A responsabilização da mulher pela violência contra ela mesma

Apesar dos esforços significativos feitos pelos governos, os assassinatos de mulheres relacionados a gênero permanecem em níveis inaceitáveis na sociedade brasileira. Muitas vezes, esses assassinatos são o culminar de episódios repetidos de violência de gênero, o que significa que poderiam ser evitados por meio de denúncias e intervenções de familiares, vizinhos e amigos. Outras questões, como a dominação masculina explícita, quando a mulher se recusa a beber mais, recusa sexo, decreta o fim do relacionamento estão nas cenas dos crimes excessivamente violentos, indicando sadismo e misoginia.  

Desde 1827 um pequeno livro chamado “As confissões de um feminicídio não executado”, de autoria de William MacNish, que narrou sobre como seduziu, engravidou, abandonou e assassinou uma jovem, que a palavra feminicídio tem sido usada. A palavra, a princípio era entendida como todos os assassinatos de mulheres, independentemente do motivo ou do status do assassino.

Diante do aumento dos casos, ganhou amplitude e a definição foi adaptada para o assassinato de mulheres por homens pelo fato de serem mulheres. Hoje, destaca-se o feminicídio no contexto das relações desiguais de gênero e da noção de poder e domínio masculino sobre as mulheres, “o assassinato de mulheres por homens motivados por ódio, desprezo, prazer ou um sentimento de propriedade das mulheres”, ou seja, sexismo.

No livro citado, escrito em 1827 fala pela primeira vez em feminicídio e culpa recai sobre a mulher. O recente caso de violência estarrecedora contra uma mulher ocorrido em Cuiabá essa semana, mostrou que pouco mudou a prática de culpar a vítima por sua própria morte. A desequilibrada interpretação social do comportamento livre, das roupas femininas como provocativos surge da objetificação dos corpos femininos e esse argumento, além de reforçar uma concepção objetificada das mulheres, aumenta a vulnerabilidade delas à agressão e as colocam responsáveis diretamente por seus próprios ataques e mortes.

Quando o comportamento de uma mulher é descrito como livre, ela é igualmente reduzida a um objeto sexual despersonalizado, um corpo onde só existe as partes sexuais.  Além disso, um desejo específico é atribuído a ela, o desejo de atenção sexual dos homens. Essa atribuição não é uma forma de respeito à autonomia da mulher.

Ao contrário, nega sua autonomia ao ignorar a credibilidade pessoal, profissional, atributos pessoais interiores. A responsabilização da mulher pela violência contra ela mesma é como uma desculpa moral, que sugere que um homem excitado não consegue se controlar, que um homem abandonado não consegue reconstruir a vida.

Para desafiar essas crenças e os danos que elas causam, devemos rejeitar a linguagem que transfere a responsabilidade pela violência masculina para as mulheres, não importam as circunstâncias. Sorte tem os homens que não são obrigados a monitorar seu comportamento e roupas para evitar “provocar” as mulheres porque o desejo sexual feminino não é um elemento potencialmente perigoso com o qual os homens devem negociar para se protegerem de ataques violentos e assédios sexuais.

No Senado Federal tramita um projeto de lei apresentado pelo senador Fabiano Contarato para tentar estancar a prática machista de culpar a mulher vítima pela violência sofrida, que, além propor alteração na legislação penal estabelece regras adicionais nos casos de inquirição de vítimas e testemunhas de crimes contra a dignidade sexual, a fim de obrigar os agentes públicos a não atuarem ou permitirem a revitimização da ofendida, normalmente exposta com desprezo nas peças processuais ao terem fotos e fatos íntimos citados pelos advogados dos acusados, sem repreensão de juízes e promotores. (Agência Senado)  

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