Saímos de casa de carro com os vidros escuros, talvez para não ver o que acontece do lado de fora. Desenvolvemos uma visão que só enxerga para dentro de nós mesmos. Estamos doentes, sofrendo de mundanidade e esta doença anestesia a alma e nos transporta para um mundo artificial, onde os homens doentes, acometidos pela mundanidade são incapazes de perceber a realidade dos outros.
Estamos compelidos a destruir os valores que regem a vida e personalizar o mundo dos outros, como “meu” mundo; a verdade que impera é a minha verdade, o Deus que governa é o meu Deus! O mundo sou eu e 7 bilhões de outros seres humanos, aos quais sou indiferente.
Essa dureza de coração fecha os homens em si mesmos e eles não sabem dialogar, porque desaprenderam a ouvir. ”Quem não sabe dialogar, não sabe rezar”, afirmou o Papa Francisco dias atrás. O que o Papa chama de mundanidade, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de modernidade líquida.
De certa forma, ambas expressões remetem ao derretimento dos sentimentos compartilhados; ao embrutecimento da sensibilidade; a fragilidade do amor; a incapacidade de olhar e enxergar o outro. Inegavelmente, a modernidade está caracterizada pela fragmentação, sobretudo porque o individuo transformou-se em um caçador de prazeres e tem se esquivado da necessidade de se olhar profundamente um dentro do outro e estabelecer parcerias e vínculos.
A vida moderna, agitada, cheia de paradoxos, antagonismos nos condena à viver embriagados, aturdidos com tantas coisas novas desfilando diante dos nossos olhares. Mas sabe? De todas as coisas que nos atraem e tocam nossos corações, a primeira delas deveria ser o outro, o irmão.
Entretanto, estamos vivendo uma estranha incapacidade de tomar a vida com afetividade e humanidade, de olhar abrangente uns aos outros. Por que? Porque o outro pode ser uma ameaça dentro das nossas cidades do medo e num mundo inseguro, a segurança passa a ser um valor, que na prática, reduz todos a outros.
Numa sociedade tão individualizada é o mercado com seu poder de sedução, que preenche os espaços deixados pelos ideais e pelo romantismo. Passa a ser chocante para as pessoas com certo senso moral assistir ao espetáculo da corrupção e viver a atmosfera de desagregação e indiferença que permeia as instituições conduzidas por homens acometidos pela mundanidade.
Poderemos, é claro, remodelar a condição humana na forma de algo melhor do que ela tem sido até agora, tornar o mundo mais hospitaleiro para os homens, para que seja possível atingir a felicidade com mais poder humano e com a consciência de que a vida vivida fechada em si mesma, baseada nas distrações pode ser divertida, mas a sensação do divertimento passa, e o olhar do outro sob os ombros, pode desconcertar. Balancear, equilibrar as nossas relações é o desafio que carregamos, pois não podemos nos mover, tampouco viver em meio ao redemoinho.