Excesso e moderação

Os autores clássicos concordavam com a importância da moderação mas também deixavam claro que não é uma virtude fácil. Tácito a chamou de “a mais difícil lição de sabedoria”, Horácio ligava a moderação a todas as coisas boas mas difíceis de alcançar na prática. Platão destacou tanto a importância quanto a dificuldade da moderação em A República, onde a definiu como a virtude que nos permite temperar nossas paixões, emoções e desejos. Aristóteles na Ética a Nicômaco, definiu a moderação como um meio-termo entre extremos, uma virtude que “um mestre de qualquer arte está sempre buscando”. É uma virtude desafiadora.

A moderação como temperança também ocupa um lugar-chave na tradição cristã, na qual é considerada, juntamente com a prudência, uma virtude cardeal. O teólogo cristão São Tomás de Aquino, argumentava que a moderação não é incompatível com fortaleza, coragem e sabedoria. Ninguém pode ser sábio e corajoso sem ser, ao mesmo tempo, moderado.

Na visão comum, a moderação é comparada à indecisão, fraqueza, oportunismo e covardia. Aos olhos de quem defende essa interpretação, a moderação aparece como uma virtude branda, incoerente e indesejável, o oposto da firmeza e clareza de propósito. “A moderação se vê como bela”, disse Friedrich Nietzsche, “apenas porque não sabe que aos olhos do imoderado ela parece negra e sóbria e, consequentemente, feia”.

O tempo recente nos apresenta a hipermodernidade, como uma cultura paradoxal, que combina o excesso e a moderação, o tempo acelerado, a vida em regime de urgências, os horários estão cheios e a vida tem que ir além do mundo do trabalho, precisamos de divertimento, lazer, alimentar o espírito. Surgem aí as construções mais personalizadas dos usos do tempo: uma necessidade de melhor organização individual da vida.

Em Os Tempos Hipermodernos, Gilles Lipovetsky, filósofo francês, teórico da hipermodernidade, elege temas como individualismo, o exagero, a ética, moda como as  características de uma sociedade de consumo estabelecida sob o signo do excesso, um frenesi de mudança, insegurança em relação ao futuro, com a proliferação de estudos, mestrados, doutorados, pesquisas e desenvolvimentos de medicamentos e terapias para garantir que a sociedade hipermoderna tenha um futuro conciliador. A despeito de comportamentos excessivos, há o outro lado das pessoas, investindo na vida saudável e na paz interior. Logo, se de um lado há o excesso, o consumo exagerado, a correria, a competitividade, de outro há a recomposição de certa ordem no comportamento, esse paradoxo, essas normas contraditórias são características marcantes da hipermodernidade.

Lipovetsky analisa a procura atual pela leveza na vida, sem no entanto dispensar a obsessão pela performance profissional e pelo reconhecimento social e incrivelmente prova que estes paradoxos se sustentam. Apesar de toda atribulação, de estarmos sempre à beira de um furacão, estamos, ao mesmo tempo criando sistemas para tornar a vida mais leve, investindo em instâncias de leveza, tanto no mundo digital, no divertimento, no lazer, na espiritualidade.

Por isso o sucesso do budismo, da ioga, das práticas esportivas, das atividades artísticas. A medida que a pressão da vida privada fica mais difícil, as pessoas vão buscar cada vez mais meios de aliviar o peso de sua vida com atividades psicoespirituais que funcionam como uma espécie de remédio. Isso vai continuar porque não há alternativa. A novidade do mundo hipermoderno é justamente essa busca pela moderação, porque sabemos que amanhã haverá ainda mais competição, mais peso e aí, serão consumidos mais antidepressivos e espiritualidade.

Se nossos excessos se dão por medo, como de perdermos o emprego, de nos tornarmos irrelevantes, de deixarmos como herança aos nossos filhos uma vida precária, é praticamente inevitável que respiremos essa atmosfera de desassossego, ansiedade e confusão por muito tempo, a menos que aprendamos a ajustar as velas do navio para o modo moderação, para evitar que ele naufrague em tempos de excesso.

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