Conversando sobre política com as crianças

  

Impressionante como as crianças, embora não lembradas devidamente nos programas políticos, se envolvem com as eleições. Vinicius, 9 anos encontrou uma candidata, na qual queria votar para vereadora. Os motivos que o levou ao encantamento com a jovem candidata realmente me surpreendeu. Disse-me que a moça colocou cestos de lixo nos canteiros centrais de Cuiabá com nome e número, em vez das tão criticadas placas de propaganda. Atitude louvável, não resta dúvida.

Em outra ponta o escritor Rubem Alves escreveu com extremo bom humor, uma série de quatro belos textos (bem eu só li estes) sobre como explicar a política para as crianças. Conta que no princípio de tudo, na era do homem contra o homem, quem tinha o “porrete” maior, mandava mais. Os homens não se entendiam e como numa partida de futebol, sem árbitro, sem regras não era mais possível continuar. Então, criaram a política para, através dela, restabelecer a ordem. Os homens elegeram os seus reis; jovens ricos e bonitos, que ao terem a coroa na cabeça e espada nas mãos transformaram-se em tiranos e esqueceram do povo. Foi assim durante muitos séculos, até que os homens reuniram-se novamente e decidiram estabelecer um contrato para garantir da igualdade entre eles.

Rubem Alves usa e abusa de metáforas para explicar a democracia, o exercício da liberdade, transparência e honestidade, onde os representantes escolhidos pelo povo tinham um único ideal: trabalhar pelo bem de todos. Contudo, o poder continuava a corromper os ideais dos homens. Ironicamente o autor usa um banquete para ilustrar os problemas da igualdade democrática. Na mesa havia um queijo grande para ser dividido entre todos os ratos, resguardando-se o costume; os ratos grandes e fortes à frente, os fracos e humildes, atrás. O queijo começa a ficar pequeno e ficam sem comida os que vem lá atrás. Os bichos se revoltam como na literatura de George Orwell, em “ A revolução dos bichos”.

É a estória dos animais de uma fazenda; cavalos, porcos, vacas, cabritos, patos, gansos, cachorros, que cansaram-se de ser explorados pelo fazendeiro e resolveram fazer uma revolução. Uniram-se e expulsaram o fazendeiro aos coices, das suas terras. Os bichos criaram novas leis, estabeleceram a igualdade como princípio entre eles e escolheram seus líderes. Mas logo esses líderes, que antes eram oprimidos se tornaram opressores. Nem todos os bichos tinham tratamento igual. No quarto texto, os bichos criam partidos políticos com plataformas distintas para concorrerem as eleições. Havia o partido das Bananas, da Lingüiça e dos Abacaxis. Os vencedores tomaram posse, elaboraram novas leis, que continuaram a ser desrespeitadas.

O Partido das bananas percebeu que as leis eram armadilhas e convocou os aliados, os pássaros para uma grande manifestação pública. Como no filme de Alfred Hitchcock, os pássaros vieram em bando. Os ataques foram piorando progressivamente, começando com algumas gaivotas, corvos, até chegar a um cenário quase apocalíptico, com o céu coberto de negro, pássaros por toda parte piando e gritando, num movimento orquestrado para depor o governo corrompido. Há sempre uma forma alegórica ou lírica para explicar as coisas do mundo adulto para as crianças. Mas aos adultos muitas vezes, falta resposta para certas indagações sobre as crianças.

Como explicar que embora seja dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a elas o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, isso ainda não se concretizou plenamente?

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