Você pensa assim porque é mulher

OSegundo Sexo escrito pela filósofa francesa Simone de Beauvoir, em 1949, aborda a posição da mulher na sociedade da época e descreve as maneiras pelas quais a mulher é percebida como “outro”, secundária ao homem, que é considerado e tratado como o primeiro ou sexo padrão. Contextualizando o período europeu do pós-guerra, a passagem do tempo, exatamente 74 anos, os avanços comportamentais advindos de lutas e exposição de figuras femininas, é extremamente pertinente que as jovens modernas de hoje façam uma leitura crítica do texto. 

Uma das frases mais famosas do livro é: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Simone de Beauvoir explica com isso que os papéis que associamos às mulheres não são dados a elas inerentemente, em virtude de sua biologia, mas são construídos socialmente, através de lutas, levantes diante da opressão que sofrem. As mulheres aprendem o que devem ser na vida, que tipo de papéis podem ou não desempenhar em virtude de serem do \”segundo sexo\”.

Faz sentido, que se alguém é ensinado durante toda a sua vida que para ser uma mulher, para aceitar a relação de hierarquia e normas, ela deve ter uma certa aparência, agir de certa maneira, desempenhar um papel subserviente dentro de sua família e trabalhar apenas em certos tipos de empregos, ter filhos, organizar a casa, isso vai afetar o senso de liberdade e autenticidade do ser feminino. Ser visto e muitas vezes, se sentir como “o segundo sexo” certamente é complicado e isso vai moldar o que você pensa que são suas escolhas de vida e vai mudar a forma como você percebe sua própria liberdade.

Na introdução do livro, a autora cita o filósofo grego Aristóteles, para quem “a fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades, devemos considerar o caráter das mulheres como sofrendo de certa deficiência natural”. São Tomás de Aquino, decreta que a mulher é um homem incompleto, um ser não autônomo. Acrescento aqui a fala desconcertante do filósofo alemão Arthur Schopenhauer: “O que distingue o homem do animal é a razão; confinado no presente, lembra-se do passado e pensa no futuro: daí a sua prudência, os seus cuidados, as suas frequentes apreensões. A razão débil da mulher não participa dessas vantagens nem desses inconvenientes; sofre de uma miopia intelectual que lhe permite, por uma espécie de intuição, ver de uma maneira penetrante as coisas próximas; mas o seu horizonte é limitado, escapa-lhe o que é distante”.

   Ainda hoje ouvimos: “você pensa assim porque é mulher”, numa tentativa de reduzir nossa capacidade de elaborar um raciocínio lógico, ao que Simone de Beauvoir respondia prontamente: “penso-o porque é verdadeiro\”, eliminando assim a subjetividade se dissesse: “você pensa o contrário porque é homem”. Ainda hoje, não há vestígios e sim evidências de que os avanços ocorridos na trajetória das mulheres desestabilizam milhares de homens.

Nesse sentido, sinto-me compelida a dar visibilidade às violências cometidas contra as mulheres, que foram silenciadas, mortas, impedidas de se colocarem como sujeitos de suas próprias existências porque certos homens impuseram limitações a sua liberdade de escolha, sobretudo quando decidiram pôr fim a um relacionamento. Padrões machistas seguem firmes e encerram precocemente a vida de milhares de mulheres, que ainda pela desinformação sobre seus direitos, pela falta de apoio de familiares, vulnerabilidade e dependência não denunciam os companheiros na primeira observação que estes não superaram sequer a tradição da posse do corpo feminino.

Sobre isso, Simone de Beauvoir disse: “Ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade.”

  As questões fundamentais da mulher residem ainda no conflito entre realizar suas aspirações essenciais, viver a situação de independência e liberdade, desbloquear as estradas que estão fechadas, sem pagar com a vida.

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