A ocasião e o contexto que a pessoa existe são assimilados à sua essência, aos valores que a pessoa preza e prega. E nos espaços onde os laços humanos foram substituídos por redes de relacionamento e os grupos se identificam por ações que os distinguem dos que estão fora de suas redes, são os iguais se juntando, ignorando que viver em sociedade é não ter controle sobre tudo e que as regras que orientam minhas ações são exatamente as mesmas que orientam as ações dos outros sobre mim.
Há muitas coisas acontecendo que são perturbadoras e expressam um movimento perigoso em que parte da sociedade está se envolvendo em situações delirantes e se tornando cada vez mais radical. Os iguais não querem se misturar, construíram uma realidade distópica, onde tudo está organizado de forma opressiva e invocam Deus para justificar os discursos de ódio, a exclusão e a vingança, mas quem leu a Bíblia conhece o principal mandamento de Deus, no livro de João 15:17 “este é o meu mandamento: amem-se uns aos outros,” ou em 1 João 4:20: “Se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”.
Narro aqui pouquíssimos acontecimentos pesquisados na última semana para externar uma questão intrigante: a quantidade de pessoas que estão se expondo em solidariedade a um movimento onde falta humanidade, ética profissional e respeito às divergências.
Na cidade de Sinop, o diretor de uma escola particular demitiu um professor que criticou em suas redes sociais, o bloqueio das estradas no estado; uma empresária de Alta Floresta, em áudio escancara o preconceito, a xenofobia e crueldade ao dizer que já verificou como foi a votação dos funcionários e vai demitir um a um dos que votaram no candidato adversário ao dela, proferindo um discurso carregado de ódio, inclusive contra Deus, a quem ela acusa de tê-la abandonado depois de tantas orações fervorosas, de joelhos e promete que não mais o louvará. Ainda, no inconcebível áudio, a empresária ameaça separar-se do marido se este, ainda que por trabalho, pisar em terra nordestina. Ah, o Nordeste não perde muito!
O que dizer do áudio do médico sul-matogrossense, que causou pânico em mais de 10 mil eleitores, onde ele, carregado de ódio e desprezo disse: “quem votou no Lula e chegar morrendo no hospital, vai morrer. Porque eu não vou ajudar”. O doutor é diretor clínico do Hospital Regional de Nova Andradina e literalmente cuspiu no juramento de Hipócrates. “A saúde do meu doente será a minha primeira preocupação”.
Em Cuiabá, vários empresários estão sendo expostos numa “lista negra” intitulada ‘Empresas cujos donos são petistas’, com indicação de que suas empresas devem ser boicotadas pela classe empresarial e por clientes partidários do candidato que perdeu as eleições.
Aconteceu com o Restaurante Le Farine e sua proprietária tornou pública sua indignação, desacataram familiar do proprietário do tradicional Chopão. Também citado na lista, o médico, Dr. Michel Patrick emitiu nota repudiando veementemente a exposição a qual fora submetido, registrou boletim de ocorrência para que o covarde autor/a da nota seja identificado e responsabilizado criminalmente.
Li mensagens de mães ensinando filhos pequenos a excluir e se afastar do convívio de colegas, cujos pais sejam de “esquerda” e ouvi o áudio da inescrupulosa professora desligando alunos “de esquerda” do grupo de orientação no mestrado, por mensagem de WhatsApp, que aliás, é a forma única de comunicação válida que esses tipos conhecem.
Fechar o comércio, acampar, orar, fazer churrasco na frente aos quartéis, grudar na frente de caminhões, dar berros e sair marchando, cantar o hino nacional 10 vezes ao dia, são direitos inquestionáveis, cada um com a porção de loucura que lhe é inerente, todavia, não é sinal de progresso observarmos que onde antes havia acampamentos das pessoas amontoados debaixo de lona preta, reclamando um lote de terra, vê-se tendas climatizadas, pagas por certo com dinheiro de grandes empresários, dos quais muitos gozam do benefício da renúncia fiscal ou algo que o valha para abrigar um grupo de pessoas birrentas, egocêntricas, que se nutrem de notícias falsas e não suportam o fato de suas vontades não terem prevalecido nas urnas.