A era dos extremos, livro de Eric Hobsbawm, transmite uma forte impressão do tamanho da catástrofe humana que nos abateu no século XX, em relação à desvalorização do indivíduo, que ainda hoje, não reaprendeu o real significado da palavra respeito. Estamos convivendo com sério nível de incivilidade em nossas práticas diárias, no trabalho e nos relacionamentos pessoais. Falamos alto no telefone quando estamos em local público, usamos telefone no meio da refeição, sentamos numa cadeira, a bolsa senta-se na outra, ultrapassamos o limite de velocidade, passamos em sinal fechado, chegamos atrasados, jogamos lixo no chão. Isso não é mais considerado falta de educação?
Perdemos amigos, empregos por agirmos com grosseria. Nossos heróis se comportam incivilizadamente, nossos políticos, nossos desportistas também, embora saibamos que o comportamento não apropriado provoca reação violenta; palavras grosseiras recebem respostas igualmente grosseiras e aí, não se retoma o nível da civilidade aceitável entre seres humanos.
A incivilidade está virando uma epidemia nacional e se tornando o novo manual de comportamento e há quem afirme que a Internet incentiva a incivilidade, através de postagens ou comentários impróprios. Mas foi mesmo o trânsito que levou o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta, a afirmar que somos uma sociedade moderna atrelada ao passado, um país republicano com resquícios da aristocracia, que dirigimos sem olhar para os lados e quando temos que faze-lo, fazemos com arrogância e má vontade.
O estudo virou o livro “Fé em Deus e Pé na Tábua”, onde nossa incivilidade é escancarada tanto quanto foi quando ele escreveu Carnavais, Malandros e Heróis, onde a tradicional frase: “ sabe com quem está falando?” foi elucidada e explorada em todas as suas nuances. Agora ao estudar o nosso comportamento ao volante, novas verdades foram produzidas por DaMatta quanto a nossa civilidade. Afinal somos um povo com tendência a violar o princípio da igualdade. E o trânsito, contraditoriamente, nos obriga a uma situação igualitária. Todos temos que passar pelo mesmo lugar, embora ainda, quem tem um carro caro e grande sente-se dono de um espaço maior da rua. Alguns ainda agem como indivíduos, cuja vontade não pode ser contrariada.
Explica DaMatta que o brasileiro não aprende em casa ou na escola a ver o outro como uma pessoa que tem os mesmos direitos de usufruir o espaço público. Geralmente pensamos o contrário: o espaço de todos pertence a quem chega primeiro. Ele diz que o incomodado não deve mudar-se, tem que aprender a confrontar o comportamento transgressor do outro.
Um conselho de DaMatta para reforçamos a civilidade em nossas ações seria falarmos mais sobre igualdade. Igualdade de seguir na mesma rua, obedecer os mesmos sinais, nas mesmas leis. Para o antropólogo, fechar outro veículo, xingar no trânsito são apenas confirmações do conceito \”sabe com quem está falando?\”