Não há nuances sutis para quem tem a tendência de ser visceral, ou seja, colocar todos os órgãos internos do corpo a serviço da emoção. Ao ler um artigo, estendo a leitura aos comentários anotados abaixo e aí sim, é possível ver como as pessoas se metem na vida alheia com munição pesada de conservadorismo, repreensão e julgamentos precipitados.
Em muitos casos, a própria mídia, desde o título da matéria, já induz o cidadão ao exagero de direcionar críticas e xingamentos não somente aos que se excedem na exposição da vida íntima.
Dois fatos noticiados esta semana receberam incontáveis comentários ignorantes e desrespeitosos endereçados a desembargadores. Ao expor a vida íntima, mais precisamente o fim de um relacionamento conturbado nas redes sociais, um jovem antes de ter o próprio nome mencionado, teve o do pai, porque este, uma autoridade do Judiciário, renderia manchete. Dito e feito!
Rendeu também um sem número de intervenções viscerais de discurso de ódio contra o relacionamento dos rapazes e palavras grosseiras, no sentido de atingir os familiares. A mídia equivocada, apressou-se em divulgar o nome do pai de um dos rapazes desde o título da matéria, embora seja o jovem maior de idade, como se houvera um pai, desembargador ou não, ser prejudicado por ter um filho homossexual.
O outro fato noticiado foi sobre o reconhecimento pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, ao direito de receber metade do valor deixado em pensão por morte a uma senhora que teve relacionamento duradouro e comprovado por mais de 20 anos com um homem casado.
No apontamento são expostas as razões pelas quais o despacho do desembargador enveredou pelo acolhimento da pessoa na condição de parte de uma estrutura familiar paralela, considerando que o Poder Judiciário não deve ignorar a existência dos relacionamentos informais, baseados no afeto.
Esse entendimento que mereceu uma página no conceituado jornal Estadão, desagradou a família tradicional, que vive sob o signo do princípio da monogamia. Cidadãos que sequer foram afetados pela decisão proferiram xingamentos viscerais até a terceira geração da mulher beneficiada e do desembargador.
Estamos viscerais no sentido negativo da palavra. Estamos usando toda a força da alma, dos pulmões e até dos órgãos reprodutores, para odiar, para denegrir os valores dos outros, as crenças, a liberdade, o gênero. A humilhação e o ataque são características dos seres viscerais. O ataque pessoal e crível é suficiente para induzir uma pessoa a vergonha e a humilhação existencial.
Lamentavelmente nossas estratégias de tratar as situações e as pessoas com respeito tem sido estritamente limitadas pela ânsia de nos posicionarmos diante do que não conhecemos e não fomos chamados a opinar. Olhando mais profundamente essa questão de colocar as vísceras para defender pontos de vista, diria que em vez disso, poderíamos nos aventurar em reformar o conhecimento que temos e não trabalhar tão intensamente para deformar a dignidade dos outros.
E não estou falando aqui da utopia de vivermos o mito das relações agradáveis, porém podemos nos livrar do peso do rosto severo, dos músculos esticados e do olhar inabalável de quem vê a vida através das vísceras. Este pode ser um desafio formidável!
P.S. Visceral é um adjetivo referente à aquilo que pertence às vísceras. As vísceras são os órgãos que estão contidos nas cavidades do corpo; como parte do aparelho respiratório ou do aparelho digestivo, como os pulmões, o fígado, o coração ou o pâncreas. A noção de visceral no sentido figurado está associado a uma reação emocional super intensa, que brota do interior da pessoa e escapa à razão e à lógica.