividades. Deve, no mínimo, cuidar para que, ao comer, ele próprio não acabe comido”.

O sujeito escravo da busca pelo bom desempenho em todas as atividades da vida, encontra-se em guerra constante consigo mesmo. Diante da preocupação em viver bem reagimos com hiperatividade, com a histeria do trabalho acelerado, da visibilidade, da boa performance, não é de admirar que as pessoas estejam se sentindo sobrecarregadas e exaustas.

A sociedade do desempenho e a sociedade a mil por hora geram um cansaço e esgotamento excessivos. Esses estados psíquicos são característicos de um mundo que se tornou pobre em negatividade e que é dominado por um excesso de positividade quanto a cumprir todas as tarefas, no menos espaço de tempo e a qualquer custo.

É possível associar o estudo da ‘sociedade exausta’ à depressão e síndrome de burnout, descrevendo como consequência da nossa incapacidade de dizer não e de, no fundo, não ser capaz de fazer tudo. Uma forma de autodestruição que nos vence com um colapso nervoso ou esgotamento.  A Síndrome de Burnout expressa a consumação da alma e a ilusão de acreditar que quanto mais ativos nos tornamos tanto mais livres e felizes seremos.

O que causa o esgotamento é a pressão pelo desempenho, pela realização pessoal e a ideia turva de que a felicidade somente será atingida se tivermos sucesso individual.  A lamúria do indivíduo exausto de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível.

O vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2019, Peter Handke, também escreveu um Ensaio sobre o cansaço, diferencia os graus de fatiga e fala sobre um estado onde nem todos os sentidos estariam extenuados e levaria o homem para um abandono especial, para um não fazer o que não suporta, para ao final, sugerir uma reavaliação da vida, dedicar a momentos de contemplação e fugir das pressões e artimanhas do ego que nos escraviza.

Você pensa assim porque é mulher

OSegundo Sexo escrito pela filósofa francesa Simone de Beauvoir, em 1949, aborda a posição da mulher na sociedade da época e descreve as maneiras pelas quais a mulher é percebida como “outro”, secundária ao homem, que é considerado e tratado como o primeiro ou sexo padrão. Contextualizando o período europeu do pós-guerra, a passagem do tempo, exatamente 74 anos, os avanços comportamentais advindos de lutas e exposição de figuras femininas, é extremamente pertinente que as jovens modernas de hoje façam uma leitura crítica do texto. 

Uma das frases mais famosas do livro é: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Simone de Beauvoir explica com isso que os papéis que associamos às mulheres não são dados a elas inerentemente, em virtude de sua biologia, mas são construídos socialmente, através de lutas, levantes diante da opressão que sofrem. As mulheres aprendem o que devem ser na vida, que tipo de papéis podem ou não desempenhar em virtude de serem do “segundo sexo”.

Faz sentido, que se alguém é ensinado durante toda a sua vida que para ser uma mulher, para aceitar a relação de hierarquia e normas, ela deve ter uma certa aparência, agir de certa maneira, desempenhar um papel subserviente dentro de sua família e trabalhar apenas em certos tipos de empregos, ter filhos, organizar a casa, isso vai afetar o senso de liberdade e autenticidade do ser feminino. Ser visto e muitas vezes, se sentir como “o segundo sexo” certamente é complicado e isso vai moldar o que você pensa que são suas escolhas de vida e vai mudar a forma como você percebe sua própria liberdade.

Na introdução do livro, a autora cita o filósofo grego Aristóteles, para quem “a fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades, devemos considerar o caráter das mulheres como sofrendo de certa deficiência natural”. São Tomás de Aquino, decreta que a mulher é um homem incompleto, um ser não autônomo. Acrescento aqui a fala desconcertante do filósofo alemão Arthur Schopenhauer: “O que distingue o homem do animal é a razão; confinado no presente, lembra-se do passado e pensa no futuro: daí a sua prudência, os seus cuidados, as suas frequentes apreensões. A razão débil da mulher não participa dessas vantagens nem desses inconvenientes; sofre de uma miopia intelectual que lhe permite, por uma espécie de intuição, ver de uma maneira penetrante as coisas próximas; mas o seu horizonte é limitado, escapa-lhe o que é distante”.

   Ainda hoje ouvimos: “você pensa assim porque é mulher”, numa tentativa de reduzir nossa capacidade de elaborar um raciocínio lógico, ao que Simone de Beauvoir respondia prontamente: “penso-o porque é verdadeiro”, eliminando assim a subjetividade se dissesse: “você pensa o contrário porque é homem”. Ainda hoje, não há vestígios e sim evidências de que os avanços ocorridos na trajetória das mulheres desestabilizam milhares de homens.

Nesse sentido, sinto-me compelida a dar visibilidade às violências cometidas contra as mulheres, que foram silenciadas, mortas, impedidas de se colocarem como sujeitos de suas próprias existências porque certos homens impuseram limitações a sua liberdade de escolha, sobretudo quando decidiram pôr fim a um relacionamento. Padrões machistas seguem firmes e encerram precocemente a vida de milhares de mulheres, que ainda pela desinformação sobre seus direitos, pela falta de apoio de familiares, vulnerabilidade e dependência não denunciam os companheiros na primeira observação que estes não superaram sequer a tradição da posse do corpo feminino.

Sobre isso, Simone de Beauvoir disse: “Ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade.”

  As questões fundamentais da mulher residem ainda no conflito entre realizar suas aspirações essenciais, viver a situação de independência e liberdade, desbloquear as estradas que estão fechadas, sem pagar com a vida.

Para mudar é preciso mais do que resolver mudar, é preciso agir

Durante muito tempo viveu-se na crença de que a família seria o refúgio seguro de qualquer pessoa, sendo apontada dentro do contexto de proteção, capaz de garantir segurança e fornecer os bens essenciais e os cuidados básicos necessários ao desenvolvimento integral da criança.

Todavia, atualmente, os estudos têm demonstrado que a violência dentro da instituição familiar é uma realidade assustadora, que vitimiza a criança que se encontra exposta à violência entre duas pessoas com as quais compartilha o mesmo espaço e, muitas vezes, o mesmo sentimento de amor.

Cerca de 55,3% dos crimes são cometidos no ambiente doméstico e 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas e o tema da orfandade deixada pelo feminicídio se apresenta como uma questão de extrema urgência a exigir novas políticas públicas a respeito.

A situação dos órfãos, vítimas indiretas e que até certo ponto eram invisíveis da violência doméstica, começam a aparecer nos artigos, pesquisas, trabalhos nas bases das famílias destruídas após o assassinato da mãe e em muitos casos, a prisão do pai e lançou luzes sobre a situação dessas crianças e adolescentes que representam um grave problema social, que precisa ser enfrentado com políticas públicas que minimizem os efeitos do trauma e impeçam a perpetuação do ciclo da violência doméstica entre as gerações.

Cada criança desenvolve, obviamente, forma diferente para lidar com a vitimização. Dentro da profundeza de seus dramas, muitas crianças que perdem a mãe são criadas pelos avós, que sobrevivem com minguadas aposentadorias. Portanto, as crianças de famílias de baixa renda, órfãs do feminicídio insurgem como uma emergência nacional e a situação só pode melhorar se o governo fizer algo por elas. 

É papel do Estado mitigar os impactos trágicos causados pelo feminicídio por meio de benefícios sociais. Lei que contempla a ajuda financeira aos órfãos de feminicídio já existe no município de Cuiabá há mais de um ano e tem sido referência para outras capitais que também implementaram o auxílio.

Semana passada a Câmara dos Deputados votou e aprovou benefício a ser pago a crianças e adolescentes, de famílias de baixa renda, que tenham ficado órfãos em decorrência de feminicídio, nos termos da Lei Federal nº 13.104, de 09 de março de 2015, a lei que torna o feminicídio um homicídio qualificado e o coloca na lista de crimes hediondos, com penas mais elevadas. Será pago um salário-mínimo, hoje de R$ 1.302 por família até que todos os filhos completem 18 anos. A proposta segue para análise do Senado.

Finalmente, em termo nacional, pensa-se numa reparação financeira, considerando a importância da figura materna como provedora não somente de estímulos afetivos mas também, provisão de recursos materiais nas camadas mais vulneráveis da população brasileira. O projeto é de autoria de várias deputadas e ex-deputadas federais.

Não é necessário ler a justificativa do projeto de lei, basta ler a manchete estampada nos principais meios de comunicação do país: Brasil bate recorde de feminicídios em 2022, com uma mulher morta a cada 6 horas. Este número é o maior registrado no país desde que a lei de feminicídio entrou em vigor, em 2015.

Ser o quinto país que mais mata mulheres, não basta, o Brasil segue firme em direção da liderança mundial em feminicídio. Em um grupo de 83 países avaliados, o Brasil detém a quinta maior taxa de homicídios contra a mulher (4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres).

A mensagem transversal que deixa a lei aprovada recentemente é o reconhecimento da nossa incapacidade como sociedade, apesar do endurecimento das leis, de reduzir os casos de feminicídio, restando a opção de amparar minimamente os órfãos produzidos por essa tragédia, para que não abandonem os estudos e seus sonhos.