O bem que eu não fiz

Não sou uma pessoa dominada pelos humores, pelas paixões e pelo acaso, sigo, às vezes, sem habilidade para dançar a música da conveniência e da exibição, mas falha e imperfeita, pego-me outras tantas vezes, vigiando a mediocridade minha e dos outros diante de impasses intoleráveis.

É tão fácil seguir quanto não seguir um objetivo estipulado especialmente quando não há nenhuma punição vinculada, a não ser o risco da não realização de um sonho, de um projeto ou de uma promessa. Temos um álibi forte para nossos fracassos de 2021, o mesmo que tivemos em 2020 e sabe Deus se não estaremos falando da mesma coisa em 2022: pandemia!

Sim, estes são tempos difíceis! A pandemia elevou o nível das desigualdades sociais, os impactos locais e globais da fome trazem a cada dia traz um novo lembrete dos desafios que enfrentamos. E isso é apenas no mundo externo! Nosso universo interior é complexo, absorve toda essa diversidade de problemas, dores miúdas e frustrações. No mais, é abaixar a cabeça e admitir; o bem que eu não pratiquei foi porque eu me omiti, porque não entendi a urgência, porque não priorizei o outro e até porque não me importei o suficiente.

Como sempre, há a escolha das prioridades e há as coisas que simplesmente deixamos para trás. Pequena, que sou, não ofereço cuidados de saúde a quem necessita; não estou na linha de frente em defesa do clima; pessoalmente, não forneço comida a quem tem fome. O impacto do meu trabalho e da minha voz não são tão potentes e imediatos quanto sempre quis que fosse. Mas tenho estendido minhas mãos e ampliado minha voz em favor de um mundo mais fraterno, de mais igualdade, menos julgamentos e mais acolhimentos. Gosto de acreditar que entre todas as histórias que contei aqui aos domingos, ao longo do ano, uma possa ter tocado seu coração, despertado um desejo, uma inspiração.

Faltando cinco dias para o fim do ano eu estou me perguntando em que eu desejo que o mundo melhore no próximo ano, no que eu preciso melhorar e as possibilidades são infinitas! Mas chegaremos no final do próximo ano com resultados insignificantes se continuarmos culpando a pandemia, a falta de tempo, a falta de dinheiro pela nossa pífia atuação em favor da vida mais justa e digna, o que é possível quando nos interessamos em conhecer o trabalho feito pelo outro. Aceito que não preciso protagonizar, líderar um projeto para entrar nele com todo meu coração.

Fui descobrindo coisas, me juntando à pessoas mais anjos do que gente, que pregam e fazem o bem o tempo todo. Através de uma amiga evangélica, tomei conhecimento que a população de rua em Cuiabá, tem um protetor incansável, um padre, que sem interromper suas ações em tempo de pandemia sequer por um dia, arrecada comida, roupa, dinheiro para comprar os itens necessários e distribuir todas as noites, onde há irmãos amotinados com medo e fome nas periferias e centro da cidade. Regra simples para colaborar com o projeto, não fazer da ação postagens para se redimir diante de Deus e dos homens.

Mulheres ajudam mulheres a saírem do ciclo da violência doméstica e assumirem o comando de suas vidas e emoções. Recontamos suas histórias, registramos os talhos na pele, choramos juntas. As denúncias são encaminhadas, a justiça é cobrada antes que a morte vença essa guerra, desigual em força e propósitos. Dentro das especificidades do grupo, cada mulher doa o que sabe, o que pode alcançar, o que pode contribuir para amenizar senão resolver uma situação grave colocada.

No bairro Pedra 90, um jovem visionário, quase sozinho produz cultura com o propósito de promover a inclusão social. Não é sorte, é utilizando a criatividade que ele transborda bons sentimentos nos cursos de teatro, aulas de dança, sessão de cinema e de leitura que oferece para os jovens da região. As vezes, ele pede apenas o compartilhamento do trabalho dele. 

Haverá distrações e momentos de dúvida, mas a hora de enxergar a dor do outro, de colaborar com algum projeto que não pode ser apenas um processo, mas sim, uma atitude de toda a jornada, é agora! Só precisamos reenquadrar as prioridades e parar de ter atitude de desconfiança para com o diferente, em qualquer aspecto da condição humana!

Estarei mais inteira e disponível nas minhas lutas. Calma e tranquila, sem reagir a maldade gratuita, não por fraqueza, mas por acreditar que a minha serenidade seja necessária para o outro vencer o mal dentro de si.

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