Não se faz cerimônia pública inventando posições, ordem de precedência para entrada em recinto e ordem de falas das autoridades. O Cerimonial Público tem as normas e a Ordem de Precedência das autoridades publicadas no Diário da União, através do Decreto Presidencial número 70.274, de 9 de março de 1972. Desde então, embora questionado em alguns pontos, visto que o decreto foi elaborado durante o regime militar, é o que temos para seguir e nortear os trabalhos dos cerimonialistas públicos em atividade no país, profissão que exerço desde 1997, quando filiei-me ao Comitê Nacional do Cerimonial Público e submeti-me a estudos e estágio no Palácio do Itamaraty.
Tudo o que se vê num grande e bem organizado evento com presença de autoridades é minimamente colocado segundo o decreto; a posição das bandeiras, horário de hasteamento e arriação das mesmas, quem é chamado primeiro numa cerimônia, onde senta e quem senta-se à direita de quem. Portanto após certo tempo, estes procedimentos tornam-se automáticos, visto que o decreto é lei, devemos segui-lo. Porém, com bom senso, ousadia e anuência da maior autoridade na cerimônia, é possível proceder sutis alterações.
O que pretendo mostrar é que alguns ritos são protocolares, inerentes ao cargo, independente de quem o ocupa e a intensidade com que os ritos são performados. Muitas vezes dentro de uma postura sóbria, meramente protocolar, mas na maioria das vezes, o ato de performar transforma a cerimônia num grande palco de teatro. Ler Victor Turner é essencial para conseguir compreender a amplitude da palavra ritual, que o autor emprega na maioria das vezes, para revelar traços ou restaurar laços sociais corrompidos pelo tempo ou pela própria dinâmica da cultura. Para Turner as propriedades rituais são imprescindíveis para compreender a vida cotidiana. Victor Turner, antropólogo, cuja mãe era atriz, viveu as voltas com o universo das artes cênicas. Richard Schechner, cuja origem vem do teatro, interessou-se por antropologia e pelos estudos de Victor Turner, ao qual também critica. Ao ler ambos, que dialogam incessantemente ficou um pouco mais confuso diferenciar o rito da performance. Mas é preciso diferenciá-los?
Schechner , entre as várias definições de performance diz que: “performances consistem de comportamentos duplamente exercidos, codificados e transmissíveis. Esse comportamento duplamente exercido é gerado através da interação entre o jogo e o ritual. De fato, uma definição de performance pode ser: comportamento ritualizado condicionado/permeado pelo jogo”. (SCHECHNER, 2012, p. 49)
Dentro dessa definição, mudo meu olhar e enxergo nitidamente que o que procuro mostrar são performances permeadas pelo jogo político e nesse contexto cabe exatamente o que diz Schechner mais adiante: “ o ritual transforma as pessoas permanente ou temporariamente”. A performance não é necessariamente uma representação no teatro do faz-de-conta e encena-se fatos marcantes da vida cotidiana. Coloco nesse contexto, as cerimônias de assinatura de convênios com relevante investimento a ser anunciado. O cenário é montado para favorecer o anúncio do valor, que é enfatizado pelo narrador, anunciado pela autoridade, com gestos largos que podem ser lidos à distância. É, como disse Turner e depois lido em Schechner, um ato restaurado, visto que nenhum anúncio é tornado público sem antes haver sido discutido e acertado nos bastidores.
As performances políticas estão em toda parte, todos os dias. Nas ocasiões de visitas oficiais de altas autoridades, a performance antecipa-se à construção do próprio cenário, que é revestido de um conteúdo próprio para construir a confiança e convencer o público. Os rituais que entendia eu, estarem mais ligados a coisas da tradição e portanto eram tratados com mais rigor, são performados sem nenhum pudor. Schechner deve estar com razão quando ao concluir o texto diz que em toda atividade humana deve existir muitos atores.