Sob o pretexto de reduzir os gastos das campanhas eleitorais e de que a nova lei possa valer já para as eleições municipais de 2024, a Câmara dos Deputados aprovou de afogadilho, praticamente sem debate algum com a sociedade a minirreforma eleitoral. Foram 367 votos favoráveis e apenas 86 votos contrários.
A esperança de muitos críticos da minirreforma é que ao ser analisada no Senado Federal, uma Corte com tradicional função revisora, certos desvios e flexibilização sejam corrigidos, na formulação de um novo relatório. O ex-juiz Márlon Reis, idealizador e relator da Lei Ficha Limpa, em vigor desde 2012, filiado ao PSB diz que: “É muito importante que a população cobre o Senado. Não é possível que essa atrocidade passe lá”.
A Associação Nacional dos Membros do Público – CONAMP emitiu nota manifestando preocupação e contrariedade com a aprovação de muitos pontos que representam graves retrocessos na legislação eleitoral, como o enfraquecimento no combate à fraude na cota de gênero, imposição de sanções mais brandas, exclusão das candidaturas negras dos critérios de distribuição de recursos do Fundo Partidário e do tempo no horário eleitoral gratuito, pela concessão de anistia total aos partidos que não destinaram os valores mínimos para as candidaturas negras, bem como aqueles que não repassaram o acréscimo ao mínimo de 30% para as candidaturas femininas nas eleições passadas.
As críticas recaem no reconhecimento unânime que o texto alivia punições a partidos e políticos que cometerem irregularidades e atenua os desvios da lei de cota para negros e mulheres. Uma alteração considerada retrocesso prevê que os recursos destinados às campanhas femininas poderão financiar despesas em comum com candidatos homens, desde que haja benefício (?) para a mulher, ou seja, a destinação de recursos a candidaturas femininas ficará condicionada a autonomia e o interesse do partido, o que abre brechas para reduzir os repasses às candidaturas femininas.
A minirreforma afrouxou geral ao dispensar a apresentação de certidões judiciais de “nada consta” pelos candidatos, documentos que revelam a lista de processos que o político responde nos meios judiciais sob o argumento que não faz sentido perder tempo e recurso em certidões judiciais para apresentar ao próprio Poder Judiciário. Reduziu o tempo que o político ficava afastado da vida pública ao ser condenado pela lei da Ficha Limpa; o período de inelegibilidade. Os oito anos agora, começa a contar a partir do momento da perda do mandato. O ex-juiz Márlon Reis, ao analisar as interferências na lei idealizada por ele desabafou: “Eu diria que foi a maior contribuição para a participação política do crime organizado que já se ousou tentar até o momento no Brasil”.
Candidatos que usavam recursos ilegais nas campanhas, respondiam a processos, muitos terminaram em cassação, sob a minirreforma, a cassação será substituída pelo pagamento de multa de até R$ 150 mil. A boca de urna que é ilegal, mas sempre existiu tête-à-tête e a luz do dia, passou a ser oficializada na forma virtual, está liberada a propaganda na internet no dia da eleição.
Criticada, porém aprovada por uma maioria inquestionável, a lei, se sancionada pelo presidente até 05 de outubro, nos possibilitará a vivenciar mais retrocessos do que avanços significativos. Não somos ingênuos a ponto de acreditar que o afogadilho para aprovar a Lei deu-se porque os parlamentares brasileiros estão preocupadíssimos com o custo das campanhas.
Com efeito, no bojo das referidas propostas legislativas há claro enfraquecimento no combate à fraude na cota de gênero, exigindo-se requisitos cumulativos para o reconhecimento do ilícito, bem como imposição de sanções mais brandas.
Exclui as candidaturas negras dos critérios de distribuição de recursos do Fundo Partidário e do tempo no horário eleitoral gratuito. Concede anistia total aos partidos que não destinaram os valores mínimos em razão das candidaturas negras, bem como àqueles que não repassaram o acréscimo proporcional ao mínimo de 30% para as candidaturas femininas nas eleições 2022.
Reserva para candidaturas negras apenas 20% dos recursos públicos para as campanhas, independentemente da porcentagem de candidaturas negras do partido, bem como deixa a critério dos partidos a aplicação deste recurso público nas circunscrições que melhor atendam as diretrizes e estratégias partidárias. Torna mais branda a sanção pela captação ilícita de sufrágio, ou seja, pela compra de votos, possibilitando a sanção do ilícito apenas com a pena multa sem a cassação do registro ou diploma do candidato, conforme a gravidade do caso.
Enfraquece diversos pontos de transparência e controle dos recursos públicos repassados aos partidos nas prestações de contas anual e de campanha, bem como dificulta a imposição de sanções aos partidos que cometem irregularidades. Reduz a contagem dos prazos de inelegibilidade previstos na Lei na Ficha Limpa, inclusive para os condenados por crimes graves e condenados por improbidade administrativa.
Ademais, restringe sensivelmente a possibilidade de incidência da inelegibilidade por improbidade administrativa e nas hipóteses de rejeição de contas de agentes públicos. Assim, sem prejuízo da necessidade de ajustes pontuais na legislação eleitoral.