No mundo globalizado, quando um estágio de relacionamento se precariza, quando atinge um nível que aciona nosso medo crônico de sermos deixados para trás, de sermos excluídos, a vida cotidiana e nossa frágil organização familiar passa a ser um exercício de sobrevivência.
Vive-se um dia de cada vez, sem planos, movendo de um episódio para outro de olhos fechados.
Falta investimento pessoal na busca pela felicidade, falta tempo para observar os filhos crescerem, para trocar receitas, para almoçar juntos. A pressa de viver o que sequer sabemos o que será, nos consome.
Vê meu caro? A precarização da vida deixa-nos vulneráveis.
Além dos cortes orçamentários, aprendemos a promover cortes no tempo: no tempo com um livro, com um amigo, com um conhecido. Cortamos o tempo a céu aberto. A varanda anda deserta. Temos sido ensinados a fazer economia. Economizamos gestos de bondade, abraços apertados, risos, palavras. Como temos economizado as palavras!
Aos poucos a precarização toma conta de todas as esferas da vida e a solução moderna resulta na contratação de organizações terceirizadas para substituir as peças que não funcionam bem, em vez de repará-las. É isso: não há mais interesse e tempo para se consertar engrenagens que saem do prumo.
Não há mais diálogo reparador, nem tentativas para se reorganizar a vida que desanda. Tem sido assim e eu não concordo que coisa outra qualquer, possa substituir nosso senso de preocupação para com nossas vidas e com a vida dos outros.
Como seria terceirizar a atividade meio de nossas vidas? Bem já estamos fazendo isso. O motorista de uma van contratada leva nossos filhos à escola; os empregados do condomínio são terceirizados de uma empresa que os gerencia e são substituídos ou remanejados sem que sejamos consultados.
Furtou-nos o relacionamento de décadas que tínhamos com Noel e com o Lourival. Entre a Geni, que cuidou dos meus filhos e a Leny, a precarização do relacionamento e do trabalho é claramente percebida. Geni era a expressão do comprometimento, do compartilhamento, do amor. Leny recebe por dia, não quer ter vínculos e quando precisa faltar, ela própria aciona sua rede familiar e terceiriza o trabalho dela.
Os cortes, a precarização atingem também os serviços públicos, dos quais grande parte da população depende para se locomover, estudar, permanecer vivos e além da realidade de ver que a precarização se materializa em todos os espaços da periferia, com ruas ainda sem asfalto, sem água tratada, esgoto a céu aberto, sem postos de saúde, além da leniência do Poder Público diante das misérias produzidas pelas crianças fora das salas de aulas, um equilíbrio fugaz é constituído neste novo mundo sem vínculos duradouros.
Mas enfim, o que a terceirização propõe é exatamente isso; dinamizar a rotina sem levar em conta relacionamentos pessoais e sem a preocupação mínima com a sintonia. Na maioria das vezes é um gatilho que rompe o equilíbrio e desarticula a harmonia das relações estabelecidas.