A sustentável paixão por Milan Kundera

Milan Kundera, excepcional romancista, ensaísta, poeta e crítico político tcheco, morreu essa semana, em Paris aos 94 anos. Ele é terrivelmente direto, muito contundente, por isso recusa as consolações do sentimentalismo ou da moralidade, viu e escreveu o que os escritores anteriores não puderam ver ou dizer. O foco dos romances de Kundera é sua luta com questões de conhecimento, a complexidade do ser e uma incerteza inquietante. “Parece-me que em todo o mundo as pessoas hoje em dia preferem julgar a entender, responder a perguntar, de modo que a voz do romance dificilmente pode ser ouvida sobre a ruidosa tolice das certezas humanas”.

Peso e leveza, riso e esquecimento, repetição e mudança, política e sexo, para Kundera, o que a ficção faz é dizer ao leitor que as coisas não são tão simples quanto se pensa, embora nunca tenha se visto como um homem político, um moralista, um liberal, conservador ou um escritor famoso. Ele se considerava simplesmente, um novelista.

É senso comum imaginar que um escritor de tal densidade, seriedade e brilhantismo deveria ter ganhado o Prêmio Nobel de Literatura em algum momento de sua longa vida. Afinal, ganhou muitos prêmios importantes. Talvez tenha sido seu estilo de escrita que fez com que a Academia o visse indicado em várias ocasiões, mas nunca lhe concedeu o prêmio. Segundo alguns críticos literários, Milan Kundera se tornou um contador de verdades inconvenientes para a era moderna talvez haja algo nisso que tenha perturbado o Comitê do Nobel de Literatura.

á li queixas de mulheres, que seu tom e narração de cenas de sexo, a representação das mulheres pode ser apresentada como masculinidade ultrapassada. Não me abalou o encanto com seus romances e ensaios, a maioria de inspirações autobiográficas.

Kundera nasceu e cresceu na Tchecoslováquia, hoje República Tcheca, ocupada pelos nazistas, depois viu a antiga União Soviética invadir seu país, sob o regime comunista. Foi membro ativo do Partido Comunista. Kundera sabia sobre opressão e desumanidade. Escreveu que o totalitarismo não é apenas o inferno, mas também o sonho do paraíso, a promessa de um mundo onde todos viveriam em harmonia.

Desencantou-se com o comunismo, foi uma das principais vozes do movimento Primavera de Praga em 1968, pedindo liberdade de expressão e direitos iguais para o povo tcheco. Foi expulso do Partido Comunista sob alegação de pregar o anticomunismo e trair os ideais dos governantes de seu país. Exilou-se na França e quatro anos depois o governo tirou-lhe a cidadania tcheca. Em 2019, 40 anos depois, o governo tcheco restabeleceu sua cidadania e de sua esposa.

A partir da França, continuou escrevendo e atacando o regime comunista, como no Livro do Riso e do Esquecimento, onde narra que um grupo de comunistas fiéis ao regime dançam em um círculo, se eleva no ar e paira sobre a cidade sorrindo. ‘Eles riem o riso dos anjos enquanto abaixo deles, os carrascos estão matando presos políticos’.

No seu romance mais conhecido, A Insustentável Leveza do Ser, escrito em 1984 adaptado para o cinema anos depois, Milan Kundera destila sua indignação contra a política totalitária, tornando o cenário da Primavera de Praga e a brutalidade do regime soviético sobre a Tchecoslováquia um dos temas centrais da história. Adiciona com genialidade uma narrativa erótica que sugere que o sexo despreocupado e livre pode nos permitir viver plenamente o momento, que isso pode nos levar a trocar o peso do eterno pela leveza de estar vivo, aqui e agora, o conflito que pode existir em cada um de nós entre o desejo de autenticidade e o dever de lucidez.

Milan Kundera é um escritor de frases poderosas. No ensaio ‘Inimizade e Amizade’, Milan Kundera fala sobre a amizade e desavenças políticas. “Em nosso tempo, as pessoas aprenderam a subordinar a amizade ao que se chama de convicções. É preciso muita maturidade para entender que a opinião que defendemos é apenas a hipótese que defendemos, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória, que apenas mentes muito limitadas podem declarar ser uma certeza ou uma verdade. Ao contrário da lealdade a uma convicção, a lealdade a uma amizade é uma virtude, talvez a única virtude, a última que resta. Na hora do balanço final, a ferida mais dolorosa é das amizades feridas e nada é mais tolo que sacrificar uma amizade pela política”.

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