Oque nos comove? A floresta devastada? Os povos originários? A ausência do Estado? A morte de Bruno e de Dom? pergunta a historiadora e filósofa Janice Theodoro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP em artigo publicado essa semana.
São quatro questionamentos imbricados sobre a violência que hoje representa o Brasil muito mais do que o samba e futebol. Embora a proteção aos defensores de direitos humanos no Brasil esteja amparada pelo Decreto nº 9.937/2019, que instituiu o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, o Brasil foi nomeado em quarto lugar como o país que mais mata ativistas ambientais no mundo. Mary Lawlor, relatora Especial das Nações Unidas, em fala sobre a situação dos defensores dos Direitos Humanos enfatizou que, no Brasil, há violência sistemática contra lideranças indígenas e defensores de direitos humanos devido ao que considera um ambiente favorável para a ação de mineiros, madeireiros, grileiros e pecuaristas.
Os relatórios também apontam que persistem os assassinatos de ativistas porque as investigações dos casos ficam travadas na esfera estadual e que a impunidade e a ausência de responsabilização na maioria dos casos permanece como uma característica do problema da violência na Amazônia.
O cruel assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira remete sobretudo à história de Chico Mendes e Dorothy Stang, também assassinados na Amazônia. Chico Mendes, seringueiro no Acre, sindicalista e ativista respeitado, liderou manifestações nos anos 1970 para conter o desmatamento na Amazônia. Suas ações pela preservação, o levou a ser premiado pela ONU e assassinado no Brasil, em 1988 em frente à sua casa, em Xapuri, no Acre.
Os autores do crime, pai e filho fazendeiros planejavam transformar uma área defendida por Chico Mendes em uma grande propriedade da família. Sua morte foi uma reação a sua luta como sindicalista pelos direitos dos seringueiros e povos indígenas da Amazônia.
O poderoso Diretor Geral da Polícia Federal à época, Romeu Tuma, foi para o Acre acompanhar pessoalmente a apuração do assassinato, José Sarney, presidente, fez discurso inflamado das Nações Unidas, criou o Ibama, os assassinos, pai e filho se entregaram à polícia e foram condenados a 19 anos de prisão.
A missionária americana, naturalizada brasileira, dedicou-se por décadas a luta pela proteção ambiental e pelos direitos de pequenos trabalhadores rurais. Ameaçada de morte inúmeras vezes, a missionária dizia: “Não vou fugir nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade, sem devastar”. Relatou as ameaças ao Secretário Nacional de Direitos Humanos. Não adiantou. Dorothy foi assassinada com sete tiros. Presidente à época, Lula disse que não descansaria enquanto não prendessem os responsáveis pelo assassinato.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva instalou seu gabinete no Pará, para acompanhar o desfecho do caso. Mais de cinco outros defensores dos povos originários e da floresta foram assassinados recentemente, conforme citação nos noticiários recentes.
E até aqui, qual tem sido a reação do governo brasileiro diante do brutal assassinato de Dom e Bruno? Frases desconexas como: “o inglês é mal visto na Amazônia”, “eles embarcaram numa aventura, num lugar errado e deveriam tomar cuidado”, contrastam com a mensagem enviada por Bruno a uma ONG: “Estou indo ao Javari de novo. Tem muita coisa acontecendo lá. O garimpo está violento novamente no entorno da terra indígena, muito próximo dos isolados. Perseguição e tentativa de intimidar não sou só eu que estou recebendo, tem muita gente junto, mas tudo isso vai passar, eu espero, tudo isso vai passar”.