Estamos fazendo política com raiva? Sinto que há neste momento uma ligação íntima e complexa entre a raiva e a política. A prática de fazer política com ódio não é só aceita, mas defendida por várias correntes filosóficas, que entendem que a amabilidade e não-violência não são instrumentos aplicáveis na política.
Argumentam que a raiva política tem um papel fundamental a desempenhar e é necessária para acentuar e promover mudanças profundas. Tenho dúvidas!
Porém, lendo o ensaio sobre a raiva, de Seneca, decido crer que a raiva política é um problema filosófico que podia ser tratado pela argumentação, com debates enriquecedores. A ira que ronda o congresso nacional, as faces de ódio que são exibidas, as palavras de efeito cortantes são frutos podres de uma árvore que detém ideias ora racionalizadas demais, ora radicais sobre o comportamento das pessoas e sobre o mundo.
E o problema delas segundo a avaliação negativa de Sêneca é que estas pessoas criam expectativas de dominação demais. O congresso nacional está sendo conduzido sob um ataque de ira, com a casa fechada a presença popular e seu o presidente passa o dia atacando todo mundo.
O que Sêneca diria é que, as confusões, injustiças e barbeiragens lá cometidas não são surpreendentes dado ao perfil dos que lá colocamos. Assim, seu primeiro conselho seria que fôssemos mais pessimistas ao ajustar nossa visão de mundo aos reveses da vida.
A onda de conservadorismo extrapolou no Congresso Nacional, com os discursos moralizadores, propondo restrições aos avanços que pareciam historicamente consolidados no Estatuto da Família, restringindo a constituição da família apenas com a união entre um homem e uma mulher; na questão da proteção jurídica aos embriões, na cura gay, entre outras medidas. Não nos surpreendamos se o Congresso pautar votação de medidas restritivas contra o rock, alegando que este tipo de música cria uma escada que desvia do caminho do céu.
É a cultura de demonizar o outro, vilipendiar as crenças que asseguram a compreensão e respeito as liberdades individuais. Há certo cinismo no ar quando falam de Estado laico e estão a derrubar os avanços conseguidos a duras penas, em nome de uma moralidade falsa e eleitoreira.
Sabemos que não podemos moldar o mundo de acordo com nossas convicções e retorno a Sêneca e a uma comparação que ele faz no ensaio citado. Disse que somos, como cães amarrados a uma carroça em movimento. A coleira é longa o bastante para termos alguma liberdade, mas não permite que cada um vá para onde quer. O cão logo se dá conta que ele precisa se contentar em seguir a carroça e que é bem melhor segui-la do que se debater contra algo que não se pode mudar e acabar se estrangulando.
Contudo, as noções de Seneca sobre raiva encontra amparo na maioria dos códigos morais e religiosos: a raiva é um dos sete pecados do catolicismo; é igualada com o desejo não correspondido no hinduísmo; é definida como um dos cinco obstáculos no budismo; no judaísmo, a raiva é considerado um traço negativo; e no Alcorão, a raiva é atribuída aos inimigos de Maomé.