Não é carnaval em Macondo

A criação de um colombiano errante e nostálgico.

Você me diz que é carnaval, eu digo que não. Não, em Macondo. Ler a biografia de Gabriel Garcia Marquez é como saborear algo que desatina os sentidos. Nascido em Aracataca, no litoral caribenho da Colômbia, na maioria das vezes cético, irônico, andando em círculos para retratar quase sempre o mesmo povoado, os mesmos sobrenomes, Garcia Marquez encheu-me de compaixão quando li “Ninguém escreve ao Coronel”. A solidão alí retratada era na forma maior da dor, do isolamento e incompreensão e daquela esperança que insiste e teima em ficar ali escondidinha na alma. O amor reprimido, de certa forma vivido em meio às cartas e olhares entre Florentino Ariza e Fermina Daza, em “ O Amor nos Tempos do Cólera”, que transforma a impossibilidade extrema em realidade mais de cinquenta anos depois, ampliou a minha capacidade de observar e esperar.

Gabo fala de amores contrariados, do consolo encontrado no sexo sem amor com prostitutas, o cheiro enjoativo das amêndoas amargas e o memorável século de solidão narrado na cidade imaginária de Macondo, que conta a história de seus fundadores, a família Buendía-Iguaran, a história da liberdade e do progresso, das revoluções, corrupções,dos caudilhos autoritários, dos liberais; a obsessão pelo poder e pelo controle da família por homens que não sabiam amar.

Gabriel Garcia Marquez diz-se sempre um contador de histórias, sobretudo das histórias que ouvira de seus avós. Narrou histórias de mulheres fortes, com ânsia de liberdade, ora sensuais e muitas vezes castigadas pela moralidade imposta pelo século XIX; apresentou-nos homens como Aureliano Buendía, solitário e forte, consumido por dilemas morais; homens enamorados e idealistas como Florentino Ariza, que viveu quase no limiar do delírio amoroso.
Garcia Marquez sofreu com seus personagens, com seus amores assombrados. Disse certa vez ser a criatura mais triste e solitária da terra, deve ser verdade, pois deve ser quase impossível distinguir onde estão os limites entre a vida e a poesia. Ao pai principalmente, devia desculpas por não haver trazido para parede da sala da casa, o diploma acadêmico.

Abandonou os estudos, foi viver em Paris. Vendeu garrafas e revistas nas ruas, cantou em bares com amigos, começou a escrever para pequenos jornais, acreditou no jornalismo e na literatura como fonte de vida em todos os sentidos. Vendeu o carro, guardou o dinheiro, que daria para a família viver por seis meses, trancou-se em casa e de lá saiu, um ano e meio depois com a obra-prima “Cem Anos de Solidão”; publicado em 1967 e vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1982. No discurso, ao receber a honraria das mãos do Rei da Suécia, lamentou a distância cultural que se confirmara entre a América Latina e a Europa, as desigualdades sociais seculares; pode enfim falar da sua América Latina – uma pátria imensa de “homens alucinados e mulheres históricas”.

Este homem de ideias socialistas desde sempre, admite que tem medo do escuro quando fica só em casa. Não gosta da mídia, da literatura tratada como comércio, da exposição de sua pessoa em congressos. Diz textualmente ter feito tudo para evitar tornar-se um “espetáculo” popular. Doente, aos 85 anos vive com a esposa Mercedes, no México. O universo de Gabriel Garcia Marquez é algo que entontece. Como não apaixonar-se por homens que arrastam atrás de si um cortejo de borboletas amarelas?

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